Revista Ideias

ideias-agosto-leminskiTravessa dos Editores|Ideias|#154

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O autor anônimo

A questão dos direitos autorais está ligada, de um lado, à remuneração do trabalho do autor (aspecto material) e a um aspecto que poderíamos chamar imaterial ou simbólico, que é referido nos contratos como “o direito de ser reconhecido como o autor da obra X”. Este é um aspecto interessante porque implica numa vantagem (se não o fosse, não seria reivindicado pelos autores), mas uma vantagem de caráter abstrato. Esse direito e essa vantagem nos parecem indiscutíveis, mas a verdade é que, pelo menos na literatura, nem sempre havia a pressuposição tácita de que o autor gostaria de se identificado com a obra. Às vezes, entretanto, o autor preferia ficar na sombra.

Edgar Allan Poe publicou em 1837 seu primeiro livro, “Tamerlane and other poems”, assinando-se como “Um bostoniano”. Talvez uma tentativa de sentir-se mais integrado à população de Boston, cidade onde nasceu e com quem manteve uma relação de amor e ódio. Talvez por ter apenas 18 anos, estar servindo ao Exército sob nome falso (“Edgar Perry”) e não querer chamar atenção sobre si próprio. Sempre achei este episódio semelhante ao que ocorreu com Manuel Antonio de Almeida, que publicou em 1852 as “Memórias de um Sargento de Milícias”, assinando-se como “Um brasileiro”. Por que? Já li num ensaio ou prefácio que Almeida limitou-se, como jornalista, a escutar as histórias narradas por um personagem real, e as transpôs para o livro sem muita interferência.. Por isso sentia-se meio desconfortável em apresentar-se publicamente como o inventor daquilo tudo, coisa que não era.

Folheando uma reedição recente do “Frankenstein” de Mary Shelley vi uma reprodução da página de rosto da edição original de 1818, em três volumes. O livro saiu sem menção ao autor, o que só ocorreu da segunda edição em diante. Pelo fato de ser uma mulher? Talvez, mas o livro era prefaciado por Percy Shelley (marido da autora) e trazia uma dedicatória ao pai dela, o filósofo William Godwin. Hoje em dia, um livro que saia sem indicação do autor, mesmo um nome falso ou um pseudônimo, é quase inimaginável. Livros anônimos são, às vezes, livros que podem produzir reações polêmicas, como os “Vestígios da História Natural da Criação”, que Robert Chambers publicou anonimamente em 1844, com uma teoria cósmica da evolução.

Entre o autor que receia ser revelado e o autor que não faz a menor questão de ser conhecido vai uma grande distância. Se tomássemos no seu sentido mais amplo as palavra “história” e “canção”, e fosse feito um balanço de muitos séculos, veríamos que numa espantosa percentagem delas nunca se veio a saber quem foi o seu criador.

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Rui Barbosa em compota

A placa imensa: “centro de formação de condutores”. Para não deixar dúvidas, já que se pode legitimamente pensar que ali se formam maestros, abaixo vem outra informação, esta conclusiva: ‘auto escola’. Escola para treinar motoristas. Releve-se o ‘auto’, que pode levar preciosistas como os chatos do Insulto a entender que se trata de escola em que as pessoas aprendem sozinhas tudo e qualquer coisa, como andar de bicicleta, por exemplo. O ‘auto’ é abreviação de automóvel, embora também ensine a dirigir caminhões e motocicletas. Tudo não passa de eufemismo.

Ali mesmo na rua, em frente ao ‘centro de formação’, pensei na Alemanha, o pais mais adiantado do mundo, que produz os melhores automóveis – e nada por acaso tem a língua que dizem mais complicada. Erro, o alemão não é complicado; é lógico e busca a clareza; tanto que se tornou a língua filosófica por excelência. Sabe como os ‘centros de formação de condutores’, as auto escolas, são conhecidas na Alemanha? Fahrschule, ou seja, auto escola, assim, curtinho e claro, até com a pontinha de eufemismo: Fahr, genérico para movimento; na bicicleta – Fahrrad.

Eufemismo e bolodório são traços culturais. Eça de Queiros meteu um eufemismo no romance A Relíquia. De volta da Terra Santa, o personagem traz a encomenda da tia, uma relíquia bíblica. Em vez do santo sudário, entrega a camisola da amante. Em epígrafe, Eça explica que encobriu a “nudez forte da verdade sob o manto diáfano da fantasia”. Se você não for da justiça, gente de língua empolada ou não voltou de Israel com calcinha na bagagem, purgue a escrita para não ser “um Rui Barbosa em compota” – assim Leonel Brizola chamava o jurista Paulo Brossard.

Publicado em Rogério Distéfano - O Insulto Diário | Deixar um comentário
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Carta aos eleitores de Bolsonaro: chegou a hora de fazer uma escolha

Senhoras e senhores eleitores de Bolsonaro, Escrevo a vocês ciente que milhões de pessoas que votaram por Jair Bolsonaro desaprovam a ideia de um regime autoritário. Sei também que jamais votarão num candidato de esquerda. E isso não é um problema. Mas existem momentos na vida em que uma escolha se impõe. Entre as conclusões preliminares que podemos tirar dos eventos de 8 de janeiro e conhecendo já alguns dos bastidores de como a tentativa de golpe foi organizada, precisamos ser claros: não há como ser eleitor ou apoiador de Jair Bolsonaro e democrata ao mesmo tempo. É uma questão de coerência.

Ou defende-se a democracia ou defende-se a invasão dos poderes. Ou defende-se o conceito de direitos humanos ou defende-se a barbárie. Eu confesso que nunca vi compatibilidade entre a democracia e um movimento que acolhe torturadores, que retira direitos de mulheres, que troca o livro pela pistola, que faz apologia ao fascismo e à violência. Mas se vocês ainda precisavam de uma prova extra, o dia 8 de janeiro e seus artífices eclodem como uma oportunidade para que o trem em direção ao autoritarismo não conte com sua presença ou silêncio.

Entre os tantos impactos do terremoto sentido na capital federal no começo do mês, um deles deve ser a constatação de que é urgente a construção de uma direita democrática. Conservadores capazes de respeitar as regras do jogo, de defender o estado de direito e suas instituições. Uma direita humanista, capaz de ver que a desigualdade social, o racismo e a xenofobia precisam ser superados. Uma direita que reconhece e busca soluções para as mudanças climáticas. Uma direita que valorize a cultura, as artes e a ciência. Qualquer sistema democrático precisa de uma direita consolidada. No poder ou na oposição.

Não é nada disso que vemos no movimento ao qual vocês deram seu voto no final do ano passado e pelo qual alguns mantêm simpatia. Trata-se de uma força política que sequestrou termos como a família, liberdade e Deus para justificar o ódio, a violência e a intolerância. O mundo, como vocês devem saber, acompanhou os episódios no Brasil com uma mistura de tristeza e choque. Apenas partidos e políticos herdeiros de ditadores como Franco, Salazar ou Mussolini aplaudiram a tentativa de golpe. Vamos ser claros aqui: a ideologia que hoje alguns ainda apoiam só encontra respaldo entre os descendentes do momento mais tenebroso do Ocidente. Querem mesmo ficar ao lado desses personagens da história?

Tenho visto como, de uma forma desesperada para justificar os ataques golpistas, muitos se aprofundam numa realidade distópica, desenhada por desinformação e manipulações. Optam por abandonar a coerência dos fatos para lutar pela preservação da coerência de sua seita, por mais criminosa que seja. Insisto: não escrevo para pedir que façam o “L”. Precisamos de uma polifonia de vozes numa democracia. George Orwell já dizia que a real divisão que existe não é entre conservadores e revolucionários. Mas entre autoritários e libertários. Não há como defender a democracia e ser apoiador de Bolsonaro. A máscara caiu.

Saudações democráticas.

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Tempo

Caetano Solda, posando para o folheto Bamerindus Urgente, década de 1990.  © Gustavo Rayel.

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© Myskiciewicz

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O irritante guru do Méier

A Academia Brasileira de Letras se compõe de 39 membros e um morto rotativo.

Publicado em Millôr Fernandes|1923|2012 | Com a tag , | Deixar um comentário
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© Jan Saudek

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Ivan Lessa

Só se escreve para provocar um inimigo, conquistar uma mulher ou ganhar muito dinheiro.

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Tempo

Antonio Carlos Kraide, no tempo do guaraná com rolha.  © Alcides Munhoz

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Desbunde

My haven 104. © IShotMyself

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Fraga

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Injeção na testa

‘Sexo’ é dessas palavras que basta ler para que alguns neurônios espirrem dopamina

“Guapimirim sem corrupção!”, leio na camiseta da Renata assim que ela me libera no Zoom. Estranho, pois minha colega está sempre elegante: blusas e macacões coloridos, brincos, colares e penteados mil.

Trabalhamos juntos faz uns dois anos e embora nossos encontros presenciais possam ser contados nos dedos —ela no Rio, eu em São Paulo e a pandemia no meio—, temos intimidade o suficiente para que a cumprimente não com um protocolar “oi”, mas com “Guapimirim sem corrupção, Renatinha? Onde é Guapimirim? Quem a está corrompendo? Quem será o herói incorruptível a salvá-la?”.

Renatinha termina de mastigar umas pipocas, responde “Sei lá, a camiseta era grátis” e eu entendo tudo.

“Sexo” é dessas palavras que basta ler para que alguns neurônios espirrem dopamina. “Pudim” tem efeito semelhante, embora seja outra a turma de células, creio eu, a babar neurotransmissores. Mas nem “sexo”, nem “pudim”, nem “Bahia”, nem “Pelé” faz com que minha massa encefálica —e, aparentemente, a da Renatinha também— vibre como diante de “grátis”

Deve ser produto da seleção natural, epifenômeno resultante do nosso passado caçador/coletor. Imagina você e seu bando caminhando pela floresta, famintos, suados sob o sol a pino, então dão de cara com um cajueiro carregado. Suponho que seja esse o tipo de encontro responsável por moldar, ao longo de milhares de anos, as emoções em torno de tudo o que é gratuito.

Não à toa um dos nossos maiores mitos fundadores trata do assunto. O que é o “Gênesis” senão a triste história da passagem do paraíso 0800 pra dura realidade do pré e pós-pago?

O primeiro capítulo da Bíblia poderia ser resumido a “Era tudo na faixa, vacilaram, agora vão ter que trabalhar”.

Anos atrás fui participar de uma CCXP. Ao chegar no camarim meu coração bateu mais forte. Tinha ali um freezer cheio de refrigerantes grátis. Peguei uma Coca e sentei numa poltrona, mas minha alegria pueril (ou primeva?) terminou assim que me dei conta da matemática deficitária da minha satisfação: uma lata de Coca-zero custa R$ 2,77 e o Uber pra Comic Com havia saído uns R$ 80. Não importa. O apelo de tudo o que é “de grátis” me faria pagar R$ 1.000 pra pegar um chaveiro de R$ 10.

Trabalho na Globo. Antes da recente pindaíba nacional, todo fim de ano a empresa dava aos funcionários uma mala térmica com um peru congelado, um salame, um tender e uma torta Miss Daisy.

Não era raro você encontrar na fila do brinde um Galvão Bueno, uma Glória Perez, um Walcyr Carrasco gente cujo salário de um mês compraria perus de Natal suficientes para dar duas voltas na Terra —caso voltas na Terra fossem medidas em perus de Natal. Gula? Mesquinharia? Nada. Era o chamado da natureza, a partitura cromossômica composta nas savanas a nos fazer executar aquela mesma coreografia, ano após ano, no Subsolo 1 do Módulo Laranja, Estrada dos Bandeirantes, 6.700, Curicica, RJ – portaria 2.

Imagino se o Galvão Bueno, a Glória Perez ou o Walcyr Carrasco também sentem, como eu, uma leve melancolia lá por 15 de dezembro, ao lembrar dos farnéis de outrora. A torta era meio ruim, verdade, mas o retrogosto da gratuidade compensava a textura rançosa do chantilly congelado.

O mundo só piora, não tem jeito. O que consola é lembrar que em Guapimirim ainda dão camisetas grátis —e, claro, lutam contra a corrupção. Agora chega de papo-furado, Renatinha, vamos trabalhar que a vida não tá ganha e embora não nos deem mais malas térmicas ainda pagam o nosso salário —sabe-se lá até quando.

Publicado em Antonio Prata - Folha de São Paulo | Deixar um comentário
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Marlon Brando, especialmente pelo filme inglês Night Comers – Os Que Chegam Com a Noite – 1971, de  Michael Winner, que poucas pessoas devem ter visto. Manoel Carlos Karam levou-me ao Cine Rívoli (lembram?) e simplesmente disse: “Marlon Brando, num filme de terror magnífico”. © Time|Life 

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