Foi uma guerra pesada. Na manhã seguinte, o Sidney foi na Prefeitura e pegou a indicação fiscal do imóvel. Para desapropriar, o valor da indenização, depositado com a petição inicial, tem que ser em dinheiro e baseado no valor venal. A quantia espelhada na indicação fiscal do imóvel era portentosa para os parcos cofres da Cultura. O prédio, que precisava de várias reformas, não valia muito, mas o terreno, imenso, no bairro São Francisco, era uma fortuna. A Secretaria, para variar e em tempos “colloridos”, não tinha todo o dinheiro. Com mais de quarenta anos de advocacia nas costas, René Dotti não se assustou, mas como notável criminalista, resolveu tomar suas cautelas. Pediu uma ligação para o Requião, que já sabia de toda a história, e expôs que iria desapropriar o imóvel. Disse que tinha receio que o proprietário, no uso de seus direitos, requeresse um alvará de demolição. Requião, sempre solícito e amável com o professor René, disse que iria verificar a situação. Quinze minutos depois, estávamos vários na sala do professor, a secretária avisa pelo viva voz: “Prefeito Requião na linha dois”. Todos tremeram na base. O professor René atendeu, deixou o viva voz ligado, e o Requião deu a notícia que não queríamos ouvir: “Acabaram de entrar, não faz dez minutos, com um requerimento de alvará de demolição. Pela lei, o Secretário de Urbanismo tem trinta dias para despachar, já ordenei para ele segurar até o último dia”. O professor agradeceu a presteza e diligência do alcaide e desligou. Em seguida, René Dotti decretou: “Temos 29 dias para desapropriar o teatro”. Desapropriamos em 15. Mas a guerra foi pesada.
Naquela mesma manhã, o professor René me pegou pelo braço e fomos à Procuradoria Geral do Estado. Lá, ele narrou o caso para o procurador-geral, doutor Wagner Brússulo Pacheco, seu querido colega advogado e amigo de longa data. Terminada a narrativa, o doutor Wagner disse que tínhamos chegado na hora certa. Havia encontrado com o Wilton Vicente Paese no corredor e que ele, grande especialista em desapropriações, era o procurador ideal para a missão. Tinha razão. Paese, meu veterano na Faculdade, ex-presidente do Centro Acadêmico Hugo Simas, conhecia a matéria como ninguém. Quando entrei na PGE, fui trabalhar no mesmo setor que ele. Nas horas de aperto, eu pedia ajuda e ele nunca faltou. Chamado à sala do procurador-geral, Paese ouviu o caso e disse que o primeiro documento que precisava era a certidão do Registro de Imóveis. Depois, examinado o teor da mesma, me ligaria para apresentar a relação dos faltantes. Saímos dali e o professor René disse: “Os cartórios de Registro de Imóveis pedem três dias para fornecer uma certidão. Vamos lá e arrancamos na hora. Você entrega para o doutor Paese ainda hoje”. Fomos e arrebatamos a certidão em 15 minutos, depois de uma conversa do professor com o titular do Registro de Imóveis. O professor ficou na Secretaria e eu voltei na PGE com a certidão e entreguei ao Paese. Ele leu o documento e fez uma cara feia. “Paulo, a Lei de Registros Públicos é de 1973. Foi ela que instituiu a matrícula dos imóveis. Este imóvel a ser desapropriado é muito antigo. Não tem matrícula, é transcrição. A descrição do imóvel, com a testada, confrontantes, fundos e metragem total não consta da transcrição. Aqui diz apenas que é um imóvel com frente para rua Treze de Maio e fundos para o Largo da Ordem. Vocês vão ter que providenciar um memorial descritivo. Assim consigo descrever com exatidão o imóvel na petição. Do contrário, o juiz pode encrespar, afinal, como vai ter certeza que estão desapropriando o imóvel correto?”. Continue lendo