Quaxquáx!

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Claustrophobia

Depois de nove meses num cubículo apertado chamado ventre materno, é de admirar que não nasçamos todos claustrofóbicos. Não há como saber: aquele berreiro dos nascituros ainda não foi de todo decifrado. Para alguém que ainda não sabe rir, pode muito bem ser a a válvula de escape do alívio. Vá saber.

Ou, talvez, sei lá, a claustrofobia que alguém venha a ter seja, justamente, uma possível e atrasada resposta emocional ao seu traumático confinamento intrauterino, aquele quitinete de água e sangue e sem janelas.

Entre o vir ao mundo e o sair do mundo, muitos medos vão rolar. E ao entrar na nossa mente (se é que não são atávicos, eternos inquilinos do crânio) parece que a maioria dos medos adora o refúgio. E mesmo adorando a pensão mental, os medos costumam sair para os diários testes-drive de coragem: ir trabalhar, arrumar companhia, abastecer a despensa, enfrentar assaltos e pandemias, levar o cachorro pra cagar na grama dos outros etc e tal.

Embora seu lema tenha sido criado por Guimarães Rosa (“Viver é muito perigoso.”), os medos vivem a fim de experiências. A exceção é o medo claustrofóbico. Enquanto medos mais comuns imaginam desafios, a imaginação descomunal da claustrofobia imagina terrores. Eu é que não vou tirar a razão dela.

Acontece que depois de décadas livre da barriga da mãe, o ser humano se condicionou à soltura. Não quer saber de elevadores lotados (muito menos de repente parados no escuro entre dois andares), de armários, cápsulas espaciais, minas profundas, submarinos ou escafandros, tumbas egípcias, solitárias de prisões, claustros em mosteiros e conventos, porta-malas ou conjugados de 8m x 2,5m.

A claustrofobia, que circula numa boa por saguões e salões, encantada com altos pés direito e largos horizontes, sabe que nessa vida o seu hospedeiro pode escolher por onde andar e não se meter nas armadilhas das pequenas dimensões. Mas ela sabe também que não existe controle na outra vida. Isso todo claustrofóbico sabe, porque o genialmente mórbido Edgar Allan Poe soube transpor para a literatura o horror da captalepsia. No conto Enterro Prematuro, Poe descreve o indescritível, e se o leitor padece do pior dos medos, convém nem procurar o livro Contos de Terror, Mistério e de Morte. (Lido aos 14 anos, relido várias vezes.)

Acontece que a paranoia, parente próxima da claustrofobia e tão medrosa quanto ela, tem fixação pelo assunto e fica catando pistas no mundo real para justificar seus calafrios. Aliás, o principal argumento da paranoia são os erros médicos. Depois de afirmar que frequentemente acontecem erros médicos em diagnósticos, em tratamentos, em cirurgias, em trocas de pacientes, ela pergunta: por que não haveria também erros médicos nos atestados de óbitos?

O horror não está em perguntar: está nas probabilidades. Se há milhões e milhões que morrem diariamente, quantos desses não são vítimas de enganos, falhas, negligências ou despreparo? Em abril, noticiou o argentino Clarín, uma mulher estava no velório da mãe ( 84 anos, morta por covid) num crematório em Buenos Aires quando percebeu movimento na máscara da mãe no caixão. Foram conferir e a senhora ainda estava viva. Depois do susto brutal veio realmente a falecer, quatro dias depois.

A mais portátil claustrofobia moderna ocorre nos tubos de tomografia e ressonância magnética. A maioria dos pacientes entra rindo e sai cantando (se sua condição clínica assim permite). Nós, portadores da claustrofobia adquirida na 3ª idade, só podemos obter esses exames da mais alta tecnologia abaixo da mais baixa covardia: sob sedação. Nossa minoria entra desacordada e sai dormindo do pavoroso tubo.

A civilização sabe que por séculos e séculos os ritos religiosos prescreveram e continuam a prescrever velórios de 24h (e a lei assina embaixo). Assim, gerações e gerações foram sossegadas quanto à última viagem de seus entes queridos. Mas a desalmada correria dos nossos tempos, que quase não tem civilidade com os vivos, por que teria a mínima civilidade com os mortos?

Acho pouco 24h de espera. Plis, me garantam 36 ou 48h, e nunca mais volto a tocar no assunto.

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BPP abre inscrições para projeto literário voltado ao público acima dos 60 anos

“Roda de Leitura 60+” tem início dia 1º de abril

A Biblioteca Pública do Paraná (BPP) está com inscrições abertas até dia 27 de março para o projeto “Roda de Leitura 60+”. A iniciativa visa ampliar a participação do público acima dos 60 anos nos espaços culturais da instituição, consolidando, com ações quinzenais (duas vezes ao mês) o compromisso com a promoção da inclusão e valorização das pessoas desta faixa etária. De modo prático, a ação tem como objetivo incentivar a leitura e a discussão de obras da literatura mundial e das ciências que favoreçam a saúde socioemocional das pessoas. 

O primeiro encontro acontece no dia 1º de abril, segunda, das 15h às 16h, na Sala de Reuniões do 2º andar, ao lado do Auditório da Biblioteca, contando com a presença de até 15 participantes.

Rodas de leitura, palestras e exposições

As sessões serão dinâmicas, alternando entre obras de literatura selecionadas pela BPP e temas relacionados à ciência da saúde em cada dia do projeto. Durante as reuniões, alguns capítulos serão explorados com a leitura ativa dos mediadores e dos participantes, enquanto outros serão atribuídos para a leitura em casa, podendo ser no formato impresso ou digital. Esses mesmos recursos serão utilizados nos encontros presenciais.

Além das rodas de leitura, o projeto contempla uma série de outras atividades. Entre elas, destacam-se palestras com escritores e encontros bimestrais, que incluem um chá literário e a partilha de alimentos na cantina da Biblioteca. Ainda, o grupo executor do projeto “Roda de Leitura 60+” planeja realizar exposições trimestrais no hall do 2º andar da Biblioteca, oferecendo uma experiência cultural e interativa para os participantes e outros frequentadores da BPP.

Legislação Estadual

A atividade segue a legislação estadual vigente por meio do Conselho Estadual dos Direitos do Idoso e do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa Idosa, conferindo recursos para inserção desse público nos instrumentos culturais do estado do Paraná, e está em conformidade com a Constituição Federal, das diretrizes estabelecidas pela Política Nacional do Idoso (Lei 8.842/1994) e o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003).

As inscrições são gratuitas e acontecem exclusivamente pelo e-mail brunojl@seec.pr.gov.br até o dia 27 de março, com vagas limitadas.

Serviço: Inscrições para o projeto  “Roda de Leitura 60+” Vagas limitadas (15 participantes por encontro) Pelo e-mail brunojl@seec.pr.gov.br  Até 27 de março

Roda de Leitura 60+” Início: 1º de abril, segunda|Horário: 15h às 16h |Local: Sala de Reuniões do 2º andar|Capacidade: 15 pessoas|Periodicidade: Quinzenal (duas vezes ao mês)|Gratuito

Biblioteca Pública do Paraná|Rua Cândido Lopes, 133, Segunda a sexta, 8h30 às 20h|Sábados, 8h30 às 13h.

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Mural da História|Tomi Ungerer – 2019

Jean-Thomas “Tomi” Ungerer – 1931|2019, cartunista, artista e escritor francês. Publicou mais de 140 livros, que vão de  infantis muito amados a trabalhos adultos controversos e do fantástico ao autobiográfico. Ele era conhecido pelas sátiras sociais e aforismos espirituosos. © Reuters

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Dor elegante

Um homem com uma dor
É muito mais elegante
Caminha assim de lado
Com se chegando atrasado
Andasse mais adiante

Carrega o peso da dor
Como se portasse medalhas
Uma coroa, um milhão de dólares
Ou coisa que os valha

Ópios, edens, analgésicos
Não me toquem nesse dor
Ela é tudo o que me sobra
Sofrer vai ser a minha última obra

(Itamar Assumpção e Paulo Leminski)

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Barão de Tibagi

Sérgio Mercer – 1943|1996. Fomos colegas de bar no ‘Bebedouro’ e de trabalho no departamento de criação da Exclam Propaganda. Fui seu sucessor na presidência do Clube de Criação dos Publicitários e seu editor na revista ‘Quem’, onde ele assinava artigos sobre restaurantes sob o codinome de Barão de Tibagi. Era um figuraço. Não deixou sucessores. Quando bebia, era contador de piadas, fazia imitações e cantava. Parou com a garrafa e, para alívio dos amigos, continuou o mesmo. Poucos dias antes de morrer caminhamos por uma meia hora no parque Bariguí. Reclamou das mulheres sem bunda e deixou um lamento que com o tempo tornou-se lenda – e um axioma, uma verdade absoluta: – Cuidado com a mulher sem bunda. Mais cedo ou mais tarde, ela vai te aprontar uma, pois nasceu com defeito de fabricação. Continuava fã dos discos em vinil. Tinha milhares em casa, de todos os gêneros. Eu, quando ia a São Paulo, desembarcava direto no Museu do Disco e sempre trazia um presentinho para ele, Nina Simone, Winton Marsalis, jazz, MPB. – Menino – me disse – as ‘bolachas’ estão no fim. CD a gente pode ouvir até 10 mil vezes. Escutava de tudo. Lia e via também.

Publicitário genial, ganhou todos os prêmios possíveis. Presidente da Fundação Cultural de Curitiba, envolveu-se em campanhas comunitárias, como a restauração da Confeitaria Schaffer. Adorava comer. Vivia esgrimando com a balança. Tinha uma gargalhada inimitável, que exalava felicidade. Era acima de tudo um enorme caráter. (Almir Feijó)

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Abaixo assinado contra a censura

Bred Pinto, Xana, Asterisco, Teta, Xibiu, Capô de Fusca, Mandioca, Vara, Benga, Bacurinha, Xota, Perereca, Tronco, Brioco, Barrigudinha, Cacete, Membro, Manjubinha, Buceta, Manjubão, Xulipa, Pica, Peitoquinha, Fiofó, Dita- Cuja, Pichoca, Vagina, Greta, Pinto, Piroca, Buça, Cona, Xavasca, Cu, Glande, Pingola, Bingolim, Bráulio, Pirarucu, Cabeluda, Xibiu, Zona do Agrião, Piupiu, Linguiça, Barbada, Aranha, Gurizão, Perseguida, Metido, Rosca, Catatau, Piça, Dengoso, Traseiro, Grandes Lábios, Olhota, Saco, Bacurinha, Safada, Jeba, Ursa Maior, Durango, Pimba, Pepeu, Aneloide, Redondo, Amiguinha, Rego, Bate-palma, Fedegoso, Rola, Abre-alas, Ardido, Mama, Estandarte, Edí, Toba, Quentinha, Bibelô, Peru, Cipó, Grego, Biqueta, Aneloide, Seu Rugoso, Furunculo, Pingola, Maminha, Seu Orifício, Retaguarda, Anilha, Pombinha, Beringela, Seio, Lindinha, Roleta, Semi-ereto, Bacurinha, Tulambe, Proxaska, Bandida, Boca banguela, Benedita, Siliconada, Preciosa, Dona Aureola, Rabiola, Ardida, Bozó, Pênis, Dona Gruta, Bronha, Xoxota, Raba, Pepino, Jereba, Boce Ta bem?, Curió, Barroca, Cajado, Peitola, Assadinha, Testa-larga, Bufador, Belinguéu, Almofadinha, Pinto, Concha, Salpicão, Rulinha, Triângulo, Picole, Vulva, Suadinha, Chapuleta, Birosca, Guerreira, Ânus, Careca, Babona, Rabo, Transada, Zoinho, Saradão, Prechereca, Gulosinha, rodela, Perestroika, Loló, Assoviador, Pirocão, Jurumba, Batcaverna, Coluna-do-Meio, Lado B, Bicho-peludo, Piroca, E o bambú?, Baratinha, Abrigo, Sapeca, Porra, Beicinha, Talo, Socador, Pastel de pelo, Ariranha, Pinguelo, Cabaça, Oráculo, Xinxa, Rabicó, Repartida, Rodela, Pisca-pisca, Nabo, Pau, Furiquete, Bebete, Tora, Picasso, Boneca, Cheio-de-veia, Zueiro, Manjolo, Xulapinha, Alexandre, o grande, Xoroca, Binbadeira, Anfitriã, Pau-mole, ABCeta, Rozeta, Bastão, Porta dos Fundos, Mijão, Bigorna, Furículo, Reto, Brejereba, Suprema, Cabeção, Caceta, Chulapa, Santinha, Croquete, Djeba, Seu Posegeme, Forévis, Topetuda, Dito-cujo, Giromba, Hulk, Pororoca, Pica das galáxias, Rolândia, Jamanta, Jequitibá, Magaiver, Manjuba, Trator, sulanha, Pussy, Arrochadinha, Amigão, Prexureca, Pessegueiro, Poderosa, Sheilinha, Palmitão, Beicinho-rosado, Pikashu, Xororó, Vergalhão, Tronzoba, Predadora, Toco, Saroba, Rojão, Passaralho, Pirombeta, Clementina, Abençoada, Abacurel, Aconchega, Beiçolinha, Bolacha da Nona, Xuxa, Xoxonha, Vitaminada, Tunel do Tempo, Heroina, Tchuchuca.

0utubr0|2017

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Flagrantes da vida real

O polaco João Urban , sempre autografando. © Maringas Maciel

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Sucessão manchada

O pedido de renúncia de José Luciano Duarte Penido do conselho de Administração Vale carrega denúncias sobre o processo de sucessão do CEO, Eduardo Bartolomeo.

Na semana passada, como mostrou o Bastidor, o colegiado definiu a prorrogação do mandato do executivo até dezembro, com o compromisso de se escolher uma empresa de headhunter, que formulará uma lista tríplice com candidatos ao cargo.

Na carta enviada a Daniel Stieler, presidente do conselho, Penido diz que “o processo sucessório vem sendo conduzido de forma manipulada, não atende ao melhor interesse da empresa, e sofre evidente e nefasta influência política”.

O ex-conselheiro segue: “no conselho, se formou uma maioria cimentada por interesses específicos de alguns acionistas lá representados, por alguns com agendas bastante pessoais e por outros com evidentes conflitos de interesse”. Penido, que era conselheiro independente, diz não acreditar na honestidade de propósitos de acionistas relevantes da mineradora.

A indefinição sobre o futuro de Bartolomeo na Vale dividiu o conselho. O grupo liderado pela Previ e pela Bradespar defendia a solução de contratar uma empresa de headhunter após o governo Lula não conseguir emplacar o ex-ministro Guido Mantega.

Houve quem defendesse, após a prorrogação do mandato, a escolha pelo conselheiro Luís Henrique Guimarães, ligado a Rubens Ometto, dono da Cosan, uma das acionistas. O ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia) aliou-se ao empresário.

Em nota, a Vale afirmou que o conselho “seguirá o curso regular de seus trabalhos, em conformidade com o Estatuto Social e as políticas corporativas, em linha com as legislações aplicáveis”.

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O realejo toca de novo

A POLÍCIA chamou os pais e o colégio suspendeu os três alunos que atacaram colega judeu com frases e ofensas antissemitas em São Paulo. No Brasil, aconteceu uma única vez: na ditadura do Estado Novo, quando, simpatizante da Alemanha de Hitler, o governo, intelectuais enalteciam o nazismo e publicavam livros antissemitas. Aconteceu antes e agora se reinicia, aos poucos, com o PT comparando interminavelmente o Holocausto e o genocídio nazista com a guerra em Gaza.

Autores, como no tempo da Ditadura Vargas, o presidente Lula – que repete o que recebe de orelhada; de José Genoíno, líder fundador do partido – que libera seu estalinismo formativo para sugerir boicote a “empresas de judeus”; e Celso Amorim – eminência parda na política externa e maquinista do realejo de Lula. É a segunda vez no Brasil que o antissemitismo sai das trevas e vem a luz. A causa, como sempre, a leitura tendenciosa da realidade a partir do conflito Israel-Hamás, que inclui o cidadão judeu brasileiro na responsabilidade pela retaliação de Netanyanhu à recente agressão palestina.

A tendenciosidade do neonazismo de conveniência do governo Lula – é preciso dizer – tem contraponto na miopia de grande parte dos judeus brasileiros que, ainda na retórica do Holocausto, apoiaram a represália de Israel. Represália além do razoável, mesmo na guerra isso acontece. Intelectuais, políticos (o ex-primeiro ministro Ehud Barak, ex-general e combatente vitorioso em conflitos com o terrorismo palestino), ativistas judeus de todas as nacionalidades e agora, timidamente, os brasileiros, passam a condenar a política de Israel como contrária ao passado étnico e cultural do país. A retórica da política raramente simpatiza com a verdade e com a melhor intenção. Daí que não é demais lembrar que o bolsonarismo fatura com a parlapatice antissemita de Lula e seus aliados.

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Playboy|1970

1973|Julie Woodson. Playboy Centerfold

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Habitar-me

A pergunta veio como um sussurro, ou um pensamento que vem à tona: “será que alguém consegue viver sem isso?”. Referia-se ao barulho das ondas do mar, que se ouvia não muito longe. Pensei um pouco sobre a ideia, e logo percebi que a maior parte da minha vida não escutei esse som, que era tão próximo e fundamental para mim. O som que me fazia dormir, que me fazia sonhar, que me fazia sentir além-mar. Lembrei que o escutava quando criança, quando passeava com minha avó na praia antes do sol nascer. Me chamava a atenção a enorme quantidade de águas-vivas que a maré trazia de madrugada. Não sabia e até hoje não sei por que elas morriam na areia todas as manhãs.

O vento parecia ter combinado com o mar a batida das ondas, vinha e recuava, como se esperasse por aquilo todos dos dias. Uma vez contei quanto tempo levava para uma onda levantar e cair sobre as pedras. Sete segundos. O tempo que demora um silêncio compartilhado, o tempo que traz a espuma dos dias, o tempo que alivia uma dor que ainda não existe.

O som do mar ainda estará lá, infinitamente, com toda a aspereza do que é eterno, do que é indizível, do que ainda não se sabe, da esperança – palavra maldita – que existe uma espécie de futuro, de hemisfério, de linguagem ainda não inventada, de saber o que já se habita. Ouço mais atentamente esse som, porque a pergunta foi feita, porque antes não estava aqui.

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Uma pensadora contemporânea

Hannah Arendt em 1935. Bluecher Literary Trust

Uma das pensadoras mais importantes do século 20 foi a judia alemã Hannah Arendt, que leio sempre com apreço cada vez maior. Aluna de Martin Heidegger, professor e reitor da Universidade de Fraiburgo e nazista de carteirinha, com ele viveu um grande amor, apesar da contrariedade suscitada no seio da intelectualidade ocidental, tendo em vista o componente pouco compreendido da relação.

No Brasil, a filósofa se tornou conhecida graças ao esforço feito por Celso Lafer por meio de traduções, livros e artigos que escreveu e conferências proferidas sobre a extensa obra da citada autora, assim como nas aulas de filosofia e ciências políticas ministradas na Universidade de S. Paulo (USP), da qual foi professor por muitos anos.

O ilustre pensador brasileiro exerceu também a função de ministro das Relações Exteriores num período do governo Fernando Henrique Cardoso.

Aluno da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos na década de 60 do século passado, Lafer frequentou os cursos dados pela filósofa (a essa altura refugiada na América do Norte), ainda que na época não fosse tão conhecida nos meios acadêmicos como veio a ser mais tarde. O interesse do então estudante pelo pensar político de Hannah Arendt foi tão estimulador que na volta ao Brasil, passou a atuar como autêntico divulgador dessa formulação intelectual em nosso país.

O trajeto percorrido por essa admiração humana e cultural foi descrito por Celso Lafer na versão ampliada de seu livro Hannah Arendt: pensamento, persuasão e poder, lançado em 1979 e agora reeditado em conjunto pelas editoras Paz e Terra e Record, do Rio de Janeiro. Grande parte da reedição está dedicada a apresentar a vida e a obra da pensadora.

A informação encontra-se na edição de maio da revista literária (Quatro cinco um), mais especificamente na resenha assinada por Pedro Duarte sobre o livro de Hannah Arendt: Ação e busca pela felicidade, organizado por Heloísa Starling (Bazar do Tempo), e do já citado livro de Lafer.

O resenhista avisa que o livro do brasileiro é de particular interesse dos especialistas, “mas também é um guia seguro para quem quer se familiarizar com a produção de Arendt, pois os principais temas de sua filosofia estão aí bem apresentados: totalitarismo e antissemitismo; a banalidade do mal; as atividades de labor, trabalho e ação da condição humana; a vida espiritual com pensamento, vontade e juízo; as revoluções e a violência”.

O ex-ministro de FHC também navega com propriedade sobre assuntos de seu interesse pessoal como direitos humanos e intersecções com Octavio Paz, Isaiah Berlin e Norberto Bobbio: “O cuidado ao acompanhar as publicações da autora e seus comentadores, inclusive brasileiros, é evidente e generoso. Combina-se, no livro, com relatos de seu convívio com Arendt”, lembrou.

A brilhante e precoce carreira acadêmica da jovem estudante de Fraiburgo, formada em fenomenologia, campo do saber filosófico em que Heidegger reinava absoluto, orientada na feitura da tese doutoral por Karl Jaspers, foi interrompida bruscamente com a ascensão de Adolf Hitler ao poder supremo na Alemanha, em 1933.

De nacionalidade judaica, Hannah foi duramente perseguida e obrigada a fugir e a trabalhar em organizações sionistas, até finalmente ser recolhida a um campo de refugiados. Ajudada por muitos amigos ainda influentes junto ao governo alemão, teve a felicidade de escapar do fanatismo nazista na direção dos Estados Unidos, país que a acolheu condignamente e no qual “escreveu a maior parte de sua obra e despontou como pensadora original com Origens do totalitarismo (1951)”.

Na obra em questão, a escritora exprimiu com amplo domínio a tese de que tanto o nazismo, com Hitler, e o bolchevismo, com Stalin, “eram regimes igualmente totalitários”. O argumento é confirmado no primeiro ensaio deAção e a busca da felicidade, enfocando a Revolução Húngara: “O imprevisível levante popular contra a opressão soviética era o testemunho da resistência à ideologia e ao terror totalitário. A derrota em nada diminuiria a sua grandeza. Os mortos, o luto e as manifestações atestariam a memória do que nem comunistas nem anticomunistas previam: o levante surpreendente e conjunto pela liberdade e nada mais”.

Na síntese de Hannah Arendt a liberdade é a razão de ser da política, como aconteceu na Revolução Húngara, para ela um movimento que dispensou a organização tradicional dos partidos e tampouco precisou de líderes, ocorrendo como uma “revolução espontânea”, para usar uma expressão de Rosa Luxemburgo.

Um aspecto levantado no livro de Celso Lafer é que para a filósofa “a política não era o mal necessário para evitar a guerra de todos contra todos. Era a possibilidade de felicidade na convivência mundana com os outros”. Mais adiante na leitura da resenha se descobre que na perspectiva de Arendt “nem a tradição que confia no poder central do Estado nem a tradição liberal que aposta na dinâmica do mercado, estão preparadas para corresponder a desafios que a política suscita. Por isso, as duas doutrinas podem ser tolerantes com o autoritarismo”.

Assim como a leitura dos livros de Hannah Arendt é oportuna em qualquer tempo e lugar, hoje mais que em qualquer outro contexto, torna-se obrigatória como bem expressou Pedro Duarte: “Diante da crise que hoje há, no Brasil e no mundo, do princípio da representação institucional, é bom lembrar que há outras formas de governo. […] Não é uma experiência simples nem fácil. Mas atende a exigência de que pensemos e ajamos por nós mesmos. Trata-se de um tema caro a Arendt, desde que cunhara, no começo dos anos 60, o conceito de ‘banalidade do mal’ para designar homens como Adolf Eichmann que, após participarem do nazismo, respondiam às acusações afirmando que estavam cumprindo ordens. Atribuíam a uma instância superior – o chefe, o governo, as leis – a orientação sobre sua conduta, abdicavam de pensar por si e, por extensão, da responsabilidade última por suas ações. Nenhuma ordem ou lei, para Arendt, nos dispensa de pensar nem de agir. Daí sua preferência por uma política mais direta, sem transferência de poder”.

Para os brasileiros que se preparam para escolher o futuro presidente da República, sem esquecer governadores e parlamentares federais e estaduais, conceitos que brotaram de fonte luminosa de ideias políticas nos anos 60 do século passado, quase 60 anos depois estão mais vivos do que nunca.

Pensar e agir sem amarras ou viseiras está na ordem do dia.

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Mural da História – 2019

Ademir Vigilato, o Paixão, Kito Pereira, Boldrini e Retta Rettamozo, no Original Beto Batata.  © Pryscila Vieira

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