Bruno e o tiro na cara

A propósito do assassinato do menino Bruno, o jornalista Jorge Eduardo França Mosquera sentiu na cara que “o crime não está só do lado dos bandidos, é nosso vizinho também”. Exemplar, o relato de Mosquera (abaixo) faz um alerta para a sociedade acordar: “Quero que as autoridades me digam como devo agir quando passar diante de um vigilante armado. Ergo as mãos ou bato continência?”

Tem gente que não aprende. Ainda leva um tiro na cara e nem vai saber por quê.”

Era uma ameaça? O sangue subiu até o tampão do crânio e não acreditei no que ouvira. Estava a caminho de mais um dia de sobrevivência, caminhando pelo estacionamento do prédio público onde trabalhava, quando um vigilante de empresa de transporte de valores me fez sinal para não entrar por aquela porta. Desviei o caminho e passei entre ele e o carro da transportadora. Foi quando ouvi aquilo.

Voltei-me e perguntei: “Como é que é?”

“Não ouviu? Ainda leva um tiro na cara e nem vai saber por quê?”

A voz, audivelmente alterada vinha da boca de um sujeito visivelmente alterado. Era baixo e atarracado, cabelo cortado à escovinha, uniforme escuro, botinas militares, rádio pendurado no peito, relógio de contrabando e, nas mãos, uma escopeta.

Guardei a cara dele e fui à Central de Atendimento ao Cidadão, espécie de delegacia geral da Polícia Civil, na André de Barros, onde, contra a vontade do escrivão, lavrei o tal BO. Depois, fui à delegacia das Mercês, onde outro escrivão renitente redigiu um TC (termo circunstanciado).

Exerci minha cidadania e a polícia fez seu papel. A empresa de segurança teve de enviar fotos de todos os seus heróis que haviam trabalhado naquele dia de 2005. Enfim identifiquei o gajo e levei o caso ao
Juizado Especial Criminal. Motivo: ameaça.

Passado algum tempo e lá estou eu diante da conciliadora do Juizado, uma psicóloga. Ao meu lado, o advogado da transportadora, e, ao lado dele, perto da parede, o herói da escopeta. Eu, um pobre diabo que resolveu passar diante de seus olhos.

Vou resumir a audiência. “Os homens de vocês são preparados?”, perguntei ao causídico. “É claro. Temos responsabilidade. Nossa empresa é das maiores do País nessa área. Nossos homens são treinados à exaustão, especializados em sua atividade, são os melhores.”

“E como pode um homem superhiperbemtreinado ameaçar dar um tiro na cara de um cidadão só porque ele não deu a volta no quarteirão e resolveu passar entre sua arma e o carro de transporte de milhões de reais do banco?”, arrematei.

“Ele estava nervoso. Dias atrás passou por uma tentativa de assalto no mesmo local. Ele andava tenso”, tentou explicar o operador do direito.

“E como a gloriosa empresa de transporte de valores admite colocar na rua um homem armado e tenso? Se houvesse qualquer movimento brusco de minha parte eu levaria um tiro na cara? Se houvesse uma tentativa de assalto, o resultado seria um tiroteio com dezenas de mortos e feridos, inocentes que só passavam pelo local?”

A resposta foi um silêncio eloqüente, do doutor e do gentil homem de armas.

A mediadora conseguiu com que a empresa se desculpasse e que eu perdoasse o pistoleiro autorizado. Ficou por isso mesmo? Não. O nome dele está lá, nos escaninhos. Se houver uma próxima – tomara que não ameace mais ninguém e, mais, que nunca atire em ninguém, se é que ainda anda por aí -, terá de se explicar diante de um juiz de verdade. (Jorge Eduardo França Mosquera)

Dante Mendonça (21/10/2007)O Estado do Paraná.

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Diburro

Desenho de Caetano Solda, aos 7 anos.
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Crítica à reforma constitucional de Chávez se avoluma. Partido que integrava base chavista e procurador-geral, ligado ao governo, atacam texto; Igreja Católica volta a condenar projeto.

DE CARACAS. O projeto de reforma constitucional impulsionado pelo presidente Hugo Chávez chegou ao fim desta semana sob uma crescente onda de críticas de diversos setores, inclusive ligados ao chavismo. A maior surpresa veio do procurador-geral da República, Isaías Rodríguez, ex-vice-presidente de Chávez. Em nota ontem, ele classificou como “inconstitucional” a proposta de supressão do direito ao devido processo legal em caso de estado de exceção: “É um direito absoluto que não deve ser restringido nem mesmo nos estados de exceção”, disse Rodríguez, que costuma respaldar as decisões de Chávez.

A modificação do artigo 337 é o mais controvertido dos 28 artigos recém-incluídos na reforma constitucional pela bancada chavista na Assembléia Nacional. A proposta retira da Constituição tanto o direito ao devido processo quanto à liberdade de expressão caso o governo decrete estado de exceção. Além da oposição mais tradicional, a rejeição à modificação inclui ainda dois pequenos partidos da base governista, a ONG internacional Human Rights Watch e até os Periodistas por la Verdad, entidade de jornalistas pró-Chávez que defendeu o fim da concessão à emissora oposicionista RCTV.

Ontem, em ato inédito, algumas dezenas de militantes do partido Podemos, recém-rompido com Chávez, realizaram uma manifestação diante do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) para exigir o adiamento por seis meses do referendo sobre a reforma constitucional, que provavelmente será realizado em 2 de dezembro. “Votamos por Chávez em dezembro para resolver problemas fundamentais, e não para fazer uma reforma constitucional que não tem apelo popular”, disse à Folha Carlos Moreno, secretário-geral do partido no Estado de Anzoátegui.

O partido acusou o governo de tentar impedir o protesto por meio de bloqueios nas estradas de acesso a Caracas. Segundo a agremiação, vários ônibus não conseguiram chegar à capital. Já a Conferência Episcopal Venezuelana emitiu ontem um novo comunicado contra a reforma: “A Constituição deve expressar o acordo de todos os setores, correntes e ideologias, não pode ser a consagração das idéias ou propósitos políticos de um determinado grupo”. (FM)Enviado por Iara Teixeira.

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Gullar lembra Oiticica e Clark e ataca arte contemPorânea. Em entrevista à Folha, poeta e crítico maranhense de 77 anos relaciona a arte dos dias de hoje a uma “pretensão descabida” e destaca sua influência sobre os nomes centrais do neoconcretismo

Leia a seguir trechos da entrevista com Ferreira Gullar, na qual reforça a importância de seus livros-poema e relembra a cisão que envolveu concretistas em São Paulo com os neoconcretistas no Rio. (MARIO GIOIA)

FOLHA – O que te motivou a fazer esse livro?

FERREIRA GULLAR
– Eu não costumo planejar as coisas, vêm inesperadamente. Depois que eu adoto a idéia, eu sou sistemático, e aí é outra coisa, mas eu nunca planejei fazer esse livro. Surgiu do fato de que, escrevendo eventualmente colaborações daqui e dali, enfim, voltam as questões da arte concreta e neoconcreta. As pessoas me perguntavam coisas, e coisas que eu lia e não
correspondiam à realidade. Eu que fui o autor do manifesto, o autor da teoria do não- objeto, modéstia à parte, tive uma participação decisiva na criação desse movimento, mas chegou um momento em que eu me afastei.

Então, ele seguiu em frente, e aí tomaram conta dele [risos]. Grande parte do que fiz não publiquei, como os livros-poema. Idéias que ficaram no manifesto foram sendo postas de lado e se criou uma teoria e uma interpretação do movimento que eu acho que não corresponde exatamente à verdade. Então, eu digo: é necessário botar as coisas nos seus devidos lugares, até para as pessoas compreenderem que é um movimento importante da arte brasileira. Há a contribuição da Lygia [Clark], do Hélio [Oiticica], do Amilcar [de Castro], do Weissmann, enfim, do grupo todo, e é muito importante.

FOLHA – Você mostra a cisão entre os grupos paulista e carioca na poesia e nas artes entre os concretos e os neoconcretos?

GULLAR – São coisas diferentes. A arte concreta e a poesia concreta são, de fato preponderantemente paulistas. Houve contribuição do grupo do Rio no começo e, sobretudo, quando se refere à poesia, a gente começou mais ou menos junto e tal, mas depois houve a ruptura em condição de discordâncias teóricas, que eram, na verdade, expressão de uma tendência que preponderava mesmo no grupo de São Paulo. Já preponderava entre os pintores com o Waldemar Cordeiro. A gente aqui no Rio achava ele racional demais, muito excludente das outras complexidades. Depois, com os poetas, quer dizer, com a tese de uma poesia que era feita segundo um plano piloto, coisas com as quais nós não concordávamos. Era muito mais teoria do que prática. A poesia será feita segundo fórmulas matemáticas… Aí não é possível fazer. Eu considero charlatanismo dizer uma coisa que não pode ser feita. O movimento neoconcreto não nasceu como uma resposta ao concretismo de São Paulo. Essa cultura nasceu em meados de 57, o movimento neoconcreto só nasce em 59, quase dois anos depois.

FOLHA – Você considera que o primeiro marco da sua obra é “Luta Corporal”, em 1954? E, na época, qual era a sua relação com poetas de gerações anteriores, como João Cabral, Drummond, Murilo Mendes, Manuel Bandeira?

GULLAR – Quando eu comecei a fazer poesia em São Luís do Maranhão, tinha 17, 18 anos, nem conhecia esses poetas. Não conhecia ninguém. Eu costumo dizer que São Luís era Macondo, lá ainda se fazia poesia parnasiana. Quando eu tomei conhecimento da poesia moderna, foi uma coisa estranha, surpreendente. Em seguida, eu procurei ler sobre aquilo, entender, aderir a essa visão nova e de maneira mais radical do que os próprios poetas da época. E daí “Luta Corporal” ter se tornado mesmo tão exclusivo, que terminou com a desintegração da linguagem, porque não aceitaria qualquer princípio a priori para fazer poesia. Qualquer norma agora, nada eu aceitaria. Esse fato me levou a desintegrar tudo. Quando eu descobri esses poetas, quer dizer, Drummond, Murilo Mendes, eles contribuíram para me revelar, evidentemente, uma outra visão do que era a poesia. Uma poesia mais ligada ao mundo cotidiano, às constâncias atuais, à realidade material do mundo. Lia todos os dias esses poetas, Bandeira, Murilo, Drummond, lia, relia. Depois, comecei a descobrir os outros poetas do mundo, Rilke, foi uma revelação quando eu conheci a poesia dele, aí depois Rimbaud, Mallarmé.

FOLHA – Você defende a idéia de que a poesia neoconcreta tem uma nova sintaxe, mas não um novo verso…

GULLAR – Veja bem, o Augusto de Campos e o Haroldo de Campos tinham publicado um artigo em que eles diziam que se tratava de buscar um novo verso para a poesia. Aí eu falei para eles: não se trata de um novo verso, se trata de uma nova sintaxe, porque o verso já era. A sintaxe foi desintegrada, tem de ser buscada uma nova sintaxe. O que o grupo de São Paulo fez? Eles criaram, de fato, uma nova sintaxe, que foi a idéia do poema visual, o poema cuja construção não é a sintática, a sintaxe vocabular, a sintaxe da língua, mas o que eles dizem: as relações de proximidade e semelhança entre as palavras. Então, é uma outra forma de construir o poema. Isso é uma coisa nova, eles que fizeram.

FOLHA – Por que sua poesia partiu para o tridimensional? Seus poemas estão em exposições de artes…

GULLAR – Pois é, comecei a fazer o livro-poema. Como eu posso construir um poema que obrigue o leitor a ler palavra por palavra e que no final resulte em uma estrutura visual? Procurei criar um livro que obrigasse o leitor a ler palavra por palavra. Esse fato foi decisiv
o no neoconcreto. O que distingue a poesia concreta? A participação do espectador na obra de arte. E nasceu do
livro-poema, mas eu não inventei nada.

FOLHA – No livro, você diz que seu poema “Fruta” influenciou a série dos “Bichos”, da Lygia Clark?

GULLAR – O “Fruta” já é um objeto, ele não é mais um livro. A maneira como ele abre é como se você estivesse assim abrindo uma flor, você tira uma pétala, abre outra pétala, abre outra e aí no fundo está a palavra “fruta” [Gullar pega um “Bicho” e mostra as semelhanças do movimento da escultura]. A Lygia estava desintegrando a pintura e tirando do plano o elemento tridimensional. Estava fazendo os “Casulos”, que inchavam a tela, que criavam uma terceira dimensão. Ela partiu para criar uma coisa no espaço, que não é uma escultura, na verdade, é uma coisa que nasce da pintura.

FOLHA – E você diz que seu “Poema Enterrado” influenciou projetos de Hélio Oiticica.

GULLAR – Sim. Depois que eu fiz “Fruta”, que já era um objeto, eu pensei: bom, vou fazer objeto a partir de agora. Não vou fazer mais nem livros nem coisas parecidas com livros. Depois, vamos fazer algo com a participação corporal. Agora, não é só a mão que vai participar, agora é o corpo inteiro. E como será? Eu tenho de entrar no poema. Eu imaginei entrar no poema e aí bolei o “Poema Enterrado”, que é uma sala no fundo do chão, em que o cara desce por uma escada, abre a porta e entra no poema e lá tem os cubos. Tem lá um cubo vermelho, você levanta, depois tem um cubo verde, você levanta e depois tem um cubo menor que você pega do chão e lê a palavra: “rejuvenesça”. Então, eu publiquei o projeto desse “Poema Enterrado” no Suplemento Literário do “Jornal do Brasil”. Aí o Hélio Oiticica leu e me ligou. Falou: “Cara, achei genial, vamos construir. Meu pai está construindo uma casa nova aqui na Gávea Pequena e eu vou dizer a ele para a gente construir o “Poema Enterrado” no quintal”. O pai depois se rendeu e construiu o “Poema Enterrado”. Quando nós fomos ver, no dia da inauguração do poema, tinha chovido na véspera, o poema estava inundado [risos]. O “Poema Enterrado”, do final de 59, teve influência sobre o trabalho do Hélio. Anos depois, os projetos “Cães de Caça”, que o Hélio fez, são labirintos que a pessoa percorre, quer dizer, tem essa participação corporal, é uma coisa que foi antecipada pelo “Poema Enterrado”. Não estou querendo dizer que eu sou o genial criador da arte neoconcreta. Nós éramos um grupo e havia uma permuta permanente de idéias.

FOLHA – Você fala no livro que Lygia Clark e Hélio Oiticica enveredaram por um campo sensorial.

GULLAR – Essas experiências-limite foram desenvolvidas pela arte neoconcreta e levadas às últimas conseqüências. Quando a própria Lygia, depois dos “Bichos”, começa a fazer experiências com a fita de Moebius no “Caminhando”, começa a cortar coisas e a experiência seria ficar cortando infinitamente aquelas formas. Ela própria disse que isso não era mais arte. Depois, ela própria transformou aquilo em terapia, os objetos relacionais. Quando o Hélio faz, por exemplo, os “Parangolés”, ele não está mais no terreno da experiência formal, de alguma coisa que eu construo. É uma pessoa qualquer que bota um pano nas costas, tem a ver com uma porta-bandeira de Carnaval.

FOLHA – Você está desencantado com o atual estado da arte e da crítica?

GULLAR – Sim, claro. Porque não tem sentido o cara fazer um tipo de suposta arte que não tem artesanato, não tem técnica, não tem princípio, não tem norma, não tem objetivo nenhum. A gente sabe que não pode ser ensinada para ninguém. O que eles vão deixar para a outra geração? O quê? Como se vê mosca em microscópio? É uma pretensão descabida. Até Bach teve que aprender música para poder compor. É publicada uma série de bobagens, e a crítica participa disso. Fica aí escrevendo coisas que não tem pé nem cabeça. O que você vai escrever? O cara bota larva de mosca… O que a crítica vai dizer? Essas larvas são boas, são belas larvas? Então, não há crítica para isso. Então, o crítico está sendo expulso e não percebe. Então ele fica escrevendo bobagens, sociologias, especulações filosóficas em torno da larva da mosca. Ah, o que há?

Enviado por Iara Teixeira

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Ouiés!

Foto de Lina Faria, atleticana roxa.
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Tudo pelos pêlos!

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Paixão – Gazeta do Povo.
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Deu no jornal

Não se negue ao governador o encanto para seduzir a maior parte da esquerda nativa através do processo simples e eficiente de oferta de um cargo na máquina pública. Os beneditinos adoram mordomia tanto quanto os malufistas, constatou Requião.

Fábio Campana (21/10/2007) O Estado do Paraná

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Tive o privilégio, como Borges e Marcel Proust, para ficar nesses excelsos exemplos, de conviver, por muitas décadas, eternamente solteiro e desprevenido, com mãe tão intensa quanto onipresente. Perco-a, agora, buscando permanecer à altura de sua maior lição – a da coragem acima de tudo, e da humildade como imposição ética e insubstituível.

Uma coisa, entanto, é fato: esta crônica aqui é atravessada pelo diapasão, que é quase um uivo, da eterna Maria Callas em “La Mamma Morta”- ária da ópera Andrea Chénier, de Umberto Giordano (1867-1948). O canto é mais que um lamento; é a exatidão do grito.

Quase toda minha geração, já dobrando o Cabo da Boa Esperança, perdeu ou está na iminência de perder os principais responsáveis pelos que nos jogaram cá neste vale de lágrimas. A intenção foi boa, admitamos, ainda que ela tenha esbarrado, como diz o genial Yasunari Kawabata, numa questão insolúvel: “Nascer neste mundo significa ser abandonado por Deus”.

À dona Cida dediquei as fábulas de Cachorros do Céu, livro que, lançado pela Planeta, ficou entre os exíguos finalistas do Prêmio Portugal Telecom de Literatura/2006. Pé-quente, a minha inesquecível “velha”. Uma honraria que, ao final e ao cabo, a ela pertencia e a ela continuará pertencendo. São dela aqueles zôo-racontos urdidos nas noites de nossa vila pequena.

Como Deus não perdoa nem mesmo os inocentes, sofreu o que não merecia nos meses em que ficou internada no Hospital São Vicente, aos cuidados do doutor César Martini. Mas o que pode a ciência dos homens frente às agruras do fim? A verdade é que morreu como sempre viveu – serena feito um passarinho. E a sua vida agora está completa.

Já septuagenária, deu-nos a todos uma lição: concluiu o segundo grau, no curso supletivo do Colégio Tiradentes. Lia de um tudo – de Dostoiévski a Paulo Coelho, das Sabrinas da vida à poesia de Helena Kolody. Aliás, a poeta a amava do mais intenso amor e pelos aniversários de dona Cida cantava-lhe, ao telefone, cançonetas ucranianas que foram dela o maior orgulho.

Ser privilegiada pela mais importante poeta do Paraná era um prêmio que se repetia todos os anos, nos julhos de seus aniversários humildes. Detestava os natalícios, mas desde cedo esperava o telefonema de Kolody que, aliás, enquanto viveu, não esqueceu deles uma só vez.

O que fica de seu talhe sereno, de suas sombrinhas coloridas, de seu subir e descer de ônibus, quase octogenária e nunca exausta? O que fica de seus varais, balouçantes de vento e roupas, nas manhãs de sol do quintal curitibano?

Do segundo andar de minha casa avisto o seu telhado. Pura, aérea, ela que me contou, ao longo da vida, as histórias que aprendi a recontar, agora é só uma imaginação. Onde anda? No vento?

Mas que poder, meu Deus!, este com que dona Cida ainda move tudo o que em mim é a realidade de sua ausência e o exercício inútil pelo qual tento, em vão, enjaular sua memória.

Wilson Bueno (21/10/2007) O Estado do Paraná.

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Clarín – Buenos Aires.
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Tudo pelos pêlos!

Gabriella Sabatini – Foto sem crédito.
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Aqui, na cervejaria Bürgerbräukeller, entabulo conversa com o garçom, que me traz logo uma cerveja e inicio a primeira leitura do Testamento para El Greco, do escritor grego Nikos Kazantzakis – que sugere o total isolamento para que se possa desvelar o mais profundo do ser humano. O mesmo Nikos disse em algum lugar: — As únicas coisas que importam na vida: idéias, frutas, mulheres.

O banheiro da cervejaria Bürgerbräukeller – arruinado, sujo. Almas acossadas em cada recanto sombrio. O dono do bar não é o Esteves, aqui não é a Tabacaria, aquele que me fita da mesa ao fundo não é o Fernando Pessoa. Se não é o Fernando, quem é? É Jorge Luis Borges e solicita que eu leia um texto de sua autoria intitulado “A escrita do Deus”: “Perdi o número dos anos que estou na treva; eu, que uma vez fui jovem e podia caminhar por esta prisão, não faço outra coisa senão aguardar, na postura de minha morte, o fim que me destinam os deuses. Com a profunda faca de pedernal abri o peito das vítimas e agora não poderia, sem magia, levantar-me do pó”.

Que estou na treva, estou. Sem magia, não me levanto jamais do pó nem alcanço o copo de água. Sem magia eu não ressuscito nem pra beijar a boca da Ingrid, aquela safada. Minha alma – agora sei – foi vista pela última vez na página 72 de “O livro perdido de Tácito”. Acontece que, numa faxina aqui em casa, perdi “O livro perdido de Tácito” e só Deus sabe quando vou encontrá-lo de novo. Por enquanto minha alma continua perdida e eu aproveito para seguir religiosamente o conselho do espanhol Pablo Picasso para uma vida perfeita: de manhã, missa; de tarde, touradas; à noite, bordel.

Escrevo, aqui na cervejaria Bürgerbräukeller, num guardanapo: “Deus morreu nos meus braços naquele sábado em que eu e Júlia nos amávamos no Calvário. A língua vai para onde quer, o espírito sopra onde quer; o Olho por onde espio o vento é o Olho por onde o vento me espia. Meus olhos vão ver o paraíso, sim, mas serão olhos apodrecidos. “

Fernando José Karl

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Solda – O Estado do Paraná.
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Fumando, espero

Tori Spelling – Foto sem crédito.
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Diburro

Desenho de Caetano Solda, aos 7 anos.
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