Easy Rider

Cancelem-me, mas aqui vai: Havaianas não são confortáveis; os chinelos estilo Rider são

Nasci e cresci na Guerra Fria. O mundo se dividia ao meio. Havaianas do lado esquerdo, Rider do lado direito. Havaianas simbolizavam a aposta na miscigenação e na semana de 22. Rider era o parnasianismo e o projeto branqueador.

Quando Caetano gritou pra plateia censora no Festival da Canção “se vocês, em política, forem como são em estética, estamos feitos!”, ele certamente via todo o público de Rider. O público também o via de Rider, pois usar guitarra na música popular brasileira era, para eles, como usar sapatênis numa plenária da UNE. Rider era PDS, Del Rey, SBT, Agnaldo Rayol, Afanásio Jazadji. Havaianas era Novos Baianos, TV Pirata, MTV, Pedro Cardoso, Boiçucanga, SOS Mata Atlântica.

Nasci numa família de esquerda. Fui criado sob uma doutrina hippie ortodoxa. Se na infância eu dissesse, por exemplo, que pensava em ser engenheiro ou em ter um Monza, seria provavelmente levado à força a uma cachoeira onde um amigo cabeludo dos meus pais me submeteria a duas horas de “Stairway to Heaven” numa cítara enquanto eu ofereceria pétalas de flores amarelas a Oxum.

Durante boa parte da minha vida, portanto, usar Rider foi impensável. Faz um mês, contudo, que um Muro de Berlim desmoronou dentro de mim. Eu comprei um Rider.

Na verdade, não foi exatamente um Rider, foi pior: um genérico chinês com o qual o Instagram vinha me assediando havia meses. Comprei, chegou, calcei e o conforto foi diretamente proporcional ao pânico existencial. Devo admitir, após 44 anos de erro: no quesito chinelos, a direita tem razão.

Sei que eu não deveria escrever esta crônica no atual estágio do desmantelo nacional. Tenho consciência de que não devia dar munição ao inimigo, que doravante poderá incluir as Havaianas no amplo index das proibições absurdas, junto ao cinema, ao teatro, à literatura, ao meio ambiente, aos direitos humanos, à educação e até aos absorventes femininos.

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Angelina Nikonova, diretora do filme russo Twilight Portrait, vencedor do Lisbon & Estoril Film Festival, 2011. © Reuters

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Quando até o estrogonofe é cancelado

Em nome de combater uma violação moral, incorremos num punhado de outras

A grande surpresa na crise da Ucrânia foram a rapidez e a firmeza com que a comunidade internacional respondeu à invasão russa. Até então, o presidente Vladimir Putin vinha explorando com competência as divisões entre americanos e europeus. A mudança decorre, acredito, de uma troca de “framing” (enquadramento).

Enquanto se discutia a conveniência geopolítica de a Ucrânia integrar a Otan, a questão era tratada de forma pragmática, com abertura para divergências e a possibilidade de matizes. Mas, depois que Putin decidiu recorrer às armas para iniciar uma guerra de agressão contra um país soberano, provocando a morte de civis inocentes, a invasão passou a ser vista como uma violação moral. E isso faz toda a diferença.

A grande vantagem de colocar questões sob o enquadramento moral é que fazê-lo catalisa as reações. Pessoas (e países) têm opiniões sobre tudo. Especialmente em tempos de redes sociais, é fácil fazer que as externem. Um pouco mais difícil é fazer com que tomem atitudes concretas para promover suas preferências. Mas, para fazer com que incorram em custos pessoais para impor sua visão, aí é preciso que o problema seja descrito em termos morais. Eu aceito algum ônus para punir um assassino ou um estuprador, mas não para castigar alguém que violou uma norma sem conteúdo moral, uma regra de etiqueta, por exemplo.

E a grande desvantagem de colocar questões sob o enquadramento moral é que, ao fazê-lo, abrimos as portas para a desmedida e até o fanatismo. A moral é essencialista e não trabalha bem com nuances. Se foi a Rússia que agrediu injustificadamente a Ucrânia, então torna-se legítimo punir russos, pouco importando se têm ou não agência na guerra, se apoiam Putin ou se opõem a ele. O paradoxo chega fácil: em nome de combater uma violação moral, incorremos num punhado de outras.

Quando até o estrogonofe é cancelado, fica claro que há algo de irracional no ar.

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Mural da História

24|abril|2019

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Transfobia no MEC

Visão do titular da pasta sobre o mundo é obscurantista e sombria

O pastor que ocupa o Ministério da Educação, Milton Ribeiro, pouco fala, mas quando abre a boca sempre provoca estupefação pela capacidade de expressar uma visão de mundo tão obscurantista e sombria.

Seu palavrório incita a discriminação, a hostilidade e a violência contra a população LGBTQIA+. Sendo titular do MEC, tudo o que fala, faz ou deixa de fazer reverbera no tecido social, tem consequências concretas. Por isso, o ministro precisa ser responsabilizado.

A Procuradoria-Geral da República já o denunciou por homofobia porque, em entrevista, ele afirmou que jovens homossexuais são de “famílias desajustadas”. Cabe ao STF aceitar ou não a denúncia para que ele se torne réu. Vale lembrar que, em 2019, a corte decidiu equiparar condutas homofóbicas e transfóbicas ao crime de racismo.

Pois bem, dias atrás, Ribeiro saiu-se com outra. Disse que não vai permitir que escolas ensinem “coisa errada” para crianças; que “não tem esse negócio de ensinar ‘você nasceu homem, pode ser mulher'”. A fala é carregada de transfobia. O ministro da deseducação desconhece que orientação sexual e identidade de gênero são a dimensão primordial da existência. Saber quem somos é tão essencial quanto o ar que respiramos.

Mas exigir tal compreensão é pedir demais para alguém que tem fixação na violência como método pedagógico. No púlpito de uma igreja, em 2016, Ribeiro preconizou a “vara da disciplina” para corrigir o comportamento das crianças. “Há uma inclinação na vida da criança para o pecado, para a coisa errada”, delirou.

Já ministro, o sujeito disse ainda que crianças portadoras de deficiência “atrapalham” o aprendizado de outras e que “é impossível a convivência” entre elas. Ribeiro soa como um Torquemada deslocado no século 21. Também não faria feio no gabinete de Hitler, com seu discurso de filiação eugenista, propagador da segregação social que sabemos onde termina: em ódio, sofrimento e morte.

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Charles Gates Sheldon – Portrait of the silent film star Dolores Costello|1920

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© Jan Saudek

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Portfólio

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Enéas Lour, Lejambre (caingangue), em algum lugar do passado. © Lina Faria (txucarramãe e txucarravó)

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Anabelarella. © IShotMySelf

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Mural da História

Por Obama, jornal demite cartunista

O Estado do Paraná demitiu o cartunista Luiz Solda. Ele fez uma charge mostrando um macaco dando banana ao presidente dos EUA, Barack Obama. Estou entre aqueles que degustam as charges, mas é claro que o defenderia também se as detestasse. A censura é um ato execrável, predatório e inútil. Foi um erro do jornal demitir o cartunista. Crime de opinião e de expressão, como nos velhos e atormentados tempos da ditadura militar.

Fiz minha dissertação de mestrado – quatro anos de trabalho, na UFRGS, em Porto Alegre – e a de doutorado, mais seis anos, ambas sobre a censura, na USP, em São Paulo. Sei do que falo. As duas teses viraram livros. A proibição é tiro na culatra: prejudica os editores e os leitores. A História dá a volta por cima e Luiz Solda terá doravante o seu retrato emoldurado por essa proibição. Ainda é tempo de os editores que o demitiram se arrependerem, voltarem a examinar o problema, descontar o calor da hora e readmiti-lo. Seria um gesto de grandeza.

Revirando no túmulo

Estreei como escritor em O Estado do Paraná, levado à redação pelas mãos do cineasta Sílvio Back. Os dois contos com os quais estreei na imprensa foram adaptados para a televisão com o talento de Antunes Filho, na TV Cultura, em São Paulo.

Preso por contos publicados num outro jornal, depois cumpri pena em liberdade condicional, incurso na Lei de Segurança Nacional e na Lei da Imprensa, que tantas vítimas fez entre jornalista, escritores, intelectuais e artistas, enfim sobre todos os que ousavam discordar e expressar suas discordâncias. Libertado, fui condenado a dois anos de prisão e passei a me apresentar periodicamente aos tribunais, nos termos da sursis. E nesse ínterim O Estado do Paraná publicava outros contos e textos meus, me entrevistava – era um sinal, uma força que fez com que uns poucos acusadores recuassem. Eu morava no Paraná naqueles anos.

Por tudo isso, por ter O Estado do Paraná como presença tão memorável em minha vida de escritor e professor, é que me entristeço com a demissão de Luiz Solda. Onde puder, farei chegar a minha voz e o meu pedido: que a demissão de Luiz Solda seja reconsiderada. Hoje sou escritor que tenho livros publicados em diversos países e em vários idiomas, com prêmios nacionais e internacionais, mas tudo começou com aqueles primeiros passos em O Estado do Paraná.

O jornalista e romancista Manoel Carlos Karam, diretor de redação de O Estado do Paraná por tantos anos e hoje nome de praça no Mercado Municipal em Curitiba, que nos deixou tão cedo, com cinquenta e poucos anos, lá do céu deve estar furioso com o que fizeram com o jornal que ele sempre soube defender tão bem.

Negão presidente

O tempora, o mores! Esperamos, como disse, que reconsiderem essa demissão antes que a repercussão não prejudique um jornal que faz por merecer o respeito dos leitores. Então que esse respeito seja mútuo e que ele não exclua de seus quadros um cartunista tão talentoso.

Se já o excluiu, que o reinclua, pois vivemos tempos de inclusão, como esse ora vivido pelos Estados Unidos, que dão uma referência solar ao mundo, elegendo um negro para a presidência da República.

Mas daí a não poder brincar com o tema é proibição que não podemos aceitar. Quer dizer que se eu registrasse o que, em recente reunião de escritores referenciais, dissemos e ouvimos, que Barack Obama é um “fabuloso negão”, seríamos vetados em O Estado do Paraná?

25|Março|2011

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Palíndromos do Fraga

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Faça propaganda e não reclame

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Barros e Becket

Em verdade vos digo, assino em público e raso, para ciência dos presentes e inconsequentes, que quem quer que estiver ao lado de Ricardo Barros, no partido, no palanque, na lista de doadores, até na mesa ao lado do restaurante, será por mim amaldiçoado e renegado. Não fará diferença para ninguém, mas para mim trará paz de espírito, descargo de consciência.

Ricardo Barros, homem de todos os presidentes e de nenhum brasileiro, é a mais apurada quintessência do político egocêntrico, autocentrado e solipsista que houve, há e haverá no Brasil, pois tudo o que faz nem de longe sugere o bem público. Outros fizeram pior, outros nos levarão ao abismo – entre eles Jair Bolsonaro. Mas nenhum teve ou terá a eficiência fria e incansável de Ricardo Barros.

No tropismo que o atrai ao poder, Barros serve antípodas: FHC, Lula, Dilma. Sempre no tempo presente e com igual fervor ao que dedica a Jair Bolsonaro. O pior não cabe no dicionário de Barros, que só traduz o útil. Tem sido o homem de todas as estações. Quando nada e para entender estas linhas podia ler sobre Thomas Becket, o homem que renegou o poder e morreu para não ser mais um “homem de todas as estações”.

A última de Barros, que como líder do governo, orienta a tramitação urgente da lei de mineração em terras indígenas. Quando o Brasil ficar assoreado, árido, os rios secos, Ricardo Barros estará no desfrute da sombra, da água fresca e da calça folgada, ainda líder, operoso, eficiente e orgânico do poder do momento. Um homem que converte seu tom de natural cinza na cor que replica a da meio que o abriga.

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#ForaBozo!

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