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Tempo
Eu, Jaime Lechinski
Atividades outras: molhos e assados, vez por outra um risoto e, sempre, as caminhadas sob o sol da manhã.
Principais motivações: o vinho que nos leva pela noite – papel que tanto cumprem os grifados como os ordinários. E as paisagens curvilíneas.
Qualidades paradoxais: paciência e, outra, pular da cama apesar de tudo.
Pontos vulneráveis: barulhos excessivos, sobretudo de motocicletas com escapamento aberto conduzidas pelos incivis – “protervos” também cai bem para defini-los – que circulam sem ser reprimidos pelas autoridades de trânsito.
Ódios inconfessos: a dissociação cognitiva que grassa nas redes sociais e em todas as esferas da nossa tragédia. E, claro, a mesquinharia.
Panaceias caseiras: canja de galinha e silêncio.
Superstições invencíveis: que a lei de Murphy está em todas as esquinas, sobretudo naquelas em que irei passar e, outra, a de que quando chegar minha vez de dançar o gaiteiro irá ao xixi.
Tentações irresistíveis: bacon, azeite de oliva, tequila, jornal impresso, noticiário on-line, bons documentários na TV e café macchiato, este até quando só. E filmes clássicos nas madrugas de sábado.
Medos absurdos: a morte por asfixia. Outro: motoqueiros barulhentos a abafar as loas que eu eventualmente possa merecer na hora do enterro.
Orgulho secreto: ter ficado em silêncio nas inúmeras ocasiões em que estive à beira de pronunciar uma enormidade.
Publicado em Sem categoria
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Biografáveis não afáveis
São as contradições da nossa época: só biografados sem autocensura se acham no direito de censurar biografias. Biografáveis não afáveis
As livrarias dão o maior espaço para as biografias. Livreiros sabem como os leitores adoram ficção.
Biografia é isso que a gente vai fazendo quase sem sentir e, ao final, sente muito.
Autorizar biografia só combina com dois tipos de biografáveis: os autoritários e as autoridades.
Algumas autobiografias podem fazer tanto sucesso comercial que acabam virando livros de autoajuda.
Um dos piores pressupostos é o da autobiografia: todo autor crê que todo mundo está tão interessado no assunto quanto ele.
A memória é muito importante nas biografias e autobiografias. Ela serve pra gente lembrar de não ler ou pra esquecer que leu.
Certas autobiografias ilustram bem a incongruência humana: pessoas que não se enxergam expondo sua visão de vida.
Biografia com foto é um livro fácil de julgar pela capa, já que muito biografado não tem miolo.
Celebridades costumam pagar fortunas a biógrafos profissionais. É o preço da certeza de receber um livro melhor do que a encomenda.
Publicado em fraga
Com a tag José Guaraci Fraga, porto alegre
Comentários desativados em Biografáveis não afáveis
Minha casa, minha vida
Agora que você voltou da China, onde foi liderando uma caravana de 200 pessoas, e já teve um tête-à-tête com o tal Xi Jinping, chegue-se à roda da fogueira. Sirva-se de um pinhãozinho sapecado. É um quitute paranaense, recém colhido, safra de 2023.
Agora, escute-me, excelência: algum tempo atrás, neste mesmo espaço, andei defendendo a vossa Janja. As más línguas começaram a chamá-la de Evita Peron, por me intrometer em demasia no governo do marido. Afirmei que era uma maldade para com ela, que apenas lhe fazia companhia e dava-lhe carinho. Mas agora, estou começando a me preocupar. Dona Rosângela, além de haver se tornado vossa sombra, tem dado palpite em tudo e se indisposto com meio mundo, ministros, parlamentares etc. Tudo bem, isso até faz parte do mundo brasiliense. Depois, alguns ministros, alguns parlamentares e alguns etcs até merecem uma ajustada, embora essa função deva ser, por competência administrativa, de V. Exª., pessoalmente.
Agora, essa comprinha de bens para remobiliar o Alvorada – com certeza, supervisionada por Janja – não pegou bem, Luiz Inácio. Setenta e cinco mil pilas por um sofá?! Deve ter feito Juscelino e Oscar Niemeyer, que projetaram, construíram e usaram o palácio presidencial, virarem-se nos túmulos.
Diz-se que o novo governo pegou o Alvorada em petição de miséria, sem manutenção, faltando móveis – segundo Secon, constatou-se a ausência de 261 móveis, dos quais 83 ainda não foram localizados. Nem cama foi encontrada no quarto presidencial. Terão os Bolsonaro carregado o mobiliário para sua nova residência?! Michelle, a ex-primeira-dama, nega: “Durante o mandato do meu marido, preservamos o Palácio da Alvorada, respeitando a estrutura que é patrimônio tombado e também o dinheiro do povo brasileiro”. Em seguida, afirmou que os móveis tirados do Alvorada eram seus. É algo que merece ser conferido.
Aí chegaram Lula 3 e Janja. Inicialmente, foram obrigados de hospedar-se em um hotel. Depois, saíram às compras. E, dispensando licitação, foram adquirindo: um sofazinho de couro, reclinável, de 3,06m x 1,10m, já referido, custou R$ 65.140; outro, um pouco menor, também de couro e também reclinável, R$ 31.690: uma poltrona ergométrica, reclinável e com um pufe na cor branca, R$ 29.450; outra poltrona fixa, em veludo azul, R$ 19.450; uma cama, com revestimento em couro, R$ 42.230; e um colchão masterpiece top visco, R$ 8.990.
Pô, companheiro, mesmo sendo nativo de Caetés, em Pernambuco, ninguém iria querer que vosmecê e a vossa Janja dormissem numa rede. Mas uma caminha de 42 pilas…?! E um colchãozinho de nove mil?!…
Tudo bem, o mobiliário passa a fazer parte do acervo da União e será utilizado pelos futuros chefes de Estado que residirem no Alvorada. Mas precisava ser tão caro, em época de penúria nacional?!
Foi coisa da Janja, não foi? Ela é informada, tem bom gosto e exige beleza e qualidade. Mas sujeita-se às críticas dos maledicentes. E a gente fica sem condições de defendê-la. Essa menina de União da Vitória…!
Sirva-se de mais um pinhãozinho, companheiro. E leve alguns para a Janja, que, como boa paranaense, deve apreciá-los.
Publicado em Célio Heitor Guimarães
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Pra nunca esquecer
Paulo Leminski|Curitiba|1944|1989 – © Dico Kremer
Tempo
Que estranho. O humorista é o Solda, a fotógrafa sou eu e quem não parou de fotografar foi o festejado escritor Cristovão Tezza. Acho que ele deve estar fazendo laboratório e pesquisa para escrever “O Fotógrafo II”.
Mas, curioso, se em seu romance de 2004 seu fotógrafo usava película para fazer suas imagens, o escritor agora usa câmera digital. Brincadeiras à parte, Tezza já mostrou há muito sua sensibilidade visual.
Lina Faria, em algum lugar do passado.
Publicado em Sem categoria
Com a tag cristovão tezza, lina faria, luiz antônio solda
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Tempo
A voz do dono
O berro dos EUA fez doer o calo do governo brasileiro. Imediatistas e apressados, os brasileiros logo começaremos a comparar Lula com Bolsonaro nas mudanças de opinião. O Mito não mudava de opinião, porque não tinha nenhuma. Lula muda de opinião porque tem tantas que a de ontem não bate com a de hoje. Lá do fundo Celso Amorim, o caixeiro-viajante de Lula esboça reação solitária: “o Brasil não tem sempre que seguir os EUA”. O problema está no ‘sempre’. É o que veremos em seguida em mais um vacilo de Lula.
É triste admitir depois de tanto sofrermos com Jair Bolsonaro: a atitude mais firme de Lula na política internacional nos seus primeiros 90 dias de presidente foi impedir a tributação das roupinhas da Shein. Mas isso nem é dele, foi Janja, a mulher que mandou fazer, ao peitar o ministro Fernando Haddad em protagonismo cucaracha, como se fosse uma Rosário Ortega, a mulher vice presidente do presidente Daniel Ortega, o ditador da Nicarágua. Tem decisões internas, claro, que procuram salvar o Brasil do caos de Bolsonaro.
Acontece que as mudanças dependem do Congresso, que brinca de parlamentarismo inglês em zona dominada pelas milícias. Nem os bolsonarismo dos apóstolos que apostam no caos cria problemas para o governo. As mudanças ficam travadas na disputa de poder entre os presidentes da Câmara e do Senado, que replicam o péssimo filme da rivalidade entre democratas e republicanos nos EUA. Sim, há piso da enfermagem, um escárnio diante das indenizações aos militares e ao abono milionário e retroativo que o Judiciário se autoconcedeu.
Lula deve acordar suado, aos gritos, em pesadelos nos quais revive como personagem o drama de Dilma. O presidente não está obrigado a contentar a todos. Porém podia fazer esforço para não abusar de nossa paciência. Desse jeito acaba sozinho, com o PT e o Centrão, um sempre agarrado às boquinhas, o outro atento ao diário oficial – e pronto a se vender pela melhor oferta.
Publicado em Rogério Distéfano - O Insulto Diário
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A menina de Caicó
A amante do meu pai
A violência física, psicológica e verbal mora dentro das nossas casas
No domingo passado, sonhei com o meu pai e com a amante do meu pai. Estávamos em um cinema e eu escolhi o filme que iríamos assistir: “Daddy”, uma comédia, com o ator Owen Wilson. Não consegui interpretar o sonho nem descobrir o significado de o ator Owen Wilson estar nele. Mas o que importa é que, assim que acordei, fiquei com vontade de encontrar a amante do meu pai. Entrei no Google para descobrir se ela ainda está viva, mas não achei nada sobre ela. Acho que ela, se estiver viva, deve ter 80 anos.
Minha mãe nasceu na Polônia, meu pai na Romênia. Eles só falavam em iídiche em casa para os filhos não entenderem os motivos das suas brigas constantes e explosivas.
Em casa, meu pai era um homem violento, espancador dos filhos e da esposa. Assisti a verdadeiras cenas de tortura. Até hoje parece que estou (re)vivendo uma cena dele dando cintadas nas costas do meu irmão do meio, com ataques de fúria que não conseguia controlar. Ele só parava quando o sangue escorria pelo chão da sala.
Meu pai estava sempre alcoolizado, até mesmo quando dirigia. Não é a toa que eu vomitava em todas as viagens quando íamos de Santos para Atibaia.
Ao mesmo tempo, era um homem que adorava ler. Ainda menina, devorei todos os livros da estante da sala. Eu gostava de ler e de reler os livros de psicanálise (Freud, Erich Fromm, Karen Horney, Melanie Klein) e os de histórias e testemunhos do Holocausto. Os livros do meu pai foram a minha salvação.
Eu era uma menininha magrinha, apelidada de Olívia Palito. Nas refeições, minha mãe ficava de pé, atrás da minha cadeira. Como eu não comia, ela puxava o meu cabelo. Cada puxão, eu dava uma garfada e engolia a comida. Quando ela ia resolver algum problema, eu corria para o banheiro e jogava toda a comida na privada.
Lembro-me de uma manhã em que, quando sai do único banheiro do nosso pequeno apartamento em Santos, onde morava com meus pais e três irmãos homens, meu irmão do meio me deu um soco tão forte no rosto que deslocou minha mandíbula. Duas vezes fui parar no hospital para levar pontos na cabeça: em uma delas ele jogou uma bicicleta em mim, na outra ele me bateu com um molho de chaves.
Também me lembro de um dia em que a secretária do meu pai me levou ao dentista. Eu tinha 12 anos, e o dentista ficou passando os cotovelos nos meus seios durante toda a consulta. Não contei isso para ninguém, com medo de apanhar.
Quando eu tinha 20 anos, meu pai me obrigou a ir com ele na formatura da secretária. Foi a primeira vez que eu tive a coragem de dizer não. Ele ameaçou me bater se eu não obedecesse. Eu reagi: “Bate em mim que eu bato em você, seu Mussolini sem bigode”. Depois disso, fiquei 16 anos sem ver ou falar com meu pai.
Meu pai morreu aos 68 anos, de câncer no pâncreas, cem dias depois de descobrir a doença. Cuidei dele desde o dia em que ele descobriu a doença até o último suspiro.
Meu irmão do meio, também alcoólatra, morreu, aos 50, de cirrose. Ele tinha a mesma profissão, a mesma violência e a mesma doença do meu pai. Fiz tudo o que pude para salvar a sua vida.
Minha mãe descobriu um câncer aos 60 anos e morreu dois anos e meio depois. Ela acreditava que o câncer havia nascido da dor de descobrir que meu pai tinha uma amante. Cuidei dela do primeiro até o último dia. Um mês depois da morte da minha mãe, em 1990, nasceu o meu livro “A Outra: um estudo antropológico sobre a identidade da amante do homem casado”.
Da minha família, não me lembro de nada além de brigas, gritos e surras. Eu tinha medo de falar, de respirar, de existir, pois poderia apanhar sem qualquer motivo. Para sobreviver, me tornei invisível e me escondi no armário. Testemunhei, impotente, a violência e o horror dentro de casa. O que mais me doía não eram as surras, mas a tristeza, o desespero, a dor e o sofrimento da minha mãe. Sinto muita culpa e choro até hoje por não ter conseguido salvar a minha mãe daquele inferno.
Depois do meu sonho, senti vontade de ouvir a amante do meu pai. Afinal, só sei a versão da minha mãe: meu pai e a secretária trabalharam juntos, foram amantes durante 20 anos, ele pagou a faculdade dela e lhe deu de presente de formatura um fusquinha.
Será que a amante do meu pai está viva para me contar a sua versão desse drama familiar?