A liberdade de não sentir culpa

Entre a culpa e a paz eterna, decidi que em 2023 não ficarei louca

Não importa o quanto você se esforce. Não importa se os quadros estão retos na parede, se você diz sempre as coisas certas, se dorme oito horas por noite. Não importa. Não importa se come chia, se recicla o lixo, se entrega o trabalho no prazo. Não importa. Não importa se faz pilates e está com a lombar em ordem, as mensagens no WhatsApp respondidas, se paga seus impostos, se não cobiça o marido alheio. Não importa. Tanto faz se perde o sono porque a Amazônia está em chamas e a democracia quase foi para o beleléu. Não importa. Alguém sempre dirá que você deve alguma coisa. A sociedade, o vizinho, o hater do Twitter, o telemarketing da Legião da Boa Vontade, o movimento de mulheres que deixam os cabelos brancos, o grupo de apoio ao macho em desconstrução, a patrulha do “todes”. Não importa.

Eu acordo e, se depender dos outros, já começo o dia devendo. Porque dormi até tarde, comi bacon no café da manhã, não arrumei a cama, as plantas estão sem água, trato os gatos como crianças mimadas, tomei dois expressos e nenhuma água. Prometi que hoje seria diferente, mas ontem terminou do mesmo jeito. Uma série maratonada, uma garrafa de vinho vazia. De novo, falhei em meu propósito de não beber durante a semana, correr de manhãzinha e aproveitar o dia tão lindo lá fora. Sei que deveria me sentir culpada. Por quê? Sei lá. Porque culpa é uma bandeira do século 21.

As pessoas vendem livros porque se culpam. Dão palestras. Dividem a culpa com milhares de outros culpados. É uma epidemia de culpa, mas ao menos tem gente que percebeu que a culpa paga boletos. Já eu, eu não sinto culpa, mas todos os dias alguém me lembra que estou errada, claro. Ter paz e tranquilidade é coisa de gente privilegiada. E desde que a monja Coen deu para reclamar até de futebol, talvez eu deva me estressar um pouquinho com a minha própria calma.

Por que mesmo tenho que acordar cedo? Porque o mundo acorda cedo e muitas mães já acordaram e já mandaram seus filhos para a escola e passarão o dia cansadas porque dormiram pouco e não têm um segundo de paz num dia dividido entre trabalho, filhos, vida social. Não conseguem fazer a maldita unha. Por que eu deveria me sentir culpada? Porque disseram que eu não posso reclamar que não tenho tempo para nada porque não tenho filhos.

Eu me solidarizo, mas não sinto a menor culpa por ter escolhido outra vida. Talvez eu devesse ser uma filha mais presente, uma esposinha menos estressada, uma amiga menos egoísta. Como profissional, falho. Entre a culpa e a paz eterna, decidi que em 2023 não ficarei louca.

Não sinto culpa. Não sei se foram os anos de terapia ou se cheguei àquele ponto da vida que a Mirian Goldenberg diz que as mulheres apertam o “botão do foda-se“. Eu digo não, não quero, não vou, não gostei, não me importo.

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Elas

Scheila Santos, Trip Girl nº 248.  © David Peixoto

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No quintal

© Ricardo Silva

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Zoe Fletcher. © Zishy

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Quando Papai Saiu em Viagem de Negócios

Quando Papai Saiu em Viagem de Negócios (Otac na Sluzbenom Putu, 1985), de Emir Kusturica, roteiro de  Abdulah Sidran, 136 minutos

Quando Papai Saiu em Viagem de Negócios  é o segundo filme do sérvio Emir Kusturica, sua primeira Palma de Ouro. Lançado em 1985, é inusitado como, hoje, o espectador brasileiro parece que irá melhor lembrá-lo como “o filme que supostamente inspirou O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias”,de Cao Hamburger. No entanto, tal aproximação não parece justa, ao menos em uma análise ligeiramente menos superficial.

Sim, como na produção brasileira, temos a premissa de uma família cujo destino fora abalado por uma situação política. Vemos, também,  todo esse abuso injustificável de poder sob a ótica de um menino, no caso, Malik, de 6 anos, alheio – como só poderia ser – aos absurdos cometidos no final do governo de Marechal Tito, durante 1950 e 1952, na Iugoslávia.

Não obstante a essas similaridades temáticas, a abordagem de Kusturica não poderia se distanciar mais daquela empregada por Hamburger, e é aqui que uma pergunta se impõe: Qual seria a razão para a pouca atenção que os cinéfilos mais jovens dispensam ao sérvio? O fato é que esta não seria culpa da indisponibilidade de sua curta filmografia, lembrando que A Vida É Um Milagre (2004) chegou a entrar em nosso circuito e de que, aos poucos, a distribuidora Lume vem lançando seus títulos em DVD (Quando Papai Saiu… foi o segundo, após o cartunesco Underground  e antes de sua bela estreia, Você Se Lembra de Dolly Bell?, prometida para ainda este mês).

Teria seu estilo episódico e onírico caído em desgosto? A julgarmos pelo recente entusiasmo com que um cineasta como o sueco Roy Andersson fora recebido, com Vocês, os Vivos, poucas edições atrás na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, a resposta seria um sonoro “não!”. E é muito mais por esses lados que Kusturica gosta de inserir suas fábulas do que pelos da contenção e minimalismo do bom longa de Hamburger. Bêbados, crianças gordas, velhos rabugentos, discussões ao redor de mesas fartas, festividades e rituais, futebol e sacanagem: eis as cores que o cineasta usa para avivar suas caricaturas históricas e biográficas. A questão, portanto, seria: Teria seu estilo (kusturiciano, evidentemente) o amarrado em artimanhas de ordem “autoral”,tornando-o um acomodado “cineasta internacional”?

Talvez. Mas, aqui,  temos um diretor ainda em formação, mais controlado do que em trabalhos posteriores: menos forçosamente excêntrico e, talvez por isso, mais eficaz. Como sugerido em sua apresentação (um subtítulo apropriado) “Um filme histórico sobre amor, não há definição mais adequada a este adorável relato, com o qual agora podemos nos reencontrar: uma obra simultaneamente nostálgica e crítica, como exemplarmente demonstrado em seu último plano, quando Malik olha para trás (suas reminiscências, as histórias que acabamos de acompanhar) e, ao mesmo tempo, para o espectador (testemunha dos fatos revelados).

De resto, só podemos aguardar por um eventual lançamento de Vida Cigana (tido, por muitos,  como sua obra-prima) e, mais improvável (e certamente mais arriscado), de Zavet, sua última comédia, exibida em 2007, em Cannes, ainda inédita por essas bandas. Se a lógica dominar, infelizmente, encontraremos mais razões para a generalizada má vontade com o diretor, e o primeiro só ressaltaria os vícios do último. Esperamos não ser o caso…

Bruno Cursini

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Naomi Wachira – I Believe

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Todo dia é dia

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Mural da História – 2011

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Women from Pearl Street Late 20th Century. © Jan Saudek

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O que aprendi em 24 horas sem meu celular

Nada. E não li livros, não vi filmes, não me conectei com meus pais

Fazia um lindo dia lá fora quando meu celular pifou. Pela cortina, o amarelo forte parecia gritar: “Ó senhora, nada é por acaso, a senhora precisa se enturmar com a vida, enxergar para fora de uma tela, estou te convidando para uma experiência única de encontro com seu plexo solar”.

Mas eu andava de um lado para o outro repetindo a frase: “Por que, meu Deus, por que não fiz backup, por que não uso o raio da nuvem, por que não passei as fotos pro computador, por que não salvei em outra mídia a entrevista com a dra. Bianca?”. Portanto: caríssimos Sol e todos os cronistas do Brasil que já fizeram textos medonhos sobre um lindo dia sem tecnologia: não me encham o saco!

Passei a manhã inteira em fóruns da internet tentando ressuscitar meu morequinho —sem sucesso. Olhava meu neném preso em uma tela preta com uma maçã branca e só pensava: “Reage, meu tudinho, reage. Sai dessa maçã alva e contemplativa e volta pra nossa relação colorida e agitada”. Botei o aparelho no colo de Buda, grudado com Jesus, rodeado de pedras e folhas do terreiro. Nada.

E o bom-dia para o vizinho? O olhar no fundo dos olhos do moço do Uber? E o carinho com os parentes idosos? Já disse para alguém hoje: “Eu te vejo, eu te enxergo”? Por que disparou em mim o ressoar intragável de uma crônica medíocre em que resgataria o meu verdadeiro eu perdido na multidão de pessoas que perderam seus eus para aparelhos celulares? Foram tantos cronistas que cometeram esse tipo de texto que virou tipo um forró chiclete aparecendo em nosso cérebro justamente para inflamar ainda mais nossos momentos de crise.

Só pensava nas fotos da minha filha fazendo cara de “sai daqui” e nos vídeos dela com seu violãozinho, cantando “o cocô morreu e o xixi ficou arrasado”. Lembrei também do histórico de mensagens com meu namorado. Desde os primeiros cinemas, quando a gente tinha dor de barriga de tanto amor e ficava tentando desmarcar e não conseguia, até entrar em nosso looping de áudios no qual concluímos que, apesar de eu ser péssima e insuportável, ele ainda vê em mim que eu não sou nada disso e vai seguir insistindo.

Almoçar em família é um momento mágico que tantas vezes foi interrompido por mensagens urgentes de trabalho. Naquele dia maravilhoso em que meu celular pifou, eu só implorava para que as mensagens de trabalho pudessem voltar para que eu pudesse voltar e conseguisse, enfim, almoçar em família.

Eu poderia ter usado meu tempo sem celular para perceber que minha filha cresceu e que seus cabelos escureceram. Que eu encolhi e que a musculatura da minha axila caiu mais. Contudo, passei a tarde em uma assistência técnica repetindo para o Xan: “Não, ainda não restaura, tenta mais uma vez recuperar os dados”. Quem somos sem nossos dados? Essa vida documentada, gravada, fotografada e filmada poderia ser salva por um rapaz chamado Xan? Ah, mas e a vida de verdade? Você ainda se lembra dela? E AS PESSOAS de verdade? Esse voice over de cronista ruim me perturbando.

Os livros que eu leria quando meu celular pifasse não foram lidos. Os filmes que eu veria quando meu celular pifasse não foram vistos. A conexão interestelar que eu teria com meus pais não aconteceu nem depois de 20 anos de análise, não seria por causa de uma pane de celular. Sexo não fiz, porque estava com amigdalite (teria feito mesmo assim, mas acho que o André não quis ser contaminado). Se eu estivesse conectada com minha natureza eu teria menos amigdalites? Rotina de autocuidado não fiz, porque já sinto que perco tempo demais enquanto pisco ou bebo água.

Não aprendi nadinha nas minhas 24 horas sem celular.

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Tina Modotti

Autorretrato, 1931

Tina Modotti, irmã, você não dorme, não, não dorme
talvez o seu coração ouça crescer a rosa
de ontem, a última rosa de ontem, a nova rosa.
Descanse docemente, irmã.

A nova rosa é sua, a nova terra é sua:
você vestiu um vestido novo, de semente profunda
e seu silencio suave se enche de raízes. Você não dormirá em vão.

Seu doce nome é puro, pura é sua vida frágil: de abelha, sombra, fogo, neve, silencio, espuma,
de aço, linha, pólen, construiu-se sua férrea,
sua delicada estrutura.

O chacal, diante dessa joia que é seu corpo adormecido,
ainda levanta a pena, sangrenta ao par de sua alma,
como se você, irmã, pudesse levantar-se,
sorrindo, acima do lamaçal.

Vou levar você à minha pátria para que não a toquem,
à minha pátria de neve, para que sua pureza
não seja alcançada pelo assassino, pelo chacal,  pelo vendido:
lá você estará tranquila.

Você ouve um passo, um passo cheio de passos, algo
de grande, desde as estepes, desde o Don, desde o frio?
Você ouve um passo lime, de soldado na neve?
Irmã, são seus passos.

Algum dia eles passarão por seu túmulo pequeno,
antes de as rosas de ontem murcharem;
passarão para ver os de um tempo, amanhã,
lá onde arde seu silêncio.

Um mundo marchou ao lugar onde você ia, irmã.
As canções de sua boca avançam a cada dia,
na boca do povo glorioso que você amava.
Seu coração era valente.

Nas velhas cozinhas de sua pátria, nas estradas
poeirentas, algo se diz, algo passa,
algo volta à chama de seu povo dourado,
algo desperta-se e canta.

É sua gente, irmã: nós que hoje pronunciamos seu nome
nós que de toda a parte, da água e da terra,
com seu nome, outros nomes silenciamos e pronunciamos.
Porque o fogo não morre.

Pablo Neruda

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Nos trilhos

 © Orlando Pedroso.

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