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A solução final
Damares Alves, agora senadora como Incitatus, o cavalo que Calígula fez senador, sai da baia para dizer que a fome e doença entre os inanomâmis é “problema histórico”. Ela quer passar a impressão de que sabe o que fala, pois foi a ministra da área, inclusive levando criança índia para criar como bichinho de estimação. Então, se ela estava no lugar e hora certos, o que fez para resolver o problema histórico?
Como o problema continuou em seu ministério e ela sequer tentou atacá-lo, como é dever do administrador público diante de situação recorrente, qual a solução que encontrou para o “problema histórico”? Foi a solução final nazista, da extinção física, a morte. A política de seu governo, afinal, era essa, a da destruição – do adversários, do ambiente, da cultura, a política do genocídio, como no covid.
Publicado em Rogério Distéfano - O Insulto Diário
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O coração selvagem de Bueno
Conheci Wilson Bueno em um tempo que havia um mar de ideias, de pensamentos, catarse coletiva de neurônios. Parecia que tudo fazia sentido. O time era de craques. Observar o que acontecia já era uma experiência e tanto. Bueno tinha uma postura transgressora em uma cidade completamente retrógrada e provinciana. Quantos espantos ele causava. Quantas possibilidades inventava por ser do jeito que era. Bueno não apenas discutia, mas escancarava. Tudo nele era excesso, fase em que a boemia tomou conta. Até no jeito de se vestir, quando aos tropeços conseguia parecer um dândi. Quem mais poderia ser assim?
Foi neste ambiente que observei as frestas do que poderia ser plausível, neste mundo que pulsava. O oposto do que acontecia no plano das ideias carregadas de mofo. Neste respiro descobri algo que nunca mais deixei: meu gosto pelo que é transgressor, pelo subversivo, pelo que ninguém mostra. Foi este universo que construí aos poucos, aos trancos, ao dissabor de dores e medos, mas que era possível. Caminho mais difícil, porém revelador.
Aprendi nesse processo algo que acredito que esteja ligado com uma íntima aliança com o que construímos pela estrada, e outro poeta, Ferreira Gullar, fala muito bem, que é não ser dogmático. Permitir-se mudar de ideia, de partido, de religião. Afiar o senso crítico. O que faz repensar, reinventar, não acomodar. Mais, essa abertura permite não carregar ideologias engessadas, mas opiniões. Que podem mudar a qualquer momento. Como bem escreveu Jorge Luis Borges: “Não te rendas. A masmorra é escura, a firme trama é de incessante ferro, porém em algum canto de teu encerro pode haver um descuido, a rachadura”.
É esse descuido que absolve, ilumina. Seguimos intuitivamente essa fresta, assim como lobos enxergam no escuro. Assim também, sem perceber, trilhamos um caminho, às vezes mais longo, com percalços, outras vezes mais lineares e silenciosos. Porém, seguimos adiante. No plano cerebral, desviamos das tempestades, nos protegemos embaixo das marquises até passar a chuva e abrir de novo o céu. Na margem oposta está o medo, e nada acontece se não atravessarmos a ponte. Atenção ao vento veloz que sopra segundos antes.
Por razões desconhecidas e misteriosas, o porto seguro está muito mais ligado à emoção e ao que realmente somos e fazemos. O medo é o outro lado do rio. Superá-lo ou renegá-lo é de certa maneira não reconhecê-lo, não atravessar a ponte. Os medos são a soma de tudo que somos nós. E Bueno carregava seus medos como quem faz disso seu íntimo, seu estado mais profundo. Medo em estado bruto. Talvez por isso tenha feito uma opção de escrita mais selvagem, transgressora e intensa.
Prefiro assim, a intensidade dos instantes em cada pausa, em cada silêncio, em cada palavra, como poema. O coração selvagem entrega assim sua fúria, com toda a delicadeza da cicatriz. A arte, diz Gullar, é necessária porque a vida não é o suficiente. Bueno sabia disso como ninguém.
“O militar é uma planta que você tem que cuidar bem para que não dê frutos”.
(Jacques Tati, cineasta francês, 1907-1982)
Publicado em Sem categoria
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Flagrantes da vida real
O cartunista que vos digita e Roberto Gomes, na Feira do Vinil 2015, Memorial do Largo da Ordem. © Vera Solda
Ruídos na comunicação
Foto de Gabriela Biló acende debate sobre novas tecnologias no jornalismo e gera agressões inaceitáveis no sistema democrático
Atrás de uma vidraça trincada, Lula sorri enquanto ajeita a gravata. Essa foto causou grande polêmica nos últimos dias. Gabriela Biló, fotógrafa da Folha, usou a técnica de múltipla exposição (quando se captam duas imagens no mesmo frame do filme).
Para alguns críticos, isso é fake news, já que a cena não estava dada na realidade. Seria uma distorção que privilegia a visão pessoal da autora em detrimento dos fatos.
Objetividade na imprensa é fundamental. No entanto esse aspecto não é nem essencialista nem funcionalista: o jornalismo não é apenas o relato frio e distanciado da realidade atual. Daí o conceito de “jornalismo opinativo” —que engloba colunas, crônicas, artigos— assim como a quebra paradigmática do “jornalismo literário” de Hunter Thompson entre outros.
Encaro a peça de Biló como uma foto opinativa, com um mandatário alvo de agressão (o vidro partido) mas que, mesmo assim, a supera (o sorriso, a gravata). Uma legenda mais didática sobre a técnica e o contexto político evitaria ruídos na comunicação.
Muito mais poderia ser dito sobre o tema, que é rico principalmente para pesquisadores e jornalistas. Mas o que chamou atenção foi a crítica ideológica distorcida e, em muitos casos, violenta. Sugerir que o jornal ou a fotógrafa incentivaram o assassinato do presidente é um disparate digno de teorias da conspiração.
Biló recebeu uma enxurrada de xingamentos e até ameaças. Qualquer semelhança com o tratamento dado a jornalistas por bolsonaristas não é mera coincidência: os extremismos se tocam.
Até a Secom da Presidência emitiu uma nota repudiando a foto de forma ignóbil e autoritária. Numa democracia liberal, não é papel do Executivo bancar o ombudsman da imprensa. A esfera do debate público consegue muito bem lidar com a controvérsia.
O lado bom do imbróglio é que, se radicais da esquerda e da direita atacam o jornalismo, ele deve estar no caminho certo. Como disse Millôr, “imprensa é oposição, o resto é armazém de secos e molhados”.
Publicado em Lygia Maria - Folha de Sao Paulo
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Teatro do “eu sozinho”
João Maria tenta desesperadamente escrever uma peça de teatro para participar de um concurso. Folheia livros, consulta anotações. A campainha toca, ele vai atender. É Fausto, acompanhado do Diabo.
João Maria esperava Godot, mas não diz nada. Fausto, que firmara um pacto com o Diabo, quer que João Maria o ajude a procurar Margarida, expressão de pureza e virtude. João Maria se recusa. Tem que lavar toda a louça e levar as crianças no colégio.
Mefistófeles, escondido atrás da cortina, ouve toda a conversa. Misteriosamente, o telefone toca. É Goethe. Começa o bate-boca. A mulher de João Maria reclama do barulho. João Maria vende a alma a Goethe, que lhe promete a juventude eterna, a satisfação dos desejos e dois ingressos para o show da Rita Lee. A empregada, encarnando o conflito humano entre a matéria e o espírito, ignorando a situação, pede aumento.
Surge Godot, não se sabe de onde, representando as obras de cunho universal. Alguém tenta servir o cafezinho. As luzes se apagam. Mefistófeles passa a mão na empregada. Tumulto. O inspetor Poirot invade o apartamento. Fica no ar aquele cheiro de carta rasgada.
Publicado em Sem categoria
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Que país foi este?
Slogan ufanista “Brasil, ame-o ou deixe-o“, muito usado durante os Anos de Chumbo no Brasil.
Tempo
Paulo Leminski, Luciano Figueiredo, Nelson Jacobina e Caetano, Rio, 1981. O cenário é a livraria Muro. Foto de Julio Covello.
Tempo
O mais antigo chargista do Brasil
© Acervo da Memória
O artista plástico e cartunista Amilde Pedrosa, o Appe, foi um dos mais consagrados cartunistas da imprensa brasileira. Mestre também dos quadrinhos, ilustrou as páginas de O Cruzeiro de 1953 a 1970. Appe, que era casado com Neusa Pedrosa, morreu de problemas cardíacos e pulmonares, aos 86 anos de idade, no município fluminense de São Pedro da Aldeia. Seu corpo foi cremado no Rio de Janeiro.
O cartunista nasceu em Sena Madureira, no Acre, em 1920. Começou a trabalhar como repórter colaborador e, mais tarde, como ilustrador em jornais de Manaus. Publicou sua primeira charge em 1940 e realizou a sua primeira exposição individual de caricaturas em 46.
Um ano depois, transferiu-se para o Rio, onde criou suas primeiras charges políticas no Diário da Noite, no jornal integralista A Vanguarda e em O Jornal: “O pessoal me achava cara-de-pau porque eu fazia charges anticomunistas, disse numa entrevista. Mas sou um profissional, nunca tive cor ideológica”.
Appe também trabalhou em A Cigarra e, em 1953, transferiu-se para a revista O Cruzeiro, onde foi um dos principais chargistas, ao lado de Borjalo, Ziraldo e Péricles, entre outros, até ganhar sua própria coluna, na página dupla “Blow-Appe”. Algumas charges de Appe foram censuradas, como a que mostrava Papai Noel levando ao Congresso Nacional um saco onde se lia a inscrição “Cassações”.
Associação Brasileira de Imprensa
Publicado em Geral, Sem categoria
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