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Tutti-frutti
Publicado em Rita Lee Jones
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Cinco dias de ventania
Os moradores para lá se deslocam com grande alvoroço a fim de não perder as liquidações. Apenas duas lojas enfeitam minha cidade. A melhor fica de frente para o mar, ao lado do vulcão ativo e tem precipício imenso nos fundos. A outra foi transformada em museu. A cidade completou 60 anos de existência, sendo que seu filho mais velho ainda vive muito bem aos 85. As notícias chegam de todos os lados para seus habitantes. A última veio do Norte e dava conta de que estávamos sendo invadidos pelo Sul. O lapso foi corri-gido a tempo e invadimos a ilha que fica colada na região Oeste. Estava deserta. Os funcionários do governo trabalham todos para o governo. O que toma conta dos arquivos está nesse posto desde que entrou. Nossa bandeira, nosso orgulho, foi desenhada por um dos mais destacados artistas plásticos.
Ela tem círculos concêntricos que simbolizam nossas matas e postes de iluminação pública. O exército não existe mais. Foi atropelado por uma bicicleta no dia da parada cívica mais importante: Dia da Galinha. Hoje a cidade prepara-se para receber a visita do ilustre senhor governador do Estado. Ele deve chegar a qualquer momento se o vento não vier antes com cinco dias de ventania. Hastearam a bandeira no topo da igreja, os sinos dobram no alto do pinheiro e foram distribuídas bandeiras de mão a todos os bois e vacas. Na varanda da cidade, a rede de balanço espera turistas, crianças perdidas e moscas.
*Rui Werneck de Capistrano está na varanda da cidade
Publicado em rui werneck de capistrano
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Quando penso que consegui escapar da fulana, chega sua tia
Estou indo à farmácia para comprar soro fisiológico para as narinas entupidas da minha filha. Ela não dormiu nem me deixou dormir. Encontro uma conhecida com a qual simpatizo, mas não posso dizer que adoro. Paro meio segundo para cumprimentá-la, torcendo para que não me peça nada. É o tipo de pessoa que acredita nos encontros humanos como portais do universo para obter ganhos: sempre precisa de um contato, uma divulgação, uma oportunidade para seu ofício incompreensível de facilitadora-cognitivo-positivo-funcional-para-estratégias-eficazes-de-objetivos-alcançados.
Quando penso que consegui escapar da fulana, chega sua tia e me estala na têmpora direita um beijo de buço suado. Ela diz “muito prazer”. Eu penso: “onde?”. Onde está o prazer nesta quarta-feira de merda?
Estou sem dormir. Minha lombar eternamente inflamada já foi pro sacro há muito tempo. Se não tomo injeção todo primeiro dia do mês, tenho uma enxaqueca quase que diária. O valor do plano de saúde dos meus pais idosos é igual ao meu salário em uma das empresas mais bem-sucedidas do país. Trabalho 16 horas por dia para não terminar o mês no vermelho e lido diariamente com um colega de trabalho que só não é mais grosso por falta de agenda. Não transo há 14 dias porque quando posso transar eu acabo dormindo, e aí sonho que tento jogar uns restos podres de comida em uma lixeira pequena e baixa, mas ela está abarrotada com minhas joias.
Respondo à tia, por educação e inércia, que “o prazer é todo meu”. Estou inteira cagada de laranja, pois virei a louca da curcuma. Lembram do Fábio Porchat inteiro cagado de azul gritando “JUDITE”?
Eu sou essa pessoa, mas com a cor laranja, achando que a curcuma vai levar embora da minha vida tanta amigdalite e dor no corpo. Só ganhei uma gastrite. Comprei um All Star que maltrata as laterais de meus dedinhos, que estão assadas, raladas. Vivo fedendo àquela pomada chinesa Tiger Balm —a vermelha, que é mais forte. Já passei no pescoço, na testa, nos ombros, nas escápulas, na lombar.
“O prazer é todo meu.” Me vejo de fora, balançando a cabeça em desacordo. Mentira. Não tem prazer, muito menos TODO o prazer, e ele definitivamente não é meu. Como pode uma pessoa viciada em TikTok usufruir de algum prazer verdadeiro na vida? Até assistindo a um bom episódio da melhor série do mundo eu penso: “tá demorando pra acabar”.
O pior estrago que a tecnologia fez conosco foi destruir a capacidade de concentração do nosso cérebro para informações válidas, complexas e duradouras. Na verdade, isso não passou de uma preparação sábia para que a gente fosse ficando tão burro a ponto de agora achar que o ChatGPT é genial.
O processo para nos substituir nem foi tão engenhoso assim e estamos tão cansados que suspiramos de alívio. O jornal se tornou insuportável. A revista Piauí, uma afronta. “O que você tem aí pra mim que me dê uma alegriazinha burra de três segundos?” Essa passou a ser a pergunta da minha cabeça. Arranquei o TikTok do meu celular e voltei a ler. A cada dois parágrafos, eu tremo e meu cérebro pede: “vai, me dá, me dá aquela porcariazinha mais fácil e gostosinha, vai?”.
Não tem um pingo de prazer no meu corpo. Minha enxaqueca avisa que está na hora da injeção do mês. Meus dedinhos assados latejam. A empresa de cosméticos que me contratou para uma palestra simplesmente não pagou —nem sequer responderam o meu e-mail. Outra empresa para a qual fiz um trabalho perdeu a nota, então agora só mês que vem. Vou ficar no negativo assim que comprar um soro fisiológico. É quando coço os olhos com um pouco de pomada Tiger Balm nos dedos e tenho a certeza de que vou morrer em um cruzamento da avenida Angélica.
Publicado em Tati Bernardi - Folha de São Paulo
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A vida é um sopro
Os humanos, atestam os cientistas e as estatísticas, estamos vivendo cada vez mais. Desconheço apenas se para melhor. O mundo e as coisas do mundo me parecem progressivamente piores, na mesma medida – cruel ironia -, em que ficamos mais longevos.
A morte recente do grande Coski, o brilhante “lorde” Luiz Roberto Soares, dessas figuras de políticos, ou ex-políticos, que não se fazem mais, confesso que não a digeri de todo até agora.
Fulminado por um enfarte, aos 66 anos, na fila de uma agência bancária, foi uma exceção às estatísticas e a todos os prognósticos. Inclusive aos nossos, pessoais, que pontuaram a conversa que tivemos um dia antes. Há menos de doze horas de seu fim, falamos longamente ao telefone e o Coski, senhores, era só entusiasmo e saúde, além da língua ferina que nele era quase um vício.
Tendo como “gancho” o escritor Pedro Nava, que conheci já octogenário, no Rio, Coski demoliu mediocrões e mediocraços, exaltou o gênio de raros e falamos justamente de longevos notórios do patropi. De Dona Canô, a quase centenária mãe de Caetano Veloso, ao Oscar Niemeyer que, salvo imprevistos, emplaca um século em dezembro, sem esquecer jamais de Dercy Gonçalves, nossa rainha do escracho.
E lembramos alguns macróbios notáveis do passado recente, a exemplo de Barbosa Lima Sobrinho, morto aos 103; Sobral Pinto, aos 98, e até mesmo de Austregésilo de Athayde, saltitante nonagenário capaz de recitar, na ponta da língua, todos os estados americanos. Que não são poucos e nem fáceis de memorizar, por complicados em pronúncia e estilo.
Acredito que, excetuando-se o onisciente imponderável, somos os donos de nosso destino e, por extensão, de nossa vida. E que longevidade é sempre um projeto, uma opção, assim como o seu contrário, a morte prematura. Ainda que não seja fácil morrer. Vivi isso na pele, sob a experiência, mais que pública, com que freqüentei o abismo. E fiz, em tempo, o indispensável revirão, não é mesmo Don Suelda de Itararé?
Alguns de meus contemporâneos não o desejaram fazê-lo – Torquato Neto, Paulo Leminski, Marcos Prado, Ana Cristina César, Rita Pavão, minha amiga amada. E morreram, antes do tempo, de susto, de bala ou vício, por pura convicção de que a vida é mesmo uma inenarrável josta. Não lhes tiro de todo a razão. Poderiam ter produzido mais, incomodado mais o coro dos contentes. Mas vieram ao que vieram e isto, a meu ver, já foi muito.
Olho em torno: tenho minha mãe, 80 anos, muito enferma, vítima de crudelíssima doença degenerativa pelo fato -não tão simples – de que se recusou a viver além da conta, da sua conta particular e intransferível; invejo Caetano por ter Dona Canô a completar lúcidos cem anos em setembro, e tudo o que a gente queria ser era o Oscar Niemeyer…
Mas quando penso no Coski e em sua morte limpa, sem angústia nem aviso, já não sei mais para onde deva andar meu coração. E fico aqui parado, sem escolha, sem norte nem destino. Então, o que resta à gente é viver.
agosto|2007
Bah!
Polícia tira Renato Freitas de avião para revista “aleatória”; veja vídeo
O deputado estadual Renato Freitas (PT) foi retirado de um avião para ser revistado por policiais. O caso ocorreu na quarta-feira passada (3), no aero porto de Foz do Iguaçu, mas só agora veio à tona – a assessoria do deputado diz que tem preferido agir com calma na divulgação de possíveis casos de racismo, em função da perseguição constante contra o político. A PF diz que vai apurar possíveis abusos, mas que em princípio tudo ocorreu dentro da normalidade, e que tudo teria começado com o deputado se negando a ser inspecionado no lugar devido (veja nota abaixo).
Segundo informações de seu gabinete na Assembleia Legislativa. O deputado estava voltando de um evento do Ministério dos Povos Indígenas em que participou como representante da Assembleia Legislativo. No aeroporto, porém, Renato foi avisado de uma revista – os policiais federais disseram que ele foi escolhido “aleatoriamente”.
O vídeo divulgado nas redes sociais mostra Renato já dentro da aeronave. Em seguida, o deputado sai para que sua bagagem de mão seja inspecionada. Um dos policiais diz que o sistema prevê a revista de passageiros num rodízio aleatório, de acordo com o número de pessoas que passam pelo aeroporto. O Plural está atrás de informações sobre como funciona esse sistema e se ele realmente é aleatório.
Vídeo / Renato Freitas pic.twitter.com/y717kU4JDd
Depois de verificar todo o conteúdo de uma mopchila do deputado, o policial informa que vai revistado. Renato, que agiu pacificamente todo o tempo, pergunta se vai “levar uma geral”. Novamente, o policial diz que ele foi escolhido aleatoriamente para isso. Mais uma vez, nada é encontrado e o deputado é liberado para voltar a seu assento. Só depois de já ter entrado ele critica a ação, chamando os agentes de ignorantes e racistas.
Ao entrar na aeronave novamente, os outros passageiros, que estavam tendo o voo atrasado por causa do procedimento “aleatório”, tentam dizer que está tudo bem, que todo mundo passa por isso. O vídeo se encerra quando o petista pergunta se de fato acontece com todos, se já aconteceu com alguém ali.
Renato, que já chegou a ser cassado ilegalmente na Câmara de Curitiba por um protesto antirracista, tem se destacado pela posição combativa em defesa dos negros e das comunidades periféricas. Na Assembleia, vem travando um combate com a bancada da bala, representada por policiais e por bolsonaristas que não aceitam seus posicionamentos.
Leia a nota da Polícia Federal
A Polícia Federal informa que foi acionada no último dia 3 de maio para auxiliar Agente de Proteção da Aviação Civil (APAC) na inspeção de passageiro que teria se recusado a se submeter a medidas adicionais de segurança estabelecidas pela Resolução, no aeroporto de Foz do Iguaçu/PR.
Este teria se recusado a passar pelo procedimento no local indicado e se dirigido diretamente até a aeronave. Dessa forma, a equipe de inspeção do aeroporto acionou a PF para que a acompanhasse até o avião e procedesse à inspeção devida.
Cumpre ressaltar que a condução da inspeção de segurança é feita por Agente de Proteção da Aviação Civil (APAC), contratado pelo operador do aeródromo.
A Polícia Federal esclarece que todos os procedimentos foram realizados em conformidade com a resolução da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC). Ressalta ainda que eventuais abusos ou falhas na condução do procedimento serão devidamente apurados.
Publicado em Plural
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Trump elogia Bolsonaro e zomba de mulher que o processou por abuso
Em sabatina, ex-líder dos EUA mostra que não pretende moderar posições para aumentar chances nas primárias
Donald Trump não pretende moderar suas posições para disputar a indicação à Presidência nas primárias republicanas —tática que analistas consideram crucial para aumentar sua popularidade na sigla.
Pelo contrário. Em sabatina nesta quarta (10), transmitida pela CNN, o ex-presidente dos EUA repetiu, sem evidências, que as eleições que perdeu para Joe Biden foram roubadas, descreveu a invasão do Capitólio como “um belo dia” e zombou da jornalista que o processou por abuso sexual e venceu o caso.
Até o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro (PL) foi citado, ainda que não nominalmente. Questionado por um eleitor sobre como pretendia defender o porte de armas em um momento em que os EUA buscam limitá-lo em resposta à multiplicação de ataques a tiros em massa, disse que o Brasil sob Bolsonaro era exemplo de um país em que a flexibilização do acesso às armas fez as taxas de criminalidade caírem.
“A matança era absurda. As pessoas entravam nas casas umas das outras e se matavam, não havia proteção. Daí ele [Bolsonaro] disse para as pessoas comprarem armas. Elas fizeram isso, e o crime caiu muito, os números diminuíram, porque as pessoas passaram a ter segurança”, disse Trump.
Bolsonaro instituiu uma série de medidas para facilitar o armamento da população durante a sua gestão —a emissão de licenças para armas de fogo no país disparou 473% entre 2019 e 2022. Embora as taxas de homicídio tenham de fato caído no período, especialistas consideram que o fenômeno não teve a ver com ações do governo federal, mas com o arrefecimento do conflito entre duas das principais facções criminosas brasileiras, o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o CV (Comando Vermelho).
A sabatina, realizada em New Hampshire, foi dominada pela insistência de Trump em repetir as alegações infundadas de fraude nas eleições presidenciais de 2020. Questionado pela moderadora da CNN, Kaitlan Collins, se tinha algum arrependimento em relação à sua atuação na invasão ao Capitólio, ele saudou a turba que tomou o Congresso americano em uma tentativa de impedir a ratificação da vitória de Biden, dizendo que eles foram ao local “com orgulho” e “amor no coração”. “Foi inacreditável, um belo dia”, afirmou, acrescentando que, se fosse eleito novamente, pretendia perdoar os condenados pelo ataque.
A insistência na narrativa foi um de muitos pontos de tensão entre o ex-presidente e Collins, que buscou corrigi-lo cada vez que ele fazia uma afirmação incorreta ou sem evidências. À medida que o debate avançou, os dois passaram a se interromper com frequência e, em determinado momento, Trump chamou a moderadora de “nasty”, nojenta —adjetivo com o qual se referiu várias vezes a Hillary Clinton, sua rival nas eleições de 2016, e também utilizado para descrever a atual vice-presidente, Kamala Harris. Continue lendo
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Janjada 4WD
Juscelino trouxe a indústria estrangeira com veículos caducos na matriz; os militares inventaram os pés-de-boi, os carros com bancos de lona, sem forração antirruído e motores de fracos para seduzir o imaginário da classe média; Fernando Collor deu um basta chamando de carroças os carros brasileiros, de uma indústria que não se interessava em modernizar os veículos porque tinha público cativo assegurado pelas restrições à importação, aberta pelo presidente, que usava como veículo oficial um Chrysler americano emprestado pela filial brasileira; Itamar Franco, sempre o caipira desconfiado, ressuscitou o Fusca. Como será chamado o pé-de-boi de Lula? Janjada, tração integral, 4WD, para lembrar a Jangada, modelo do Simca depenado dos anos 1960?
O aumento na produção de veículos irá acabar com o descalabro das estradas precárias e perigosas? O incremento da frota para satisfazer uma classe – que não é a média, atendida pelo crédito bancário, real proprietário das frota – a classe média baixa, vai resolver algum problema que não o eleitoral do PT, um substituto à carne acessível do segundo Lula e às viagens aéreas do primeiro Dilma? Por que não dar força ao transporte coletivo e facilitar seu acesso a todas as classes, como no mundo e ainda que inconcebível no Brasil em que o automóvel é signo de status? Certo, mais carros significa estímulos à indústria, incidentalmente à nacional no fornecimento de autopeças, ainda que pagando royalties às matrizes das montadoras, donas finais do mercado.
O presidente parece que não pensa, como na reprimenda antiga de nossas avós. Ele tem responsabilidade e assessores, aliás, assessores demais, a julgar pela quantidade de ministros e cargos comissionados. Acima de tudo usa paletós, cada dia melhor cortados, vistosos e elegantes com a chegada de Janja (que por isso merece batizar o novo pé-de-boi Lula, substituto do Fusca Itamar). Embora de corte moderninho, ou seja, mais curtos, sobra bom espaço na barra dos paletós para alguém puxá-la para o presidente voltar à superfície quando começa a divagar no espaço. Do jeito que vai Lula ainda imita Álvaro Dias, quando, no primeiro mandato de governador, baixou o sarrafo na prisão provisória do Ahu, que para ele deveria ser definitiva. A língua, diz o povo, é o chicote da bunda.
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