Para tentar derrubar Collor, candidato derrotado do PDT convenceu sua militância a engolir Lula, ‘o sapo barbudo’
Entre o casamento de Lula e Janja e o debate Ciro Gomes versus Gregorio Duvivier, eu confesso, não tive tempo de ler um novo livro –ou melhor, um livro velho, razão de ser desta coluna. Mas eu li o JB de 27 de novembro de 1989, com a manchete: “Brizola quer atravessar Lula na garganta da elite”. Uma capa do Jornal do Brasil, aliás, é um clássico.
Será que o Ciro Gomes de 2022 repetirá o Brizola de 1989? Ou será que vai se repetir, indo a Paris? Olhando o cenário político atual, dificilmente estará no segundo turno, verdade seja dita.
O pecado de Gregorio Duvivier, inclusive, fora este: antecipar-lhe a derrota, propondo aos ciristas o voto útil no primeiro turno. Após ver o Ciro naquele (anti) debate constrangedor, temo que ele escolha, de novo, a saída pelo Galeão.
Em 1989, Brizola perdeu muito mais do que uma eleição. Desde que voltara do exílio, dez anos antes, havia enfrentado o diabo. Primeiro, com a ajuda do general Golbery, roubaram-lhe a sigla do coração, o PTB. Depois, tentaram lhe garfar a eleição para o Governo do Rio de Janeiro. Com a participação do SNI, montou-se um esquema de roubo de votos na apuração, o famoso caso da Proconsult.
Mesmo assim resistira, chegando a 1989 como franco favorito para, ao fim, ficar de fora do segundo turno por míseros 0,67% dos votos.
Não foi fácil digerir a derrota. Confirmado o segundo turno entre os novatos Lula e Fernando Collor, Brizola arrumou as malas e partiu –não para Paris, mas para Montevidéu, cidade que o acolhera em 1964. De acordo com a coluna do Etevaldo Dias, na segunda página do JB, nem sequer ligara para o candidato do PT parabenizando-o pela vitória. Na volta ao Rio, porém, dias depois, recebeu Lula em seu apartamento na avenida Atlântica para selar o apoio do PDT.
Na verdade, antes de bater o martelo, tentara ainda uma cartada: convencer o petista a desistir da corrida. Com Lula fora do páreo, ele próprio abriria mão da vez, deixando o lugar para o quarto colocado, Mário Covas. Na opinião de Brizola, o candidato do PSDB tinha muito mais chances contra Collor no segundo turno. Com a recusa veemente de Lula, Brizola cedeu ao resultado das urnas.
“Lula saiu do encontro sob vaias dos brizolistas e por pouco não levou um cascudo de um exaltado manifestante”, contou Etevaldo Dias no artigo intitulado “A arrogância dos vencidos”.
Sapo barbudo
Mas um líder é um líder. Na tarde de 26 de novembro daquele tumultuado 1989, os brizolistas se reuniram no Riocentro, em Jacarepaguá, para uma “pajelança”. Cerca de 2.600 pessoas lotaram o auditório. O clima era beligerante. A militância queria voto nulo, queria beber o sangue de Lula com groselha. Pelo menos até Brizola começar a falar.
“Um velho político do Rio Grande do Sul, o senador Pinheiro Machado, já dizia que a política é a arte de engolir sapos. Não seria fascinante fazer essas elites engolirem o Lula, o sapo barbudo?”