Lídia

Minúscula ilha do mar Egeu, redonda como o Coliseu romano e mais ou menos de mesma extensão e circunferência, Lídia poderia ser a mais despercebida ilha de toda história, não procriassem nela os pégasos, estes cavalos de inenarráveis asas. Vindos de todo arquipélago, Lídia é o cenário de amor onde se acasalam, nos fulgurantes maios gregos, pégasos com pelagem das mais diversas cores, e asas da mais diversa envergadura.

Mal raie o sol a indicar que é maio no azul do tempestuoso Oceano, os primeiros pégasos pousam nas estreitas praias. Afundam então na areia os cascos, manchados à luz do amanhecer pelas tintas de um ouro-velho de ferruginosa beleza.

As asas, essas nem falem, agitam-se alvas mas tão alvas que chegam a refletir como num espelho o azul do Egeu profundo.

Bardos e nautas, górgonas e sereias em vão tentaram chegar a Lídia e foram invariavelmente afugentados, seja pelo violento mar que ali se encrespa e naufraga mesmo as galés mais portentosas, seja pelo pronto vôo com que os pégasos se arremessam, cascos e dentes, asas e crinas tensas, a escorraçar, à proximidade das praias, os eventuais invasores.

Nenhum estranho, nem mesmo os pássaros do velho arquipélago ousaram se aproximar de Lídia. Ou ali deitar seus ovos. Permanentemente vigiada, desde o princípio do mundo, por gerações e gerações de pégasos; Lídia é e sempre foi a ilha dos cavalos alados. De mais ninguém.

E é nela, pois, que crescem acalentados soberbas éguas-de-asas, nela, em Lídia, os potros selvagens que trotam, e nela ensaiam, empurrados com o focinho pelos pégasos mais velhos, os primeiros e oscilantes vôos. Obsedante exercício de quedas e imprevistas ascensões.

Então é que acontece: às centenas os pégasos novos descrevem um círculo sobre Lídia, branca e verde em meio ao incalculável azul, e relincham, e voam, enfim voam!, a variegada pelagem, num estrepitar de asas que chega a silenciar o rumor do mar furioso.

Mas são tantos, por vezes, os pégasos no céu de Lídia, os que chegam e os que vão, os que amam e os que se assustam em escuro assombro, que o sol chega a faltar quando demora a tarde extravagante de Lídia e de suas praias brancas.

Do livro Ilhas, Dulcineia Catadora

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2018

Monja Coen. © Eduardo Matysiak

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Dóceis, mornos, lentos, frios

O governador, o prefeito (duas vezes no cargo e candidato a governador), o vice-prefeito (cansado da interinidade, ansioso para ser prefeito), mais a vereadora desconhecida repudiam a declaração do ministro Gilmar Mendes sobre Curitiba. Com tempo e assessoria à disposição podiam ser melhores, contundentes, assertivos. Os quatro limitam-se a um argumento tímido, para não dizer pífio: “Curitiba é cidade de gente trabalhadora”. Ora, o ministro não disse que só tinha vagabundo por aqui. E ser trabalhador não impede alguém de ser reacionário e estuprador das garantias do processo. Aliás, o pessoal da Lava Jato, Sérgio Moro, Deltan Dallagnol e seus procuradores eram gente muito trabalhadora, tanto que puseram um ex-presidente na cadeia e elegeram outro presidente. Os três líderes acima também trabalharam para eleger Lula, cruzando os braços e recebendo proveito passivo da Lava Jato. Em sua tíbia – e suspeita – condenação de Gilmar Mendes nossos líderes fazem jogo de cena para seu público. O decisivo é que não defendem nem criticam a Lava Jato.

Fosse séria a indignação, os protos homens – e a prota mulher – teriam sido vigorosos e enérgicos com o ministro. Por que não o o fizeram? Simples, vão precisar ele mais adiante. Gilmar sabe quando, como e o que dizer. Todos os três primeiros são a essência de Curitiba e têm motivos para se orgulhar disso. Dispenso-me de falar da vereadora porque só agora tive o prazer de saber dela. Os outros têm carreiras sucesso como são, foram e serão. Fossem os curitibanos que aparentam ser com o protesto, reagiriam com vigor, não na forma meiga e sem tesão como fazem. Aliás, Rafael Greca furta-se à coerência de hombridade, pois foi o primeiro a criticar a prisão de Lula por Sérgio Moro, aquilo das “masmorras de Curitiba”; agora se faz camaleão. Cuidado, eleitor, ainda que concorde com nossos varões de Plutarco, ainda que vote neles, pois é seu direito como o curitibano fascistoide criticado por Gilmar Mendes, entenda o pretendem aqueles senhores; não faça papel de bobo ao aplaudicar o que dizem. Porque, como disse o uruguaio Mário Benedetti (Me sirve e no me sirve):

El coraje tan dócil
la bravura tan chirle,
la intrepidez tan lenta
no me sirve.
No me sirve
tan fría la osadía.

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Desachoros

Tenho uma compulsão pelo recolhimento, e pelo afastamento da pústula humana. Se todas as mulheres geniais que morreram queimadas nos santos ofícios da inquisição, se reencarnassem Papas, a igreja seria muito mais humana, mais ética e menos Sodoma e Gomorra. Macacos treinados para serem ladrões em eventos públicos, depois que morrem voltam presidentes de países  de grande poder bélico.

Silas e suas “siladas”

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Cruelritiba

Rafael Greca de Macedo 

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O louco sempre tem razão

Gosto muito de um autor inglês, Gilbert Keith Chesterton, que, sendo também um exímio humorista, era não apenas um grande escritor como um escritor grande. De físico volumoso e avantajado, se movia com a agilidade de um jovem potro, sobretudo quando se tratava de esgrimir com ideias.

Não é sem motivo que Chesterton tenha passado despercebido pelos quatro ou cinco leitores que restam no Brasil. Ocorre que, além de gordo, ele era confessadamente um conservador, um pensador católico – se autodenominava um católico ortodoxo – fiel às concepções filosóficas de Santo Thomas de Aquino, seu santo de devoção, que, aliás, era também um tipo muito gordo, de barriga imensa, tanto que em sua mesa de trabalho foi recortada uma meia lua na qual ele se inseria pacientemente para poder ler e escrever – caso contrário não alcançaria nem os seus livros nem seus lápis. É o que consta a respeito desse pensador em cuja obra Chesterton busca se ancorar.

Cabe aqui um parêntesis.

Certa vez estava eu escolhendo livros numa livraria (claro, me refiro a um tempo em que havia livrarias, ou seja, um lugar onde era possível pesquisar assuntos, livros e autores) quando chegou um amigo, professor de filosofia, que de imediato veio bisbilhotar um dos livros escolhidos por mim.

– Ah, lendo autores da direita!

Não digo o nome do professor porque é um grande amigo, embora vítima de um equívoco político que já vicejava robusto no Brasil de todos os equívocos.  Militantes acham que devem ler só livros com os quais concordam – a esquerda com seus prediletos e a direita idem. Pois eu acho o contrário, com o que já entro no motivo pelo qual comecei citando Chesterton. Ao amigo, respondi assim:

– Como no futebol, é preciso saber o que pensam os adversários.

Pois Chesterton está entre os meus adversários que mais admiro. É um homem culto, inteligente, intelectualmente honesto – e que tem todo o direito de discordar de mim, pobre mortal. Por isso fico estarrecido quando vejo políticos e militantes esbravejando xingamentos uns contra os outros, muitas vezes sem ter a menor ideia do que o outro está dizendo. Bastam os chavões, as palavras de ordem, os berros histéricos. Nesse circo dos horrores, as divisões são claras: de um lado está a verdade, do outro não há verdade alguma.

Tento me explicar melhor. Um dos jornalistas que eu mais admirei foi Paulo Francis, o feroz polemista. Seu texto era um ringue, sobravam diretos de direita e de esquerda. No entanto, eu discordava de 80% do que o Francis escrevia. Mas ele era brilhante e isso me bastava. Era com o que eu arejava minhas próprias ideias. Continue lendo

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Regina Benitez

Regina Benitez (1934-2006) – Curitibana, jornalista, exerceu a crítica literária. Contista multipremiada, estreou em 1965 com a obra A Moça do Corpo Indiferente. Tem trabalhos editados em Portugal e fez parte da antologia Erkundungen, editada na antiga Alemanha Oriental, com o conto O Mágico. Deixou o livro inédito Mulheres com Avestruz, lançado postumamente.

Dezenas de autores, todos já falecidos, não demonstraram interesse em participar da Academia Paranaense de Letras, por diversos motivos: porque achavam que a entidade não os representava (por motivos estéticos, ideológicos ou por diferenças pessoais com acadêmicos), por proibição estatutária (caso da presença feminina), por viver longe do Paraná, por timidez do escritor ou por desinteresse da própria Academia em estimular possíveis candidaturas. Sem esquecer que o limite de 40 membros sempre se mostrou um permanente limitador. Entre esses, selecionamos dezenas de nomes que fizeram parte da vida científica e cultural do Paraná, sem passar pela nossa instituição. Exceto Júlia Wanderley, autora de artigos e textos diversos, mas sem obra em volume, os demais tiveram livros publicados. Outros nomes podem ser sugeridos.

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Tratado Glauco de Versificação

Poucas pessoas entendem tanto de técnica do verso quanto o poeta paulistano Glauco Mattoso, ex-editor do “Jornal Dobrabil” nos anos 1970.  Glauco celebrizou-se como uma vanguarda-de-um-homem-só, de uma marginalidade escancarada e escandalosa. Em seu trabalho misturam-se a impudência gay e o datilografismo como linguagem verbivisual, o concretismo e a coprofagia, o rock skin-head e o anarquismo político, o sadomasoquismo e a desconstrução metalinguística, o soneto impecável e o pecado mortal.  Pode ser que em algum lugar remoto do mundo (no Butão, na Bósnia, no Camboja) exista algum poeta com fórmula parecida.  

No Brasil não tem. No “Tratado de Versificação” em que Glauco exporta para o papel impresso o copioso material teórico, exemplificado, que já estava disponível em seu saite. O nome diz tudo: é um tratado ensinando a identificar, reconhecer e utilizar as possibilidades métricas do verso.  Ouso afirmar que a maioria dos poetas sérios das nossas Academias de Letras não conhece essa técnica tão bem quanto o ceguinho punk-escatológico de Vila Mariana.  Eu, que também não conheço, fico feliz com a publicação do livro, porque sou gutemberguiano e paleozóico, e de agora em diante, quando tiver uma dúvida técnica (“Minha Nossa Senhora, isto aqui é um dáctilo ou um espondeu?  É um heróico puro ou um alexandrino andrógino?”), basta ir à estante, em vez de ligar a geringonça cibernética e aguardar conexão.

Aviso logo que sou suspeito para falar, porque sou discípulo poético do autor e sou citado no livro, com glosas a uns motes de jaez fescenino que não me atrevo a repetir aqui, pois esta coluna é lida pela família paraibana. Glauco disseca não apenas as formas métricas clássicas do soneto, da ode, etc., mas também deita e rola na métrica da nossa poesia popular (sextilha, mourão, martelo, etc.) que ele domina com uma maestria de fazer inveja àqueles violonistas japoneses que tocam samba tão bem quanto Baden Powell.

Num artigo na revista eletrônica “Cronópios”, Glauco afirma, com a ortographia antiga que prefere: “As ultimas gerações litterarias se accommodaram na desculpa de que, tendo as modernas tendencias ‘abolido’ as formas fixas, todos os poetas estariam automaticamente desobrigados de dominar e até de conhecer regras de versificação. Isso me lembra um bando de alumnos relapsos que, certos da approvação pela ‘progressão continuada’, consultam seus botões: ‘Estudar p’ra que, si ja passei de anno? Apprender a compor versos? Pra que, si ja me considero poeta e ninguem me desmente?”.

A poesia marginal dos anos 1970 trouxe de volta à poesia em geral doses de irreverência, de coloquialismo, de informalidade, de palavrão, de gíria, de ludismo verbal sem compromisso.  Neste processo, perdeu-se (mas não em Glauco Mattoso) um tipo de conhecimento técnico que este manual recupera.  Não é por existir o rap que devemos jogar no lixo as partituras.

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Ela

“Meu epitáfio será: Nunca foi um bom exemplo, mas era gente fina”

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1972

árabedois

Grafipar|Gráfica e Editora Ltda. Década de 1970

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Monólouco às dez pra dez

Rui Werneck de Capistrano procura mas não acha

Pegue um destes pensamentos feitos de livros cheios de frases e maneje com cuidado até sair sangue. Torture cada palavra, cada letra, cada entreletra. E ria nas entrelinhas. Tipo assim: ‘Nenhuma lei é boa se não for baseada nas leis da natureza.’ Do famosíssimo sei-lá-quem-é Bernardin de Saint-Pierre. Quais são as leis da natureza? Tudo o que sobe, cai? É uma. Faça-se uma lei baseada nessa premissa que Newton tirou do ostracismo e colocou na mó moda. Quem é a natureza pra ir fazendo leis assim como se fosse um todo-poderoso presidente do Brasil? Que, se não faz lei, faz Emenda Constitucional ou Ato Institucional ou um troço qualquer tipo Medida Provisória (que fica pra sempre).

Revoguem-se as disposições em contrário e teremos a natureza querendo ‘se achar’. Diria que tudo o que sobe, cai… se subir até uma certa altura. Se passar da força de atração da Terra, a poderosa força gravitacional, não volta. Vai cair lá no raio que os parta. Aliás, o que é cair? Cair é coisa de quem pensa pequeno. O espaço sideral, na verdade, não tem fundo, alto, lado. É tudo uma coisa muito estranha, cheia de sem fundo, sem alto, nem baixo ou lado. E o que a natureza faz ali? Passeia com seu poodle? Carrega saquinho pra catar o cocozinho? A natureza está mais perdida que garimpeiro em reserva indígena. Daí vem Schiller, um alemão tão antigo quanto garrucha de dois canos, e escreve: ‘Os votos deveriam ser pesados, não contados.’ Certo, certíssimo. Tem político que ia fazer cédula de isopor com chumbo escondido dentro. Claro, não ia fazer direto de chumbo. Afinal, político tem que manter a aparência de honestidade, dignidade, pureza de intenções. O peso maior, acredito, seria o da consciência. Que tiraria voto de muitos candidatos: cadê a consciência dos eleitores? Sou pessimista demais quanto ao passado. Acho que ele não vai mudar nunca. Não tem nenhuma chance de adquirir novos conhecimentos, oxigenar o cérebro, ver filhotinho de corruíra, criar hábitos mais contemporâneos. Pra mim, o passado não tem solução. Tá mortinho. É um alienado de primeiro, segundo e terceiro graus. Pense bem: digamos que o mundo começou com o Big Bang. Um punhado de matéria menor do que um punho de bebê, de repente, desagregou e saiu pra todo lado, igual gente de passeata quando a polícia desce o cassetete. Bem, tudo muito lindo! Mas, onde é que estava esse punhado de matéria? Já existia um lugar (espaço) pra ele estar. Podia ser um shopping center, um posto de gasolina 24 Horas. Mas tinha que ter um lugar pra matéria estar. É ou Noé? Isso intriga tanto quanto pensar que as televisões reprisam vinte vezes um filme, sempre dizendo que é inédito.

Aí, pra finalizar, vem Napoleão falando que ‘a arte de ser alternadamente audacioso e prudente, é a arte de ter êxito.’ Tipo fez-que-foi-e-não-foi-e-acabou-fondo. Bem nessa hora chegou o doutor Pinel, se fazendo de audacioso e prudente, alternadamente, e levou Napoleão pra tomar um choquinho elétrico – corrente alternada: prudente e audaciosa. E eu, aqui, disputando queda de braço com o toca-disco.

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Sempre a lesma lerda

bostaBosta

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Elas

Marielle Francisco da Silva – Marielle Franco (Rio de Janeiro, 27 de julho de 1979 – 14 de março de 2018) foi uma socióloga, feminista, política brasileira e militante dos direitos humanos. Exercia o mandato de vereadora na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, eleita pelo PSOL. Crítica da intervenção federal no Rio de Janeiro, no dia 10 de março ela havia denunciado policiais do 41º Batalhão de Polícia Militar por abusos de autoridade contra os moradores do bairro de Acari. Foi assassinada a tiros quatro dias depois.

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1973

Carlos Reis, Carlito, em seu mocó. © Beto Bruel

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Gabbie Carter © Zishy

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