Na Argentina, como os argentinos

polícia-argentinaO carro elétrico da Polícia Federal Argentina carrega a bateria numa lanchonete.  © Giselle Hishida

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Tempo

O poeta William Soares e Laureni Dantas, em algum lugar do passado, Teresina, Piauí. © Vera Solda

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Bolsonaro e o coração das trevas

Nada mais simbólico do governo Bolsonaro que o culto mórbido ao coração de dom Pedro 1°. Tão macabro quanto zombar de quem morreu por falta de oxigênio em Manaus. Tão sombrio quanto incentivar criminosamente a imunidade de rebanho, promover remédios inúteis e desprezar a compra de vacinas, o que levou 700 mil brasileiros aos cemitérios. O prazer de Bolsonaro é a morte.

Governo funesto que celebra o colonizador e a pilhagem da terra, encharcada com o sangue do povo. Não fosse o formol, o pedaço de carne do imperador já teria se desmanchado na poeira dos séculos. É como Bolsonaro, conservado no formol do consórcio mais pavoroso de poder e rapina a tomar conta do país depois da ditadura.

Ele e seus filhos, milicianos, militares incompetentes, falsos religiosos exploradores do desespero alheio, coronéis do agro, vigaristas do centrão e empresários golpistas. Donos do capital que viceja no autoritarismo, dispostos a virar a mesa e a cometer crimes para evitar a derrota do governo que os beneficia, como revelam as conversas divulgadas por Guilherme Amado no portal Metrópoles. Se não forem investigados, será uma desmoralização das autoridades eleitorais. Golpismo não pode ser relativizado ou naturalizado, sob pena de nunca sairmos da idade das cavernas em termos de estabilidade política e saúde democrática e institucional.

Demorou muito para que setores importantes da sociedade brasileira e autoridades se manifestassem de maneira firme pelo Estado democrático de Direito, como vimos, recentemente, na divulgação de cartas e manifestos e na posse de Alexandre de Moraes no TSE.

Foi só depois de uma escalada de violência eleitoral que teve seu ápice na morte do petista Marcelo Arruda, em Foz do Iguaçu, assassinado pelo bolsonarista Jorge Guaranho. Por fim, a pregação golpista de Bolsonaro para embaixadores demarcou o limite, bastante elástico a meu ver, do inaceitável. Precisávamos ter esperado tanto?

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© Jan Saudek

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Quem é quem

Octávio Costa – Carioca, 68 anos, é jornalista há quase cinco décadas. Deu os primeiros passos na profissão na Rádio Tupi em 1970 e começou em 1971 no jornal O GLOBO. Depois trabalhou na área de economia por 14 anos na Editora Abril, onde foi editor-assistente de Veja e editor de Exame. Teve longa passagem pelo Jornal do Brasil, desde editor de política, em 1998, até diretor da sucursal de Brasília, em 2004. Na revista IstoÉ, chefiou a sucursal do Rio e dirigiu a sucursal de Brasília. Ganhou dois Prêmios Esso e menção honrosa no Prêmio Herzog. Foi vice-presidente da Federação Nacional dos Jornalistas de 1986 a 1992.

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As artimanhas do medo

Tenho observado, não sem surpresa, que embora estejamos mergulhados no início de novo século e de novo milênio marcados pelo medo, pouco ou quase nada se fala do sentimento obtuso. Como se vivêssemos o melhor dos mundos e não nos enregelasse a espinha, a cada segundo, das manchetes dos noticiários ao prosaico cotidiano que nos envolve – no carro, na rua, em casa, no trabalho.

A etimologia da palavra é bem obscura, com alguns especialistas atribuindo-a aos “médos”, habitantes da Média, região da Ásia, atualmente parte do Irã, e que eram tidos e havidos como irascíveis guerreiros. Daí, desde a origem, o medo aos “médos”… E como quem conta um conto aumenta um ponto, a palavra – e todo o desconforto que é sua essência – foi se integrando ao imaginário das gentes. Por extensão, arrepiando…

Sabia ainda o preclaro leitor que, em pesquisa mais ou menos recente, patrocinada por uma revista eletrônica francesa, o medo ganhou disparado na qualidade de o sentimento mais freqüente entre os humanos? Aqui, na China ou na Bahia? Pois foi ele, leitor, quem obteve a melhor pontuação entre as coisas & loisas do insensato mundo que nos foi dado viver.

Franz Kafka (1883-1924), sem exagero, um dos mais intrigantes escritores de todos os tempos, anota em seu diário, com argúcia de gênio atormentado, a complexa travessia que enfrentava, todos os dias, na hora de acordar. Entre o sono matinal e o despertar, o judeuzinho de Praga tremia nas bases. Mais ainda depois que, evadido do sono, ao olhar em torno percebia que o espreitava, ainda outra vez, a vida – com suas armadilhas e ciladas.

A arriscada empresa de mais um dia o fazia verter suores gelados e Kafka anota o renovado horror de acordar, em nova manhã, para “o abismo em aberto” de estar vivo. Com tudo o que isto implica – da morte pessoal, sempre possível, às mil e uma mortes que nos assinalam a existência provisória. Medo – esta a palavra, e que o autor de A metamorfose não hesita em destacar do seu invariavelmente sombrio dicionário.

Por último, mas não menos importante, convém lembrar, a título de fecho destas linhas – talvez libertadoras, pelo que iluminam do sentimento lúgubre e nos informam que não estamos sozinhos em nossos receios e temores -, os versos antológicos de Carlos Drummond de Andrade em Congresso Internacional do Medo :

“Provisoriamente não cantaremos o amor,/ que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos./ Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,/ não cantaremos o ódio porque esse não existe,/ existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,/ o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,/ o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,/ cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,/cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte,/depois morreremos de medo/ e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.” Isso aí é de 1940, gentil leitor ! Muitos de nós nem havíamos nascido…

11|02|2007

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Entre um e outro

© JBosco, Bosquito

Confesso que quando quero impressionar pequenas plateias (sobretudo de artistas gráficos), conto sempre esta história: Corria a década de 1970 e o cenário era um botequim em frente à Grafipar, na Vila Centenário, onde trabalhavam Toninho Stinghen e Marilia Guasque, além do Solda, Rogério Dias, Rettamozo e outros.

Certa noite de inverno, “depois do expediente”, enquanto as biritas rolavam no balcão, as duplas se distribuíam alegremente entre o bimbolim e a sinuquinha. A tendência era o convescote virar algazarra – porre, virava sempre. O Solda – lembro bem desse dia – dormia no degrau de uma porta fechada, na varandinha, quando alguém passou correndo procurando um canto pra vomitar (era uma época que se tinha muito o que vomitar.) Finalmente, depois de muito entornar, saímos os seis marmanjos espremidos no fusquinha azul do Rogério, tipo onze da noite. Todos manguaças. Quando fomos deixar o Solda em casa, ao lhe dar um abraço de despedida, em pé ao lado do carro, percebi estranhos objetos sólidos nos bolsos do seu paletó, e perguntei, me afastando para melhor olhar a silhueta:

– O que você tem nos bolsos, Solda?
Ele não respondeu, apenas enfiou as mãos e tirou, uma a uma, deixando cair na grama do jardim, as sete bolas coloridas do bilhar. E entrou…. Voltei pro carro maravilhado, dizendo pra turma:
– Meninos, o Solda acaba de fazer um cartum vivo em homenagem ao cinema mudo.

(passagem de tempo)

Pois bem, outro dia contei essa história para o Trimano, o gênio (meu vizinho em Santa Teresa), que reagiu como um público infantil do Solda – de quem ele já conhecia alguma coisa, sobretudo a fama. Diante do livro branco recém lançado (que recebi com autógrafo), o Trimano se postou calmamente, por quase uma hora, saboreando página por página os traços e a verve do meu talentoso parceiro. Riu muito, ficou sério e perguntou bastante. Saiu convencido de que tinha, em Curitiba, um cúmplice na tarefa espinhosa de fazer graça sem deixar de endurecer jamais.

Toninho Vaz

ps – qualquer dia eu conto a história do vidro de nanquim que entornou sobre  a cartolina, na  redação do Diário do Paraná, e o que o Solda fez com ela.

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Paris por um triz – Um curitibano no trottoir automotivo de Paris

Meia-noite, final de 1960, Avenue de l’Opéra, saindo de um concerto de jazz no Olympia, sou acostado por uma Citroën prateada. A bela chauffeuse abre a porta do passageiro e pergunta “Tu viens, chéri?” Embarco, sem vacilo. A voiture me acolhe com aquele molejo sensual de cama d’água de motel. “Cinq cents balles le service complet.” A ficha cai. (Era o tempo em que as fichas caíam.) A prostituta motorizada cobra um michê de quinhentos francos novos. Minha bolsa mensal é de 450 NF. “Non, merci. mademoiselle. Au revoir!” O carro estaca, salto fora. Esconjurando-me: “Pô, seu babaca! Esta não me avisaram.”

Ironicamente, o excesso de confiança daquele Don Juan dos pinheirais tinha a ver com um episódio inusitado que vivi na Curitiba de 1958. Depois do fechamento dos jornais, jogávamos conversa fora e debandávamos rumo a nossos lares, o Dalton ficando pela cerâmica do pai, o Sylvio Back na sua pensão da Comendador Araújo, eu subindo até o alto da Carlos de Carvalho, o Sérgio Amaury Lustosa, boêmio renitente que morava do outro lado da cidade, no alto da Rua Quinze, seguindo até o último dos moicanos.

Eis que, inopinadamente, na Vicente Machado, duas da matina de uma noite tenebrosa, um táxi para junto a nosso pequeno bando. Um homem ao lado do chofer, duas mulheres no banco traseiro, que abrem a porta. Afoito, embarco. Curiosity killed the cat, foda-se! “Tchau, rapaziada!” Uma quadra adiante, o homem desembarca. Um contrabandista de cigarros de quem as moças tinham comprado um pacote de Lucky Strikes.(!) Coxas contra coxas, sou abduzido para um predinho de apartamentos de três andares na Francisco Rocha esquina de Batel.

Curitiba é uma aldeia, todo mundo se conhece. Não é que ao subir as estreitas escadas com as moças cruzo com o Acyr Guimarães, o Dogo, e a mulher? No apartamento, me levam para o quarto com a morena. Aparentemente a outra, uma vagaba, está quebrando o galho da amiga, moça de família, tomada por extrema carência sexual. Embasbacado, sigo os rituais de praxe, a dama se entrega sofregamente em meio a – desculpem o clichê – lágrimas copiosas, lembro as “salty tears” do Ira Gershwin.

Voltamos a nos ver, uma ou duas vezes. Decifro a charada. O marido, engenheiro, está construindo Brasília, parabéns! Irmão de um colega meu do Colégio Estadual do Paraná. Só posso fechar com um “Muito obrigado, JK.” Menos pelo sexo, mais pelo insólito da memória…

Publicado em Roberto Muggiati - branca7leone | Deixar um comentário
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O tabu das drogas

Mudanças de Freixo mostram que sociedade é incapaz de falar sobre legalização

O deputado Marcelo Freixo, candidato ao governo do Rio de Janeiro, disse em entrevista que não defende mais a legalização das drogas, nem mesmo da maconha. Freixo era uma das principais forças políticas a apoiar essa bandeira no país, mas, pelo visto, a disputa pelo governo o deixou mais pragmático.

Óbvio, como sabemos, é impossível ser eleito para o Executivo no Brasil defendendo a legalização das drogas ou se dizendo ateu. E as duas questões estão de mãos dadas, já que a principal motivação contra a legalização é moral e religiosa. Em recente pesquisa do Datafolha, 83% dos entrevistados acham que as drogas devem ser proibidas e 79% acham que acreditar em Deus torna as pessoas melhores.

A fala de Freixo se direciona principalmente à população conservadora evangélica, que, a cada eleição, cresce como grupo capaz de definir disputas eleitorais. Mesmo que o cargo de governador não tenha poder de legalizar nenhuma droga, a posição sobre o tema serve como um índice de avaliação moral para o eleitorado, assim como a crença em Deus.

A fala de Freixo é uma faca de dois gumes. Pode servir para que sua candidatura se aproxime do eleitorado conservador, mas pode gerar desconfiança: “Ele mudou de ideia ou está tentando nos enganar só para ganhar a eleição?”. Porém, o pior é ver uma questão tão importante ser tratada como mera moeda de troca eleitoreira. A sociedade brasileira se recusa a encarar o problema de frente, sequer debatemos o assunto e, assim, chafurdamos na ignorância.

Vários países estão revendo suas políticas de drogas. Canadá, México, e diversos estados dos EUA legalizaram a maconha, Portugal descriminalizou as drogas, enquanto o Brasil trata o tema como tabu, cego aos benefícios sociais e econômicos oriundos da legalização ou da descriminalização atestados de forma empírica nesses países e em pesquisas científicas. Como dizia Millôr, “quando uma ideia fica bem velhinha, ela vem morar no Brasil”. O proibicionismo é uma dessas ideias.

Publicado em Lygia Maria - Folha de Sao Paulo | Deixar um comentário
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Morre de infarto o cartunista César Vilas Boas, o Pelicano, irmão de Glauco

O apelido surgiu nos anos 1970, na faculdade de engenharia civil, em Ribeirão Preto (SP), devido ao nariz avantajado. “Quando eu entrava na sala, o pessoal gritava: ‘Chegou o pelicano!'”, contava.

Ele dizia que, de início, ficava chateado com o bullying, mas, como o apelido pegou entre os colegas, passou a gostar e decidiu assinar os cartuns com o nome da ave. A partir dali, César Augusto Vilas Boas passaria a ser nacionalmente conhecido como Pelicano.

Irmão do cartunista Glauco, morto a tiros junto com o filho Raoni em março de 2010, Pelicano havia completado 70 anos no dia 6 de agosto. Morreu vítima de um infarto na tarde deste domingo (21). Segundo amigos, ele se tratava de uma pneumonia, chegou a ser socorrido e levado a uma UPA (unidade de pronto atendimento), mas não resistiu.

Natural de Jandaia do Sul, no Paraná, Pelica, como era chamado pelos amigos, inclusive esta repórter, dizia que tanto ele quanto Glauco foram estimulados a desenhar pela mãe, Maria Aparecida, a dona Cidu. Às vezes, copiavam os desenhos que a mãe fazia, outras vezes criavam suas próprias histórias e personagens.

“Éramos em cinco moleques e uma menina. Tínhamos em casa um quintalzão de barro e, quando chovia, minha mãe não deixava a gente sair de casa. Cada um tinha um caderninho e lápis de cor. Ela passava os desenhos e a gente copiava”, contava.

A paixão pela charge foi descoberta depois, quando ele e Glauco viram uma revista do cartunista Henfil (1944-1988). “A gente estava numa padaria, ria tanto folheando a revista. Ninguém entendia nada”, contou em uma entrevista.

O caçula Glauco foi o primeiro a fazer dos cartuns uma profissão, no extinto jornal Diário da Manhã, em Ribeirão Preto. Pelicano treinava os traços em casa. Um dia Glauco levou o caderno do irmão ao jornal e mostrou-o ao editor na época, o jornalista José Hamilton Ribeiro, que convidou então Pelicano também a trabalhar no matutino. Era 1978.

Glauco mudou-se para São Paulo e passou a publicar seus quadrinhos na Folha. Já Pelicano permaneceu em Ribeirão e publicou inúmeros trabalhos em jornais e revistas da cidade e do país, incluindo o Pasquim e a Folha. Foi premiado com o primeiro lugar cinco vezes no Salão de Humor de Piracicaba, do qual se tornou jurado de honra.

Foi também pelas mãos de Glauco que Pelicano conheceu em 1993 a seita do Santo Daime. Nela, um chá de folha de chacrona e cipó de mariri é consumido durante os rituais pelos fiéis em busca do “eu superior”. Pelica era o grande mestre da Igreja Rainha do Céu, fundada por ele há 30 anos, no quintal de sua chácara, no Residencial Parque Cândido Portinari, na zona leste de Ribeirão Preto.

Em entrevista à Folha, em maio de 2010, ao ser provocado a dizer qual político ele gostaria de ver tomar o chá, o cartunista respondeu: “O Lula seria legal. Se ele tomasse o Daime, convocaria a Marina Silva para ser a presidente e dispensaria a Dilma Rousseff”. Eleita presidente, Dilma exerceu o cargo de 2011 até seu afastamento por um processo de impeachment em 2016.

Pelicano classificava o chá como “expansor de mente que abre a mediunidade e faz a pessoa entrar em contato com entidades espirituais”. Era no Daime que ele dizia buscar conforto para a morte de Glauco. “Penso nele toda vez que pego no lápis pra desenhar. Todo dia”, declarou em entrevista ao site “O Folha de Minas”, em 2020.

O cartunista deixa a mulher, Jaci, filhas e netos, além de um acervo pessoal de mais de 14 mil obras, tudo feito com papel e lápis. Deixa também uma legião de amigos e de fãs. E muita saudade.

O velório ocorre na igreja Rainha do Céu e o enterro será nesta segunda (22), no cemitério Bom Pastor, em Ribeirão Preto.

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A inteligência artificial é burra

A máquina faz coisas por conta própria, mas quem paga a conta é você

Deu nos jornais. Descobriu-se que “assistentes virtuais”, como Alexa, da Amazon, e Siri, da Apple —sistemas eletrônicos domésticos programados para executar certas tarefas ao comando de voz do usuário—, estão tomando decisões por conta própria como se fossem as donas da casa. E essas decisões não se limitam a acender ou apagar luzes, botar essa ou aquela música para tocar e responder a perguntas simples como “Alexa, quem subiu hoje na Bolsa e a quantas andam minhas ações preferenciais da Petrobras depois das declarações insanas do Bolsonaro?”.

Parece que Alexa ou Siri, uma delas, andou fazendo encomendas à revelia da dona, como comprar pratos, caçarolas e demais artigos de casa. Não por acaso, uma compra igual à que ela fizera um mês antes. Como a pessoa fazia certas compras todo mês, a máquina deduziu que tal regularidade também se aplicava ao enxoval do apartamento e pediu tudo de novo. Comprou-lhe também uma passagem na Ponte Aérea para um voo que a moça não ia fazer, mas, por coincidência, fizera um mês antes. O resultado foi uma despesa no cartão que ela não esperava. E há outros casos do gênero.

Este é o problema da inteligência artificial: é burra. Como aprende a executar tarefas por repetição, a chamada IA acha que os seres humanos, por fazerem algo duas vezes, também têm de continuar fazendo-as e ao mesmo intervalo. Imagine se, por ter ido ao dentista duas vezes naquele mês, o sujeito terá de fazer isto de 15 em 15 dias para sempre.

E há os agentes alienígenas. Ouvi dizer que, há dias, o Kindle de uma leitora do DF foi invadido por cerca de mil formigas vermelhas. Elas entraram nele, acionaram alguma coisa lá dentro e, talvez por serem fãs de ficção científica, encomendaram um ebook de Isaac Asimov.

Ainda não uso Kindle, mas, se um dia tiver um, espero que, em matéria de ficção científica, minhas formigas prefiram Robert Heinlein.

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Assim Caminha a Humanidade

Aquino Rego, vendedor de entulhos em São Paulo, passou a vida a mudar de nome. Aos quinze anos descobriu que se chamava Aquino Rego, nome impróprio, inadequado e impronunciável em qualquer lugar do planeta.

Mudou então para Inácio Pinto, percebendo meses mais tarde que a mudança lhe trouxera mais problemas, dores de cabeça incontornáveis e fadiga ao registro de nascimento. Desesperado, requereu novo nome, desta vez em cartório exemplar e passou a se chamar Cupertino Durão por seis longos anos.

Temendo represálias populares e insinuações maldosas, se atirou de corpo e alma ao pomposo nome de Jacinto Carvalho. Um ano depois, Aquino Rego, aliás Inácio Pinto, aliás Cupertino Durão, aliás Jacinto Carvalho, se transformava radiante em Chega de Mudar de Nome, como é conhecido até hoje.

Publicado em solda cáustico | Deixar um comentário
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Arte de Luiz Antonio Guinski,  da Luizarada de Curitiba

O Solda é Luiz Antonio porque somos parentes. Não conheci o Antonio Luiz, meu avô paterno, mas ele mandou lá de Palmeira dos Índios um recado por bilhete dentro de uma garrafa – e esta foi parar em Itararé. Como fez isso, não sei, mas deve ter despachado pelo Rio São Francisco – e deu no que deu. Descobri isso nas páginas do Pasquim, no dia que vi os traços. Não sabia que rumo tomar (até hoje não sei), mas li o recado quando ainda rodava pião nos terrenos baldios da Vila Alpina, na Zelê (Zona Leste) de São Paulo. Me despacharam num malote para Curitiba anos depois e, anos depois, olha ali encostado numa parede de sala de apartamento o meu parente. Ele não falou – e não piscou. Muito menos eu. E assim foi até que aconteceu. Declarei namoro e a filha dele até hoje não sabe se me chama de padrasto ou madrasta. A Vera admite o caso. A Sonia também. Porque não se precisa discurso ou falatório para se celebrar uma amizade. Então veio a descoberta de que só não nos internamos no mesmo hospital psiquiátrico por uma questão de logística. Ele é Bacacheri, onde continua batendo uma bola firme com o saudoso Dirceuzinho e o Aladim. Eu sou atleticano de vários cantos. Ele ficou surdo antes. Consegui colocar um aparelho no escutador do lado esquerdo dele. Nessa ganho, porque tenho dos dois lados. Ganha na noiação, mas um dia chego lá. Ganha no carro. Tem uma Panorama cobiçada. Meu Santanão é uma criança perto da joia dele. Tem netos. Fico com inveja boa. Chegou aos 70 hoje (de novo na dianteira) e disse na festa surpresa preparada pelos filhos que, se fosse aos 80, teria um treco. Faz humor respirando. Mas cuspindo fogo também – quando o assunto merece. Ele é Solda!

(Blog do Zé Beto)

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Setenta anos

© Montagem de João Urban

quando eu tiver setenta anos
então vai acabar esta minha adolescência

vou largar da vida louca
e terminar minha livre docência

vou fazer o que meu pai quer
começar a vida com passo perfeito

vou fazer o que minha mãe deseja
aproveitar as oportunidades
de virar um pilar da sociedade
e terminar meu curso de direito

então ver tudo em sã consciência
quando acabar esta adolescência

Paulo Leminski

 

Hoje, 22 de agosto, acabou minha adolescência. (Solda)

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