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A nascente de João da Silva
Dante Mendonça com Flora Camargo Munhoz da Rocha, viúva de Bento Munhoz da Rocha Netto. Nascida em 1911, a escritora e poeta vive entre o apartamento da Praça Osório, em Curitiba, e um flat na praia de Ipanema, Rio de Janeiro. A fotografia é de 8/3/2005.
Aqui já foi dito que, dos governadores paranaenses mais viajados, fascinante turista era Bento Munhoz da Rocha Netto. Com sua bagagem intelectual, viajava pela história, literatura, filosofia, sociologia, antropologia, na geografia de sua biblioteca. Bento era um líder globalizado pelo espírito, não precisava passar uma semana em Nova York para se mostrar cosmopolita.
“João da Silva é um desses personagens que a gente se habitua a ver emoldurado por um determinado ambiente, fixado no seu meio, como parte integrante dele, cercado de sua prole numerosa, pela sua criação, montado no seu zaino marchador, o rosto corado pelo vento das geadas”.
Aquecido pela sapecada de pinhão, Bento mais ouvia do que falava: “Um dos orgulhos de João da Silva era a nascente que tanto lhe valorizava a propriedade, nascente que João da Silva amava como um régio presente da natureza e sabia proteger, seguramente, proibindo, em torno, a derrubada do mato. Pois foi numa das nossas excursões à nascente que eu lhe disse ser toda a água constituída essencialmente por dois gases, o hidrogênio e o oxigênio, variassem ao máximo as substâncias que, em dissolução e em suspensão, a tornavam própria ou imprópria à bebida e ao uso do homem”. João da Silva não concordou: “Podia ser que nos laboratórios das cidades, a água fosse aquilo, mas a da sua nascente, cristalina e gostosa, a da sua nascente, que não secava nas estiagens mais longas e dessedentava a gente da redondeza acorrendo pelos atalhos com baldes improvisados, era água mesmo. Isso de composição constituída por dois gases era teoria cabível às águas preparadas, educadas na complicação das cidades, cuja vida andava afastada da natureza. Teoria que não se aplicava à água cabocla e livre daqueles pagos, sem outras qualidades além da sua cristalinidade e gostosura, sem outra finalidade que não a de saciar com humilde simpleza a sede dos que a procuravam, gente e criação daqueles arraiais amigos”.
“Afinal – concluiu o professor de história e filosofia – todos nós temos um pouco de João da Silva. Achamos que as nossas coisas, pelo fato de serem nossas, são essencialmente diferentes das demais”.
Reverso do arrogante, o ex-governador tinha convicção intelectual de que a mais pura sabedoria escuta e respeita as diferenças. Isso sem pregar que vivemos num mundo diferente dos outros: “Achamos que as nossas coisas, pelo fato mesmo de serem nossas, são essencialmente diferentes das demais” – escreveu Bento Munhoz da Rocha Netto, ao contar a história da nascente de
João da Silva.“João da Silva é um desses personagens que a gente se habitua a ver emoldurado por um determinado ambiente, fixado no seu meio, como parte integrante dele, cercado de sua prole numerosa, pela sua criação, montado no seu zaino marchador, o rosto corado pelo vento das geadas”.
Aquecido pela sapecada de pinhão, Bento mais ouvia do que falava: “Um dos orgulhos de João da Silva era a nascente que tanto lhe valorizava a propriedade, nascente que João da Silva amava como um régio presente da natureza e sabia proteger, seguramente, proibindo, em torno, a derrubada do mato. Pois foi numa das nossas excursões à nascente que eu lhe disse ser toda a água constituída essencialmente por dois gases, o hidrogênio e o oxigênio, variassem ao máximo as substâncias que, em dissolução e em suspensão, a tornavam própria ou imprópria à bebida e ao uso do homem”. João da Silva não concordou: “Podia ser que nos laboratórios das cidades, a água fosse aquilo, mas a da sua nascente, cristalina e gostosa, a da sua nascente, que não secava nas estiagens mais longas e dessedentava a gente da redondeza acorrendo pelos atalhos com baldes improvisados, era água mesmo. Isso de composição constituída por dois gases era teoria cabível às águas preparadas, educadas na complicação das cidades, cuja vida andava afastada da natureza. Teoria que não se aplicava à água cabocla e livre daqueles pagos, sem outras qualidades além da sua cristalinidade e gostosura, sem outra finalidade que não a de saciar com humilde simpleza a sede dos que a procuravam, gente e criação daqueles arraiais amigos”.
Bento, em vão, insistia sobre o
“núcleo comum do elemento aquoso, quaisquer que fossem as águas, subterrâneas ou superficiais, mares ou rios.” Explicava “o mundo das substâncias que as águas podiam conter, desde os sais até a matéria orgânica, nada impedindo que, pela constância dos seus elementos comuns, todas fossem águas.” Era o confronto entre o intelectual e o homem vivo e vivido: “João da Silva sereno, macio, paciente replicava que assim podia ser na Europa, onde a vida era apertada, onde o homem havia vencido a natureza, onde cada árvore tinha nome e os terrenos se mediam por metros, não aqui, neste chão da América, de domínio das forças cósmicas e, menos ainda, na sua comarca, de águas tranqüilas e leves”. Bento Munhoz da Rocha Netto não convenceu João da Silva: “Mas desconfio que plantei no seu subconsciente uma semente do conhecimento relativo ao elemento essencial e comum das águas”.“Afinal – concluiu o professor de história e filosofia – todos nós temos um pouco de João da Silva. Achamos que as nossas coisas, pelo fato de serem nossas, são essencialmente diferentes das demais”.
Dante Mendonça [28/10/2007]O Estado do Paraná
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O arco e a lira
Conta-nos o monge Shuaky-Cheng, que viveu e morreu antes de Cristo, em seu insubstituível Manual do Buda Sereno, que o arco, quando excessivamente distendido, torna inútil a flecha e não a dispara em hipótese alguma; o mesmo com a lira que, as cordas tensas, dela ninguém alcança extrair nenhum som. Do mesmo modo, tanto o arco quanto a lira, se estiverem com as cordas frouxas, fácil adivinhar, também não funcionam.
Participei, aliás, não faz muito tempo, em Ouro Preto, de uma das Flop (Festa Literária de Ouro Preto), versão mineira da badalada Flip carioca. Uma das grandes estrelas do evento era então o francês Carl Honoré, autor do best-seller Devagar, um manual de instruções de como se livrar da pressa nossa de cada dia.
As “lições” do jovem professor de “how to do” ( como fazer) eram, e nem poderiam deixar de ser, de uma obviedade ululante e que não convém sequer repetir aqui. Valiam, e valem, apenas, por levantar a lebre – como diria o meu nunca esquecido compadre Jamil Snege. Não sem um esgar sarcástico que era, do escritor, a maior marca diante de qualquer assomo de mediocridade…
Nunca tantos, em tão pouco tempo, aderiram aos divãs psicanalíticos como hoje. E as estatísticas não mentem jamais – o principal “distúrbio” que motiva tal adesão a Freud e Lacan, ninguém se engane – é a ansiedade. Se a histeria foi o mal do século 19,
hoje a pressa, a excitação incontrolável e o desassossego constituem a principal enfermidade psíquica do nosso aturdido presente.Filosoficamente, sabemos, a pressa é de uma burrice inominável. O que, a rigor, desejamos montados em tal cavalo esquivo e indomável? Apressar o quê? Em última instância, inconscientemente, aspiramos à morte ou ao que Freud chamava de “a cessação da febre de viver”. Quem tem pressa deseja, no fundo, que tudo passe e passe o mais rapidamente possível. Um equívoco tolo, ademais de obscuro.
Daí que a ansiedade é quase um suicídio do Tempo ou o seu precipitado assassinato. Melhor ficar alerta tanto à corda do arco quanto às da lira. Afinar uma e outras é afinar as cordas do coração. Shuaky-Cheng que o diga com seus exercícios em louvor do sereníssimo buda que pode morar no meu e no teu coração. Quem se habilita?
***
P.S. : Permitam-me os leitores deixar registrada aqui a minha profunda gratidão pelos incontáveis e-mails, telefonemas, cartas e telegramas, de todos os quadrantes do Brasil, em solidariedade pela perda, semana passada, de minha mãe, a inesquecível Maria Aparecida Bueno (1927-2007).
Wilson Bueno [28/10/2007] O Estado do Paraná.
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Ouiés!
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O inferno de Bush!
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Ele apavora!
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Êpas!
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Uebas!
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