O senhor é ministro?

Membros do governo devem respeitar a imprensa e, por obrigação funcional, esclarecer dúvidas de jornalistas

Sabe-se que, ao longo da história, mulheres tiveram de lutar para entrar no mercado de trabalho. No jornalismo, uma das pioneiras foi a francesa Anne-Marguerite du Noyer, que, no início do século 18, fez sucesso com seus relatos sobre a Guerra de Sucessão Espanhola. No século 19, a atuação feminina cresceu, mas a maioria escrevia apenas sobre roupas, culinária e etiqueta.

Hoje, mulheres têm trabalho na imprensa reconhecido em todo o mundo e em várias áreas. Mas a discriminação não acabou. Basta ver as respostas recebidas por profissionais no Twitter. Insultos de cunho sexual e sobre aparência física grassam.

Em 2016, o jornal inglês The Guardian analisou 70 milhões de comentários deixados em seu site desde 2006 e, dos dez jornalistas mais agredidos, oito eram mulheres.

O preconceito não se limita aos leitores. Bolsonaro e membros do seu governo atacavam jornalistas mulheres de modo contumaz.

Agora, o ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência, Paulo Pimenta, desrespeitou a jornalista Raquel Landim, da CNN.

Ao ser questionado sobre a acusação feita por Lula a Moro (a investigação sobre o plano de atentado do PCC contra o ex-juiz seria uma armação) e sobre ilações de Pimenta de que haveria conluio entre a juíza do caso e Moro, o ministro perguntou: “A senhora é jornalista?”.

Ora, para que serve essa pergunta? O ministro estava dando uma entrevista para uma rede de TV dedicada à cobertura jornalística e não sabia que estava falando com uma jornalista? Se sabia, então por que questionar? O sentido é óbvio: diminuir a qualificação da profissional. Tanto que, logo em seguida, Pimenta começou a explicar técnicas do trabalho jornalístico.

A pergunta que deveria ser feita, portanto, é: “O senhor é ministro?”. Pois se é, tem de respeitar a imprensa e as mulheres da imprensa. Ainda mais importante: tem a obrigação de esclarecer dúvidas levantadas por jornalistas. Contudo, nem isso o ministro foi capaz de fazer.

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Premê

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Marcha da Kombi

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Piauí

emyllia-santosEmyllia Santos, saxofonista. Wando e seu Trombone. Fazia parte do grupo Haja Sax! Teresina, Piauí, em algum lugar do passado. © Vera Solda

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Curtam cartum

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Quando Jorge Amado assistiu à ressurreição de Maiakóviski ou a pele de Brecht

As citações foram retiradas do livro AMADO, Jorge. Navegação de cabotagem: apontamentos para um livro de memórias que jamais escreverei. 1 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. Não cito o número das páginas para que eventuais leitores comprem ou leiam na Biblioteca Pública da primeira à última página.

Maiakóvski, Vladimir:

Eram os tempos da abertura de Khruschov, no Teatro de Sátira davam uma peça sobre Maiakóvski, a vida do poeta contada através de seus poemas. O texto da peça era composto somente com versos de Maiakóvski e com as acusações feitas à sua poesia pelos críticos e ideólogos – críticos e ideólogos defecavam insultos a catilinárias de duas latrinas situadas no alto do cenário, crítica latrinária, o asco. No palco quatro atores viviam quatro diferentes Maiakóvski: o revolucionário, o amante, o surrealista, qual o quarto? Ou seriam apenas três?

Não falo nem entendo a língua russa, mas a força tão profunda da poesia mexeu com minhas tripas, comovi-me quase às lágrimas. Jamais esquecerei o momento em que Maiakóvski suicida penetrou no palco para se dar à morte: entrou declamando o poema com que inculpou Iessiénin por ter se suicidado. Arrepiado ouvi.

BRECHT, Bertolt:

Anna Seghers me telefona do Hotel Nacional, fica defronte da praça Vermelha – Zélia e eu estamos no Metropol, diante do Bolshoi, em companhia de Neruda e de Guillén. “Acabo de chegar”, me diz, “preciso falar contigo com a maior urgência, imediatamente”: a voz nervosa. Anna veio a Moscou como eu e tantos escritores dos cinco continentes convidados a assistir o Segundo Congresso dos Escritores Soviéticos, evento de extrema significação no universo da esquerda intelectual.

Anna não veio apenas para o Congresso, deve também participar da reunião do júri do Prêmio Internacional Stálin, é jurada: quanto a mim sou premiado, a maior das honrarias que recebera até então, dá-me na União Soviética status de diplomata, importância de dirigente. É sobre o prêmio Stálin que Anna deseja me falar. Umas quantas pessoas pelo mundo afora acreditam em mim, atribuem-me poderes que eu não tenho, capacidade de resolver qualquer problema, não sei por quê. Anna Seghers é uma dessas irresponsáveis.

O problema que a aflige e ela me transmite para que a aconselhe, parece-me de gravidade incontestável, refere-se a Bertolt Brecht. Jantei com Brecht em casa de Anna – ela e o dramaturgo moram no mesmo edifício de quatro pisos em Berlim Leste, Anna no segundo, ele no quarto, se não me engano -, sou amigo de Helene Weigel, sua mulher, colegas no júri do Prêmio Internacional da Paz, do Conselho Mundial. Com Brecht só vim a ter maior contato quando da filmagem por Alberto Cavalcanti da peça O senhor Puntila e seu criado Matti, na Wien Film. Penso ter concorrido para que o teatrólogo e o cineasta pudessem se entender: de início se estranharam.

Acontece que Brecht passou a ser olhado com desconfiança pelo pecê alemão, partido de um sectarismo além do imaginável. Sem que fosse levada em conta sua vida inteira dedicada à causa do socialismo, a obra extraordinária do dramaturgo foi acusada de formalista, não se enquadrava nas normas do realismo socialista ditadas por Jdánov. Para começo de conversa, o Partido decidira, segreda-me Anna, retirar-lhe o uso do teatro que os soviéticos lhe haviam deixado quando se retiraram de Berlim, no qual Brecht e sua companhia Berliner Ensemble se instalaram e realizam trabalho de repercussão mundial.

Anna parte para a luta em defesa do amigo, arma-se o complô. Está aflita: “Vão fazer a vida de Brecht impossível, tu sabes como são essas coisas, não preciso te dizer. Mas há uma maneira, uma única, de parar com tudo isso e lhe garantir segurança, tranquilidade, a paz necessária a seu trabalho”. E que maneira é essa? ‘Obter para ele o prêmio Stálin: se o tiver ninguém ousará tocar nele e em seu teatro. Quero que me ajudes, o júri vai se reunir daqui a quatro dias’.

Foi uma correria. Primeiro a conversa com Ehrenburg, no apartamento da rua Górki, Anna conta nos dedos os votos certos para Brecht: O de Ilya, o de Neruda, o dela, quem sabe o de Aragon, o “velho” a interrompe, brusco:

– Não perca tempo com isso. O que importa é o apoio de Sacha – Sacha é Aleksandr Fadéiev que, no júri, representa o PCUS, a cujo Comitê Central pertence, membro efetivo – se ele achar que está bem ninguém vai discutir. Só há uma coisa a fazer: falar com ele.

Toma do telefone para marcar o encontro, marca, recomenda a Anna: “Vá com Jorge, Sacha gosta dele”. Era verdade, Fadéiev me estimava, considerava-me um camarada direito, em quem se podia confiar. La fomos nós, Anna e eu, conversar com o secretário-geral da União dos Escritores Soviéticos.

Foi mais fácil do que pensávamos. Exposto o problema, o autor de A Jovem Guarda não vacilou um momento, emprestou total apoio à sugestão na relação dos premiados, dos possíveis premiados, retificou, pois quem dava a última palavra, segundo ele, era o Bureau Político do Partido. Seria verdade? Não sei, não era fácil saber onde a verdade, onde o jogo de interesses. Fosse como fosse, Bertolt Brecht teve o prêmio, o pecê alemão arrepiou a carreira, desistiu de incomodá-lo. Incomodar, verbo fraco, nem de longe da ideia das misérias a que o sujeitariam, o poço de infâmias em que o afundariam.

P.S. – Bastou tomar posse na Academia Brasileira de Letras para que o genial Ruy Castro começasse a escrever bobagens. No último sábado (1º/4/2023), em entrevista com vários escritores – no UOL – sobre como eles organizam as suas bibliotecas, Castro falou que a divide em dois: os livros em língua portuguesa e os dos demais idiomas, e arruma tudo em ordem alfabética. Aí veio a besteira: Jorge Luís Borges está ao lado de Charles Bukowski. Aposto, diz Ruy, que odiaram a localização. Sabe nada o Ruy Castro. Deve estar indo dormir muito cedo, pois no tempo em que emborcava todas, virou abstêmio anos atrás para não ter o mesmo fim de seu cupincha Tarso de Castro, assistiria, chegando em casa de porre, Borges servindo um Malbec e Bukowski montando um baseado. Os dois ficam o resto da madrugada no maior papo, Bukowski sorvendo o vinho e Borges fumando a erva.

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A Princesa Diane von Fürstenberg e o escritor Alain Elkman, 1984. © Helmut Newton

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Os ouvidos são as janelas da alma.

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Fotografia

Parque Aquático de Pasadena. © Kirk Weddle

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Academia Paranaense de Letraset

Para fazer parte da Confraria do Rollmops & Acepipes Refinados, basta ser membro (êpa!) da Academia Paranaense de Letraset. © Joe Trujeitto

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Episódio na cervejaria Bürgerbräukeller

Aqui, na cervejaria Bürgerbräukeller, entabulo conversa com o garçom, que me traz logo uma cerveja e inicio a primeira leitura do Testamento para El Greco, do escritor grego Nikos Kazantzakis – que sugere o total isolamento para que se possa desvelar o mais profundo do ser humano. O mesmo Nikos disse em algum lugar: — As únicas coisas que importam na vida: idéias, frutas, mulheres.

O banheiro da cervejaria Bürgerbräukeller – arruinado, sujo. Almas acossadas em cada recanto sombrio. O dono do bar não é o Esteves, aqui não é a Tabacaria, aquele que me fita da mesa ao fundo não é o Fernando Pessoa. Se não é o Fernando, quem é? É Jorge Luis Borges e solicita que eu leia um texto de sua autoria intitulado “A escrita do Deus”: “Perdi o número dos anos que estou na treva; eu, que uma vez fui jovem e podia caminhar por esta prisão, não faço outra coisa senão aguardar, na postura de minha morte, o fim que me destinam os deuses. Com a profunda faca de pedernal abri o peito das vítimas e agora não poderia, sem magia, levantar-me do pó”.

Que estou na treva, estou. Sem magia, não me levanto jamais do pó nem alcanço o copo de água. Sem magia eu não ressuscito nem pra beijar a boca da Ingrid, aquela safada. Minha alma – agora sei – foi vista pela última vez na página 72 de “O livro perdido de Tácito”. Acontece que, numa faxina aqui em casa, perdi “O livro perdido de Tácito” e só Deus sabe quando vou encontrá-lo de novo. Por enquanto minha alma continua perdida e eu aproveito para seguir religiosamente o conselho do espanhol Pablo Picasso para uma vida perfeita: de manhã, missa; de tarde, touradas; à noite, bordel.

Escrevo, aqui na cervejaria Bürgerbräukeller, num guardanapo: “Deus morreu nos meus braços naquele sábado em que eu e Júlia nos amávamos no Calvário. A língua vai para onde quer, o espírito sopra onde quer; o Olho por onde espio o vento é o Olho por onde o vento me espia. Meus olhos vão ver o paraíso, sim, mas serão olhos apodrecidos. “

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Memória

Claudete Pereira Jorge (1954-2016). © Gilson Camargo

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Charlotte Rampling. © Helmut Newton

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Obrigado, Gleuza!

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© Jan Saudek

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