
Naqueles idos, existia em Curitiba um grupo de moços denominado Patrulha da Madrugada. “O que faziam eles então?” – pergunta e responde o professor e crítico Temístocles Linhares, no livro Relíquias de uma polêmica entre amigos, editado e prefaciado, em 1985, pelo então
secretário da Cultura René Dotti. “A altas horas, depois de visitar a redação dos jornais, onde alguns escreviam, rabiscando crônicas ou notícias, saíam em busca de melhores ares, a percorrer ruas e praças vazias, para conversar ou mesmo discutir os grandes problemas sem solução. Diga-se desde logo que, a despeito da inocência dessas conversas fiadas, às vezes em voz mais alta do que de costume, a patrulha era o terror das pacatas famílias curitibanas, não passando os patrulheiros de perigosos desordeiros, perturbadores da ordem e do sono dos que sonhavam com anjos e não concebiam poder apanhar o sereno da noite sem a maior ameaça para a saúde. No entanto, não havia nada mais ofensivo, seja em matéria de bem-estar do organismo, seja em benefício da ordem pública”.E continua a apresentação do literato Temístocles: “Hoje, seria disparatado pensar assim. A cidade cresceu e mudou, para tornar-se a metrópole que é agora, cheia de carros e de gente, a qualquer hora do dia e da noite. Cheia de barulho, sobretudo. Mas, naquela época, a tranqüilidade e modorra da pequena burguesia nela predominante eram realmente proverbiais. É certo que a nova geração já se opunha às vezes contra aquela pacatez provinciana”.
A Patrulha da Madrugada que tirava o sono da pacata pequena burguesia tinha dezenas de nomes ilustres. Só para citar alguns, naquele sodalício noturno tinha o pintor Guido Viaro, “teatral e gesticulante, sobretudo quando se referia a Nero como incendiário de Roma”; Leo Cobe, grande matemático; Pretextato Taborda Ribas, banqueiro e proprietário de grande parte dos imóveis do centro da cidade; mais os quatro amigos que deram origem ao livro: Milton Carneiro, médico formado no Rio de Janeiro, professor de Biologia na Universidade e “o mais notívago dos patrulheiros, que só voltava para casa quando o dia amanhecia”; Bento Munhoz da Rocha Netto, futuro governador eleito do Paraná; Caio Machado, filho de Vicente Machado que se formara em Ciências Sociais na Suíça; o próprio Temístocles Linhares, que morou alguns anos em Buenos Aires e chegou a manter amizade com Jorge Luis Borges. A polêmica entre os quatro amigos da Patrulha da Madrugada travou-se pela imprensa, em 1943. Começou em torno da Rússia, do que ela representava para os aliados na Segunda Guerra Mundial, e terminou – “Falar no comunismo da Rússia constituía verdadeiro tabu”-quando o delegado de Getúlio Vargas, da Ordem Política e Social, mandou suspender a discussão escrita entre os quatro amigos.
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Neste feriadão, Curitiba quedou-se silenciosa e vazia. Pacata, como se estivéssemos nos idos de 1940. No meio da noite, podia-se ouvir o apito do trem na Serra do Mar, o ronco de Maneco Facão, e o alarido da Patrulha da Madrugada. Os pioneiros vampiros de Curitiba.
Dante Mendonça [14/10/2007]O Estado do Paraná