volta
chove a chuva fina
lua névoa na neblina
chegamos a Ikedo
a casa de nossos pais
céu brincando de brinquedo
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lua névoa na neblina
chegamos a Ikedo
a casa de nossos pais
céu brincando de brinquedo
A notícia reflete preconceito e má intenção: Carluxo Bolsonaro será pai. Todos tínhamos perdido a esperança, que ele ficaria para tio, curtindo a vida com o primo Leo Índio, hoje sob prisão preventiva como terrorista do 8 de janeiro. A notícia descortina um mistério, embora não o desvende. A mãe da criança, uma funcionária do ministério de Paulo Guedes. Como o cachorro quente da manchete sensacionalista, o “pitbull fez mal à moça”.
Para associar o insulto à injúria, Carluxo teria “engravidado” a moça, daí nosso maldoso “fez mal”. O verbo, como disse acima, é maldade e preconceito. Isso de homem engravidar mulher sugere estupro, ou sedução adolescente dos anos 1960, esta na chamada gravidez acidental (dizia papai que a menina tropeçava e caía exata e certeira sobre o phalus erectus do pai da criança, como nos antigos bilboquês).
Por trás da notícia, vem a vingança. Carluxo vive na premência de provar que nunca foi imbrochável, pelo menos com mulheres. Dúvida plausível, pois jamais apareceu com namorada, sequer alugada, cenográfica, como fazem galãs gays desde o velho Hollywood. Sua ultima namorada “desmanchou” o noivado três dias antes do casamento. Os irmãos, todos, até o 04, aparecem com namoradas e noivas.
Do pai nem se fala, ele vive sob a cláusula pétrea do imbrochável implausível. Um esclarecimento, pétrea deu pedra em português; o pétrea de Bolsonaro é como o bingolim de estátua grega, mas não em estado de repouso, porque o imbrochável é incansável. Mas a notícia acende um alerta, que reclama a intervenção do MP: Carluxo engravidou funcionária de Paulo Guedes, o ministro da Economia.
Então, aquilo, “o que o furibundo pitbull ia fazer no ministério de Guedes?” Engravidar a moça é que não era, isso ele podia fazer em casa, no motel, no assento traseiro do Rolls-Royce da presidência, que ele inaugurou como papagaio de pirata para costear Micheque. Ou mesmo no gabinete do pai, de onde não saía. Mais um dos mistérios escondidos sob os tapetes encardidos da família Bolsonaro.
Já aos 70 anos, depois de sucessivas batalhas contra o câncer, Darcy Ribeiro botou na cabeça que ia ser poeta. Já tinha sido antropólogo, educador, ministro, reitor, vice-governador, romancista… por que não poeta?
Esse “por que não poeta?” só ocorreria a um sujeito com um ego fenomenal, e era o caso do autor de “O Processo Civilizatório”. Por sorte, o seu ego era contrabalançado pelo senso crítico de quem teve formação científica, por um senso de humor permanente, presente até em suas obras mais sisudamente teóricas, e por um espírito de auto-depreciação que, curiosamente, acompanha muitos indivíduos narcisistas. (Por mais e melhor que façam, eles sempre torcem o nariz diante dos próprios feitos, porque sua expectativa íntima é sempre de que são capazes de fazer muito mais e melhor.)
“Eros e Tânatos – a poesia de Darcy Ribeiro” (Rio, Ed. Record, 1998) reúne esses poemas que são bem descritos pelo título. São meditações recorrentes e infatigáveis sobre amor, sexo e morte, escritas por um sujeito de imensa vitalidade, que, aos 70 anos e no meio da queda-de-braço final com o câncer, sabia que estava com os dias contados. (E não sabemos disso, nós todos? Não, não sabemos.)
A parte erótica tem a euforia desbragada e rabelaisiana de um Henry Miller, a celebração do sexo como prazer animal, gozo físico, seja ou não temperado pelo afeto. A alegria de viver no sentido mais biológico do termo, elevada ao quadrado como reação aos violentos golpes da doença e da velhice, em versos bem-humorados de sexo explícito que infelizmente não tenho espaço para reproduzir aqui. E a morte, algo que o autor reconhece como fatalidade científica, mas com a qual não se conforma: “Hoje fiz 70 anos. Quisera 700”. “Acho que sei, afinal, a que vim / e já me vou”.
O poema de abertura, “Fagulhas de memória”, é num certo sentido o melhor: o registro em prosa telegráfica de pequenas epifanias, terrores e visões que marcaram a memória do autor, em parágrafos como: “O cacho de bananas amarelíssimas, que meu avô tirou do armário preto de papéis cartoriais. / A velha naturalista estrangeira, meio surda, se fazendo carregar pelos índios, de aldeia em aldeia. / Uma légua de piranhas mortas, dourando a baía ao amanhecer.” Usando uma classificação pouco acadêmica, eu diria que não são poemas de poeta, são poemas de pessoa. Mais preocupados em registrar a totalidade de um sentimento profundo e complexo do que em mexer no software da linguagem poética. E não há pessoa que não assinasse versos como: “O que me arrasa é o terror pânico / de não mais ser, nem estar, jamais aí. / Vocês todos vivendo, seus filhos da puta. Só eu não”
Psicopata é um indivíduo clinicamente perverso, que tem personalidade psicopática, com distúrbios mentais graves. Um psicopata é uma pessoa que sofre um distúrbio psíquico, uma psicopatia que afeta a sua forma de interação social, muitas vezes se comportando de forma irregular e anti-social. Em sentido mais amplo, uma psicopatia é uma doença causada por uma anomalia orgânica no cérebro. Em sentido restrito, é um sinônimo de psicose (doença mental de origem neurológica ou psicológica).
Geralmente os psicopatas são do sexo masculino, mas também atinge as mulheres, em variados níveis, embora com características diferenciadas e menos específicas que a psicopatia que atinge os homens. A doença do psicopata é denominada como sinônimo do diagnóstico do transtorno de personalidade antissocial.
Alguns indivíduos com psicopatia mais leve não normalmente não tiveram um histórico traumático, porém o transtorno – principalmente nos casos mais graves, tais como sádicos e serial killers – parece estar associado à mistura de três principais fatores: disfunções cerebrais/biológicas ou traumas neurológicos, predisposição genética e traumas na infância como abuso emocional, sexual, físico, negligência, violência, conflitos, separação dos pais etc.
De maneira geral, nos homens, o transtorno tende a ser mais evidente antes dos 15 anos de idade, e nas mulheres pode passar despercebido por muito tempo, principalmente porque as mulheres costumam ser mais discretas e menos impulsivas que os homens, e geralmente o transtorno acompanha ambos o sexos por toda a vida.
Como alguns psicopatas são serial killers, existe o erro comum de assumir que todos os psicopatas são pessoas violentas ou assassinos. No entanto, muitos psicopatas não são assassinos. Os psicopatas frequentemente fingem ter sentimentos genuínos em relação a outras pessoas.
Tendo em conta algumas das características de psicopatas, como a capacidade de manipulação e de conquistarem facilmente a simpatia das pessoas, muitas vezes ocupam cargos relevantes onde exercem poder.
Apesar de ser uma condição com difícil tratamento, a psicoterapia ou a prescrição de medicamentos podem melhorar o quadro clínico de um psicopata.
Muitas vezes se confundem psicopata com sociopata. Os psicopatas nascem com características como impulsividade e ausência de medo, o que faz com que busquem condutas de riscos e perigo, terminando muitas vezes em atitudes antissociais, uma vez que são incapazes de se estabelecerem corretamente nas normas sociais. Já o sociopata, apresenta um temperamento um pouco mais “normal” que os psicopatas.
Caraterísticas de um psicopata
Um psicopata é caracterizado por um desvio de caráter, ausência de sentimentos, frieza, insensibilidade aos sentimentos alheios, manipulação, narcisismo, egocentrismo, falta de remorso e de culpa para atos cruéis e inflexibilidade com castigos e punições.
A imagem, de 1970, não me sai da cabeça até hoje. Lá na última fila de carteiras, surgiu um tipo de ombros largos, pescoço grosso, cabelos cortados muito curtos, tudo isso emoldurado por camisa branca e paletó.
Era óbvio. Um agente do serviço secreto invadira minha modesta sala de aula.
Ali eu lecionava, para uma turma de jornalismo, uma matéria chamada Introdução à filosofia, pela qual, aliás, os futuros jornalistas não demonstravam muito interesse. Aos trancos e barrancos eu tocava o barco sem pretensões de formar novos pensadores ou de produzir qualquer revolução sociocultural.
Estava eu cumprindo a minha tarefa quando citei o filósofo Platão. Mal terminei a frase onde encaixara o nome do filósofo grego, e o tipo lá da última fila de carteiras ergueu o braço pedindo a palavra.
Respirei fundo esperando pelo pior. Mas, como é de lei, dei a palavra a ele.
Ele carregou um pouco no tom de deboche e disse:
– Professor, não acha que esse tal de Platão era meio comunista?
Levei um susto, claro. Os alunos saíram da pasmaceira jornalística costumeira e um deles jogou a mão contra a testa. Já era alguma coisa.
Recuperado do susto, eu perguntei:
– Veja… como é mesmo o seu nome?
Ele agitou-se na cadeira e disse que ainda não se matriculara.
– Mas tem um nome, claro.
Ele disse que sim, mas não declinou o nome. Devia ser mesmo um agente secretíssimo. Fui em frente.
– Olha, meu caro, Platão viveu no século IV antes de Cristo e as ideias comunistas só passaram a circular no século XIX depois de Cristo. Uma distância de uns vinte e três séculos.
Ele se retesou na carteira.
Continuei:
– Assim, por mais brilhante que fosse a mente de Platão, ele não poderia prever o que aconteceria vinte e três séculos depois. Enfim, nem mesmo a palavra comunismo fora inventada. Além disso, o que será “meio comunista”?
Silêncio tumular na sala e uma cara de fera enjaulada por parte do sujeito.
Nos anos da ditadura militar estávamos sujeitos a esses constrangimentos – e a outros, piores. Não era raro surgirem nos corredores da universidade tipos de cabelo escovinha, fortões e sisudos, que entravam em salas de aula ou onde houvesse alguma palestra. E lá ficavam com olhos tensos em busca de perigosos comunistas.
Depois saíam de fininho rumo a alguma saleta do DOPS para anotar em fichas o que haviam conseguido em sua perpétua luta contra os perigos do pensamento filosófico, do qual, é claro, não entendiam coisa alguma.
Nos dias que correm, já tivemos um ministro que gostaria de vigiar conteúdos de aula e transformar professores em espiões de perigosos agentes da subversão, os alunos. Esse ministro se foi, trocado por outro de igual truculência. Além disso, o presidente anunciou o desejo de fulminar, a golpes de cortes no orçamento, o estudo da Filosofia e da Sociologia. Vejam só: a Filosofia tem pelo menos 25 séculos de vida e ele quer acabar com ela por decreto.
Já imaginaram a pobreza intelectual à qual seríamos condenados?
Se, com as liberdades vigentes, não se consegue deslanchar a educação no Brasil, o que será de nós sob a vigilância de tipos como aquele da última fila de carteiras?
1972|Jennifer Liano. Playboy Centerfold
Sem desfecho, tragédia agride memória dos mortos e pune pais e sobreviventes
A tragédia da boate Kiss, no Rio Grande do Sul, acaba de completar dez anos e está reconstituída em duas séries em exibição no streaming. Ambas têm o grande mérito de envolver o espectador no vórtice de sofrimento e revolta dos sobreviventes e dos pais dos 242 jovens mortos dentro de uma câmara de gás.
As duas séries resultam do trabalho obstinado dos jornalistas Daniela Arbex e Marcelo Canellas, que acompanham a luta das famílias pela punição dos responsáveis. Neste ponto, a dor dilacerante pela perda dos filhos se cruza com um sistema jurídico moldado para produzir injustiça e impunidade.
A boate preenchia um catálogo de irregularidades. Não tinha saídas de emergência. Extintores eram peça de decoração. A espuma do teto era de material inflamável mais barato e de pior qualidade. Os fogos de artifício usados pela banda também. A superlotação completou a fórmula para o morticínio.
Dois sócios da boate e dois integrantes da banda foram denunciados, mas os pais sempre lutaram pela ampliação das responsabilidades, visando a atuação do poder público. Quem deu alvará de funcionamento para aquela ratoeira? Quem fiscalizou a boate?
Os pais apontaram falhas na atuação do Ministério Público do Rio Grande do Sul e, por isso, tiveram que responder a processo por calúnia e difamação movido por alguns promotores. Absurda inversão de papéis que deu em nada, mas aprofundou o penoso calvário das famílias.
Nestes dez anos, o processo contra os quatro réus avançou e retrocedeu ao sabor da fartura de recursos e filigranas jurídicas. O julgamento que os condenou foi anulado por instância superior. Não há desfecho à vista. Ninguém está preso. É um crime sem autoria, sem responsáveis, sem castigo. O que sobra é a impunidade que estimula outras tragédias. Onde? Quando? Quem estará na próxima? Meu filho? O seu? A impunidade agride a memória dos mortos, pune os pais e os sobreviventes e nos degrada como sociedade.
Dodó Macedo. © Orlando Pedroso
Pesquisas recentes indicaram os sonhos como eficazes antídotos contra o estresse nosso de cada dia. Não sei em que medida isto ocorra. Estresse não me parece coisa que se cure com sonhos. Temos visto, no áspero cotidiano, que, não sendo da aérea matéria deles, o estresse é bem mais um pesadelo da vigília e de sua fatigada astúcia.
Não me canso de lembrar aqui minhas origens e, com elas, o resgate da infância primordial onde a vida mesma era sonho e punha todas as coisas encantadas. Minha avó cabocla, por exemplo, Maria Rosa Custódia de Senes, esta tinha a ciência dos sonhos na ponta da língua. Feito um talismã.
Sonhar com alguém chorando, não hesitava vaticinar: vinha ali dinheiro ou alguma mulher da família estava prestes a parir. Já sonhar com viagens tinha uma nota aziaga — morte certa de compadres ou amigos. Sonhar com um passarinho, era casamento; sonhar com muitos passarinhos (ouviu, Rogério Dias?), anunciava grandes colheitas.
O rol de significados e significâncias, a partir do sonho, era, para a avó, quase inesgotável. Sonhar com chuva, o prolongamento do estio na roça seca; sonhar com alguém voando ou caindo do cavalo, não dava outra — chegariam parentes há muito ausentes.
Também o saber, digamos, erudito, nos reserva coisas prodigiosas sobre os sonhos. Veja o leitor, esta, dos aedos gregos, bem mais interessante que as recentes descobertas da ciência moderna: a prova, entre outras, de que o Inferno existe — incontestável nos demoníacos pesadelos vividos pela alma quando em sono profundo.
Por falar em alma, impossível esquecer o famoso soporífero da planta mandrágora, que, entre os caldeus, causava sono idêntico ao da morte…
Tão ou mais sábia, repito, era a velha Maria Custódia, rezadeira, benzedeira, “costurava” carne rasgada, além de capaz das mais incríveis simpatias para evitar “mau-olhado” que, aquele tempo, tinha outro nome — “quebranto”. Sobretudo criança que não fosse protegida, adoecia gravemente.
Mas pior que mau-olhado, só picada de cobra e, contra ela, a avó tinha um antídoto feroz: “reza-braba”. Verdadeiros mantras caboclos que, incompreensíveis ao comum dos mortais, apenas ela sabia rezar, secretos na mente, secretamente aprendidos de cor.
Dona Maria Rosa Custódia de Senes faleceu em 1967, varada em anos, e descansa, ao lado de minha mãe, no Cemitério de Santa Cândida. Convivi em sua (doce) companhia a primeira década e meia de minha pobre existência e nunca a ouvi falar em estresse ou que sonho curasse estresse. E olha que de sonho e “reza-braba” ela entendia; e não entendia pouco.
*O Estado do Paraná, 16 de março de 2008