Pecado capital

23-2A Inveja na Divina Comédia

A mais bela edição de A Divina Comédia, de Dante Alighieri, tem ilustrações de Gustave Doré. No livro famoso, os invejosos não vão para o Inferno, vão para o Purgatório. O castigo: pálpebras costuradas nos olhos por fios de metal. Nada vendo, não podiam mais invejar! Até o século XII não havia Purgatório, lugar de castigo inventado para dar uma solução às almas daqueles que emprestavam dinheiro a juros.

Antes, iam para o Inferno. Mas agora haviam financiado igrejas, templos, catedrais, mosteiros, abadias, conventos. Era preciso salvá-los, mas não sem puni-los. 

Deonísio da Silva

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jan-saudek49© Jan Saudek

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Onde nascem os ETs

Agora você põe esta mordaça na minha boca. Mas um dia, quando sussurrei Eu te amo, minha paixão, meu tudo, você levantou o copo de uísque como numa comemoração e disse Grita, fala bem alto, é pra todo mundo ouvir. Agora você me ata. Mas quando meu corpo pairou sobre o seu, serpenteando na cama, você disse que eu te libertava. E quando chacoalhei seu sexo, furiosa, até ficar emporcalhada, você gemeu: Adoro sua mão. Agora você me bate. Mas antes você vinha comigo uma, duas, dez vezes – guloso, quem quase estrebuchava era você. Um dia você prometeu que me mostraria o Jardim do Éden.

Jogou a conchinha no mar e disse que nosso amor tinha virado poesia. Falou que me daria sua coleção de Charlie Parker, me levaria para ver a neve em Veneza e o lugar onde nascem os ETs. O médico chegou a dizer: Ficou doida? – achou que eu enlouquecera de amação. Agora, com uma voz que nunca ouvi, diz Morra, velha.

E me xinga: Você é mais antiga que minha avó. Eu tomo a primeira facada, a segunda, e quando a terceira me acerta o peito, nem vejo mais nada, estou com o rosto ensopado de lágrimas e o coração já sangrou por pura vontade de morrer.

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Paris por um triz

Quando eu dormia no colchão pulguento do André Breton e era feliz em Paris

Não precisei ir aos confins das galáxias como o androide de Blade Runner para encarar situações inusitadas. Foi na suave “espuma dos dias” (merci, Boris Vian), na rotina pobre de bolsista em Paris, que vivi minhas maiores aventuras. Muitas delas espirituais.

Inicialmente morei na Maison du Brésil, na Cité Universitaire, perto do Boulevard Périphérique, o nome diz tudo. Num dia ameno de fevereiro, temperaturas já acima dos vinte graus – tinha até gente nadando no Sena – mudei-me para o coração de Paris; o City Hôtel, no 29, Place Dauphine, uma pracinha triangular que um jornalista chamou A Vagina de Paris, no bico da Île de la Cité. Morei ali cinco meses, antes de partir para o “Grand Tour na contramão”, até o sol da meia-noite na Finlândia, e depois para o Grand Tour legítimo: sul da França e Itália, incluindo a Sicília.

Só tempos depois, ao ler Nadja, o romance revolucionário de 1928 do surrealista André Breton – que entremeava páginas de texto com páginas de fotos – fiquei sabendo da ligação de Breton com a Place Dauphine e, mais especificamente, com o City Hôtel:

“Esta Place Dauphine é um dos lugares mais profundamente retirados que conheço, um dos piores terrenos baldios que existem em Paris. Toda vez que estive lá, senti abandonar-me pouco a pouco o desejo de ir para outro lugar, precisei argumentar comigo mesmo para me livrar de certas amarras muito doces, agradáveis, insistentes e, no fundo, destruidoras. Além do mais, morei algum tempo num hotel nesta praça, “City Hôtel”, onde as idas e vindas a toda hora, para quem não se satisfaz com soluções simplistas, são suspeitas.”

Mon cher André, ficar sabendo que, 35 anos depois morei no quartinho da mansarda do City Hôtel, com vista para o Louvre, dormindo as poucas horas que dormia no mesmo colchão em que você dormiu, me traz uma sensação muito forte de pertencer, de uma forma física, ao que de melhor a cultura do século 20 ofereceu. Só me resta arrematar com a frase final e definitiva de Nadja: La beauté sera CONVULSIVE ou ne sera pas.

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Luis Fernando Verissimo

Agora que o fim está perto
E se aproxima a última cortina,
Meus amigos, sei que estou certo:
Minha vida não foi rotina.

Vivi uma vida cheia,
Viajei pra não botar defeito.
E mais, mais do que isto,
Fiz do meu jeito.

Remorsos, tive alguns,
Mas, pensando bem, nem foram tantos.
Fiz o que tinha que fazer
Mesmo que aos trancos e barrancos.

Planejei cada passo tomado,
Em cada estrada ou caminho estreito,
Mas mais, mais do que isto,
Fiz do meu jeito.

Sim, sei que há quem diga
Que o olho foi maior que a barriga.
Mas em nenhum momento hesitei,
Engoli tudo e não regurgitei,
Enfrentei tudo
E não fiquei mudo.
E fiz do meu jeito.

Amei, ri e chorei.
Tive a minha cota de desengano,
Mas agora, que as lágrimas secaram,
Tudo me parece tão mexicano…

Pensar que fiz tudo isso
E, posso dizer, não sem muito peito.
Não mesmo, não este aqui:
Fiz do meu jeito.

Pois afinal um homem o que é
Se não sabe ficar de pé
E dizer o que realmente acredita
Sem temer a desdita?
Os autos estão aí
Pra mostrar que não fugi.
E fiz do meu jeito.

(Mas com a última cortina pendendo
Eis o mote para um psiquiatra.
Trocaria o meu jeito correndo
Pelo jeito do Frank Sinatra.)

assinatura-verissimo

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Magui. © IShotMyself

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Emplaque seu poema. Academia Onírica. Poesia Tarja Preta (Teresina|Piauí)

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Playboy|1980

1984|Karen Velez. Playboy Centerfold

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Ouríssas

Eu, Khorn Gachet, respiro aqui na ilha de Ouríssas e acho que o Deus é aquele que está no quartzo, mas não é o quartzo; é aquele que está na baleia jubarte, mas não é a baleia jubarte; é aquele que está na respiração de Khorn Gachet na ilha de Ouríssas, mas não é nunca – o Deus –, a respiração de Khorn Gachet na ilha de Ouríssas.

Porque Khorn Gachet sou eu e sei que não existo. O que há é o Deus se fazendo de desentendido, um braço de mar atrás das montanhas que circundam a baía e algumas estrelas cadentes que despencam do escuro céu das noites de Ouríssas se Dona Lua não nos deu o ar da graça.

Eu, Khorn Gachet, respiro as luas de Ouríssas. E se é tormenta em mar sinistro, deito ao convés de minha galé errante, posto que, em Ouríssas, não sou o Deus, mas o olho Dele na escotilha – se me faço entender, se me faço entender melhor.

Ouríssas é pequena como uma pedra sob o sol, ao largo dos promontórios de Khür, que ruem sobre as águas, em estrépito contínuo. E povoam, a ilha, os pássaros, além de servirem generosamente, a mim, Khorn Gachet, e à minha não pequena distração, momentos de intenso devaneio ou dessa coisa precária e insuficiente a que chamam alegria.

A última vez que eu, Khorn Gachet, medi, a passos, o diâmetro de Ouríssas, cruzando-a de Leste a Oeste em busca de seu equador perfeito, trombei com nuvens que me fizeram tornar à galé, alguma vez ferido de seus raios e elétricos, estrondos de estilhaçar um coração mais fraco. Eu, Khorn Gachet, também da estirpe militar dos Bragança, logrei resistir aos feitiços de Ouríssas.

Nas noites crivadas de morcego, e sem lua, só o barulho do mar à praia, a hora sabendo a sal, duas vezes ao menos amarrei-me eu mesmo ao mastro da galé, único recurso para não sucumbir ao chamamento terrível das águias e do brilho delas em metálico prata, das águias que silvam, às centenas, cruzando o céu de Ouríssas feito uma chuva diagonal do abismo.

Não crocitam nem piam as águias de Ouríssas, sereias de asas; antes nos convocam a um cio de penas e penachos; escruciante maneira com que o instinto clama por um gozo que é farpa, que é farpa e chama.

Em Ouríssas, afinal, alcançamos, eu Khorn Gachet e meus navais, vencer o pior – a nós mesmos.

E por isso, os navegantes de Hérida somos tão orgulhosos desta ilha próxima ao incessante ruir dos promontórios de Khür. Antes que tudo afunde – de uma só vez e golfada. Ouríssas, Ouríssas, meu amor.

Do livro “Ilhas”

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Tempo

O cartunista que vos digita e Leide Sousa, Teresina Rock, 2010.  © Vera Solda

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Olha quem está falando

Joice Hasselmann baixa o sarrafo em Micheque/Mito pela sujeira no Alvorada. Depois de tanto tempo em silêncio obsequioso e derrota eleitoral, podia voltar batendo pesado em Carla Zambelli, sua inimiga histórica, deputada e pistoleira que ataca negros pobres. Bater nos antigos aliados, também derrotados, é chutar cachorro morto, ingratidão contra quem garantiu sua eleição.

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© Anton Josef trcka nu de dos avec des tissus concus par trcka|1925|La Petit Mélancolie.

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Justiça autoriza manifestante a retomar acampamento em BH

Decisão vale apenas para empresário bolsonarista que entrou com mandado de segurança

A Justiça acatou o pedido de um dos líderes do acampamento bolsonarista desmantelado na sexta-feira (6) em frente ao Comando da 4º Região Militar do Exército, na avenida Raja Gabaglia, em Belo Horizonte. 

De acordo com o jornal Estado de Minas, o empresário Esdras Jonatas dos Santos, que atua no setor têxtil, solicitou que os manifestantes pudessem voltar ao local. A decisão, porém, vale apenas para Esdras. No mandado de segurança, o empresário se baseou nos princípios do direito de manifestação, liberdade de expressão e propriedade.

Os manifestantes estavam no local há mais de dois meses. Na sexta, uma equipe do jornal O Tempo foi agredida por um grupo que estava acampado em frente ao QG do Exército.

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Zambelli perde as armas, mas não o discurso. O desafio ainda é imenso

Na véspera das eleições, em 29 de outubro, a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) sacou uma pistola 9mm e perseguiu um eleitor desarmado após uma discussão em uma rua dos Jardins, em São Paulo. As cenas da violência contra um homem que não representava qualquer perigo correram o país. Zambelli tinha porte de arma, mas não para aquela usada na agressão. Como Al Capone, esse detalhe é o que pode render a ela uma dor de cabeça em forma de processo criminal.

Em dezembro, o Supremo Tribunal Federal determinou a retirada do porte de armas da parlamentar e deu a ela 48 horas para entregar os equipamentos à Polícia Federal. Um segurança de Zambelli que disparou um tiro na ocasião já havia sido preso. Na última terça-feira (3), após consulta ao sistema de registros, a PF apreendeu outras três armas da deputada, a pedido da Procuradoria-Geral da República. Em endereços distintos (em São Paulo e em seuapartamento funcional em Brasília), os agentes encontraram um revólver calibre 0.38 e duas pistolas, de 9mm e de 0.380.

Após o recolhimento, chamou a atenção a manifestação da parlamentar. Em nota, ela disse se autodeclarou uma “cidadã de bem que nunca teve passagem pela polícia”, e que o STF não demonstra a mesma preocupação em relação a “armamentos pesados nas comunidades”. “Pelo contrário”, disse, em tom de ironia. Zambelli, como é praxe na direita extremista da qual ela faz parte, se posiciona desinformando o público que visa atingir. Primeiro porque o STF apenas atendeu a um pedido da vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, que em sua manifestação emitiu a seguinte reprimenda: o porte de arma de fogo para defesa pessoal não lhe autoriza “o uso ostensivo, nem adentrar ou permanecer em locais públicos onde haja aglomeração”.

A ameaça ali era a própria deputada, e isso não tem nada a ver com “autodefesa”, mas em seu comunicado Zambelli insiste em dizer que bandido mesmo é quem mora em comunidades — assim mesmo, citadas como eufemismo. Zambelli parece ignorar (sabemos que não ignora) que nenhuma arma “brota” ou é fabricada em uma comunidade. Se chegou até lá é porque alguém, provavelmente uma autoridade também autodeclarada de bem, furou os sistemas de controle de armas e munição.

Em anos recentes, as maiores apreensões de armas no país não aconteceram em “comunidades”, mas em casas bem equipadas e bem protegidas. Em 2019, na maior da história do Rio, por exemplo, a Polícia Civil encontrou 117 fuzis incompletos na casa de um amigo do PM Ronnie Lessa no Méier, bairro de classe média da zona norte da capital fluminense. Vizinho de Jair Bolsonaro em um condomínio de luxo na Barra da Tijuca, Lessa é acusado de ser o responsável pelos disparos contra a vereadora Marielle Franco, símbolo da luta pelos direitos humanos, e seu motorista, Anderson Gomes, em março de 2018.

Durante a campanha, Jair Bolsonaro (PL) e seus seguidores não pouparam esforços para associar os territórios periféricos à criminalidade. Como quando espalharam que as iniciais CXP, inscritas em um boné usado por Lula (PT) em uma visita ao Complexo do Alemão, era homenagem a uma facção criminosa. A deputada pistoleira que colocou a vida de um homem negro em perigo ao persegui-lo pelas ruas de São Paulo fez o mesmo ao dizer que são as comunidades, e não gente como ela, os riscos à segurança da população.

A publicação da nota cínica e desinformada da deputada dividia espaço, na mesma página de jornal do dia seguinte, ao discurso de posse do novo ministro de Direitos Humanos, o jurista e filósofo Silvio Almeida. O tamanho do desafio não poderia estar mais bem desenhado. No evento, Almeida prometeu recriar o programa de proteção aos defensores de direitos humanos e os mecanismos de prevenção e combate à tortura. “O Brasil ainda não enfrentou a contento a escravidão, assim como outros traumas, o que permite que a obra da escravidão se perpetue pelo racismo e na violência contra pretos e pobres no país.”

A publicação da nota cínica e desinformada da deputada dividia espaço, na mesma página de jornal do dia seguinte, ao discurso de posse do novo ministro de Direitos Humanos, o jurista e filósofo Silvio Almeida. O tamanho do desafio não poderia estar mais bem desenhado. No evento, Almeida prometeu recriar o programa de proteção aos defensores de direitos humanos e os mecanismos de prevenção e combate à tortura. “O Brasil ainda não enfrentou a contento a escravidão, assim como outros traumas, o que permite que a obra da escravidão se perpetue pelo racismo e na violência contra pretos e pobres no país.”

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