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Mural da História
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Jogo de botões
De importância igual ou ainda maior foi a anterior descoberta – seria invenção? – do fogo. A resposta que repergunto: atritar uma pedra na outra até faiscar e explodir se define como descoberta, invenção ou achado? O mais gratificante é que o homem há 8 mil anos pira com o fogo nas mãos. Uma chama nas trevas pode ser a luz no fim do túnel: uma idéia, um apelo à concentração (iogue), ao grito primal, ao ritual, ao luau, ao uivo, ao coito.
Mais modernamente, o irrequieto espírito humano brinda o mundo com as criações – invenção ou descoberta? – da pólvora, do papel e da imprensa. Surgem as primeiras bombas. Nos campos da guerra e da notícia. Perde o homem, com a ilusão de imitar o big-bang. E ganha, por outro lado, com a propagação do conhecimento. Desse experimentalismo físico-químico sobrevém o progresso científico: hidráulico, mecânico, elétrico, eletrônico, cibernético, quântico, ótico. “Nada de novo debaixo do sol”. Perguntas a Salomão.
De tudo, entretanto, o que ninguém até hoje reconhece os devidos méritos é num certo objeto, singelo, revolucionário, imprescindível. Refiro-me ao botão – sem maiores borbotões. Sim, o mísero e injustiçado botão. Monumental e minimalista. Exemplo palpável, tátil, digital, da estética e da ética. Da estética, por ser bonito ou feio, belo ou horrível, exótico, ingênuo, engraçado, ridículo, extravagante, discreto, grande, médio, pequeno; botão de rosa, botões da blusa. Sobre essa suposta estética, está aí o genial artista, mago, Hélio Leites para confirmar. E de Ética, também, pois esbarra em conceitos fundamentais de moralidade e poder. Como o insuspeito botão soviético, ícone do pavor da Guerra Fria. Como o botão de desligar, que o saudoso humorista carioca Sérgio Porto dizia ser a melhor coisa que a televisão nos oferece. Ah! E “os jogos de botões sobre as calçadas”, na canção de Ataulfo Alves (e Claudionor Cruz?).
São inúmeros os botões a nos solicitar toda atenção e cuidado, dia e noite, a nos exigir dedos ágeis e certeiros. No trabalho e em casa: no chão, na parede, no teto, na mesa, na cama, nos eletrodomésticos, nos eletrônicos. Na rua: em campainhas, nos veículos, na hora de votar, de voltar, de entrar no banco, de pagar a conta. O que seria de nós sem o botão? E os botões de roupa, então! Não há limite: roupa íntima (de meados do século 20 para trás), esportiva, social, de gala – fecho “éclair” e genéricos não valem, nem elásticos. Um simples botão, abotoado ou desabotoado, acionado ou em espera, fora de hora ou de lugar é capaz de mudar os rumos da história, ou menos: de uma festa, de uma reunião, de um encontro, de uma conversa – formal, informal ou em…off.
Ewaldo Schleder
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Gazeta do Povo (28/10/2007)
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Grandes lábios!
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Uebas!
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A nascente de João da Silva
Dante Mendonça com Flora Camargo Munhoz da Rocha, viúva de Bento Munhoz da Rocha Netto. Nascida em 1911, a escritora e poeta vive entre o apartamento da Praça Osório, em Curitiba, e um flat na praia de Ipanema, Rio de Janeiro. A fotografia é de 8/3/2005.
Aqui já foi dito que, dos governadores paranaenses mais viajados, fascinante turista era Bento Munhoz da Rocha Netto. Com sua bagagem intelectual, viajava pela história, literatura, filosofia, sociologia, antropologia, na geografia de sua biblioteca. Bento era um líder globalizado pelo espírito, não precisava passar uma semana em Nova York para se mostrar cosmopolita.
“João da Silva é um desses personagens que a gente se habitua a ver emoldurado por um determinado ambiente, fixado no seu meio, como parte integrante dele, cercado de sua prole numerosa, pela sua criação, montado no seu zaino marchador, o rosto corado pelo vento das geadas”.
Aquecido pela sapecada de pinhão, Bento mais ouvia do que falava: “Um dos orgulhos de João da Silva era a nascente que tanto lhe valorizava a propriedade, nascente que João da Silva amava como um régio presente da natureza e sabia proteger, seguramente, proibindo, em torno, a derrubada do mato. Pois foi numa das nossas excursões à nascente que eu lhe disse ser toda a água constituída essencialmente por dois gases, o hidrogênio e o oxigênio, variassem ao máximo as substâncias que, em dissolução e em suspensão, a tornavam própria ou imprópria à bebida e ao uso do homem”. João da Silva não concordou: “Podia ser que nos laboratórios das cidades, a água fosse aquilo, mas a da sua nascente, cristalina e gostosa, a da sua nascente, que não secava nas estiagens mais longas e dessedentava a gente da redondeza acorrendo pelos atalhos com baldes improvisados, era água mesmo. Isso de composição constituída por dois gases era teoria cabível às águas preparadas, educadas na complicação das cidades, cuja vida andava afastada da natureza. Teoria que não se aplicava à água cabocla e livre daqueles pagos, sem outras qualidades além da sua cristalinidade e gostosura, sem outra finalidade que não a de saciar com humilde simpleza a sede dos que a procuravam, gente e criação daqueles arraiais amigos”.
“Afinal – concluiu o professor de história e filosofia – todos nós temos um pouco de João da Silva. Achamos que as nossas coisas, pelo fato de serem nossas, são essencialmente diferentes das demais”.
Reverso do arrogante, o ex-governador tinha convicção intelectual de que a mais pura sabedoria escuta e respeita as diferenças. Isso sem pregar que vivemos num mundo diferente dos outros: “Achamos que as nossas coisas, pelo fato mesmo de serem nossas, são essencialmente diferentes das demais” – escreveu Bento Munhoz da Rocha Netto, ao contar a história da nascente de
João da Silva.“João da Silva é um desses personagens que a gente se habitua a ver emoldurado por um determinado ambiente, fixado no seu meio, como parte integrante dele, cercado de sua prole numerosa, pela sua criação, montado no seu zaino marchador, o rosto corado pelo vento das geadas”.
Aquecido pela sapecada de pinhão, Bento mais ouvia do que falava: “Um dos orgulhos de João da Silva era a nascente que tanto lhe valorizava a propriedade, nascente que João da Silva amava como um régio presente da natureza e sabia proteger, seguramente, proibindo, em torno, a derrubada do mato. Pois foi numa das nossas excursões à nascente que eu lhe disse ser toda a água constituída essencialmente por dois gases, o hidrogênio e o oxigênio, variassem ao máximo as substâncias que, em dissolução e em suspensão, a tornavam própria ou imprópria à bebida e ao uso do homem”. João da Silva não concordou: “Podia ser que nos laboratórios das cidades, a água fosse aquilo, mas a da sua nascente, cristalina e gostosa, a da sua nascente, que não secava nas estiagens mais longas e dessedentava a gente da redondeza acorrendo pelos atalhos com baldes improvisados, era água mesmo. Isso de composição constituída por dois gases era teoria cabível às águas preparadas, educadas na complicação das cidades, cuja vida andava afastada da natureza. Teoria que não se aplicava à água cabocla e livre daqueles pagos, sem outras qualidades além da sua cristalinidade e gostosura, sem outra finalidade que não a de saciar com humilde simpleza a sede dos que a procuravam, gente e criação daqueles arraiais amigos”.
Bento, em vão, insistia sobre o
“núcleo comum do elemento aquoso, quaisquer que fossem as águas, subterrâneas ou superficiais, mares ou rios.” Explicava “o mundo das substâncias que as águas podiam conter, desde os sais até a matéria orgânica, nada impedindo que, pela constância dos seus elementos comuns, todas fossem águas.” Era o confronto entre o intelectual e o homem vivo e vivido: “João da Silva sereno, macio, paciente replicava que assim podia ser na Europa, onde a vida era apertada, onde o homem havia vencido a natureza, onde cada árvore tinha nome e os terrenos se mediam por metros, não aqui, neste chão da América, de domínio das forças cósmicas e, menos ainda, na sua comarca, de águas tranqüilas e leves”. Bento Munhoz da Rocha Netto não convenceu João da Silva: “Mas desconfio que plantei no seu subconsciente uma semente do conhecimento relativo ao elemento essencial e comum das águas”.“Afinal – concluiu o professor de história e filosofia – todos nós temos um pouco de João da Silva. Achamos que as nossas coisas, pelo fato de serem nossas, são essencialmente diferentes das demais”.
Dante Mendonça [28/10/2007]O Estado do Paraná
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