Geração Cinemateca, o documentário

As cinematecas sempre exerceram uma mágica sobre as pessoas, especialmente antes das vastas possibilidades hoje existentes de plataformas de streaming, que tornaram o acesso ao cinema mundial quase uma brincadeira.

Mas não era assim até bem pouco tempo e a Cinemateca de Curitiba, que já se chamou Cinemateca do Museu Guido Viaro, exerceu um poder enorme de atração sobre um grupo de jovens desde que foi criada em 1975 por Valêncio Xavier.

Uma geração inteira gravitou em torno da cinemateca e da influência de Valêncio, aprendendo a fazer filmes, estudando cinema, se aperfeiçoando em pesquisa e recuperação de acervos ou simplesmente amando cinema, se encantando com filmografias impossíveis de serem conhecidas de outra forma. É a história desse amor ao cinema que o documentário Geração Cinemateca fala. O doc será exibido em pré-estreia nesta quinta-feira, dia 17, às 19h, na Cinemateca de Curitiba (rua Carlos Cavalcanti, 1175).

Tem direção de Miriam Karam, produção de Teia Werner, direção de fotografia de Murilo Lazarin, desenho de som de Ulisses Galetto, trilha sonora original de Grace Torres e programação visual do Solda.

Publicado em Geral | Com a tag , | Deixar um comentário
Compartilhe Facebook Twitter

Brasil inventou a fuzarca e precisa exportar a tecnologia do furdunço

Bagunça, por exemplo: tem pais desconhecidos, assim como furdunço e fuzuê. O Brasil inventou a fuzarca —ou talvez o contrário.

Auê, fuzuê, frege, bafafá, rebuliço. Qualquer falante do português saberá do que trata essas palavras, mesmo que nunca as tenha ouvido. Escarcéu e banzeiro vieram do mar. O primeiro é a onda gigante, o segundo é o mar agitado, e ambos passaram a designar agitação de gente que se comporta como o mar.

Minha vó chamava de murundum um baú cheio de cartas e fotos —corruptela de murundu, sinônimo de barafunda, aquele amontoado de qualquer coisa. Tenho pena das bagunças obsoletas, que morreram com o tempo. Ninguém nunca me chamou pra uma patuscada, um salsifré, um bailarico. Gandaia ainda se usa, mas só pra cair nela. Já ninguém se levanta pra uma gandaia.

Baderna veio da Marietta —a bailarina italiana que fez um sucesso estrondoso no Rio ao misturar danças africanas e balé clássico— isso em 1850. Proibida de dançar lundu nos palcos, passou a dançar ao ar livre, no largo da Carioca, junto com africanos escravizados.

Baderna virou, primeiro, sinônimo de beleza, depois de tumulto: seus fãs, os badernistas, protestaram contra a proibição fazendo o que melhor sabiam fazer: fuzuê. (Chamei minha filha de Marieta por causa dela, e os nomes têm força: quando não está no balé, está na bagunça —geralmente nos dois.)

Arruaça quem faz são os outros —e geralmente quem acusa é a imprensa. Quando a polícia chega, o que podia ser um tumulto vira quebra-pau. Perceba que, quando a confusão vira porradaria, ela ganha um hífen: se transforma num quebra-quebra, um pega-pra-capar, um deus-nos-acuda, um salve-se-quem-puder, uma casa-da-mãe-joana, vulgo casa-da-sogra (pobre da sogra chamada Joana).

Alvoroço vem do árabe, onde servia pra designar um tipo muito específico de confusão: os gritos de alegria que a gente dá ao receber alguém querido. Algazarra também vem dos mouros, mas designa um tipo de tumulto mais específico: o banzeiro que o Exército mouro promovia antes de atacar, pra assustar o inimigo. Os árabes, assim como nós, tinham pós-graduação em gritaria.

Gosto das palavras que servem pra designar ao mesmo tempo uma forma de confusão e uma forma de comida —sururu, sarapatel, angu de caroço. Grande parte da nossa culinária tem origem na bagunça. Não é só o prato que parece um murundum, mas também a ocasião em que se come: não se degusta um sururu sem promover um sarapatel, e vice-versa. Galhofa já significou banquete, até virar sinônimo de bagunça, e hoje virou humor fácil —no teatro, quando o comediante perde a mão, alerta-se, na coxia: “Cuidado com a galhofa”.

Continue lendo

Publicado em Geral | Deixar um comentário
Compartilhe Facebook Twitter

Playboy|1960

1965|Sally Duberson. Playboy Centerfold

Publicado em playboy - anos 60 | Com a tag , | Deixar um comentário
Compartilhe Facebook Twitter

No Congresso, pior do que tá fica

Integrantes e ex-integrantes do governo vão procurar abrigo no Legislativo

Além de tirar Bolsonaro do poder, há outra questão tão importante quanto: o Congresso. Ao contrário do que afirmou o então candidato Tiririca, em sua primeira eleição: pior do que tá fica. Em 2018, a renovação de nomes no Poder Legislativo era uma das pautas da sociedade, o que se confirmou com o resultado das urnas. Na prática, o Congresso atual é apontado como o pior da história.

Foram eleitos 243 novos deputados, o que representa 47,3% dos parlamentares. Para surpresa de ninguém, o PSL, então partido do presidente, foi o que mais ganhou representatividade. Dos 52 nomes da sua bancada, 47 eram estreantes. No Senado, a mudança de caras foi ainda maior. De cada quatro senadores que tentaram a reeleição, apenas um conseguiu. Das 54 vagas, 46 foram ocupadas por gente nova, mais de 85%. Em ambos os casos, a maior transformação desde a redemocratização.

Não é surpresa para ninguém que, entre aqueles que nunca tinham exercido cargo público, estivessem lideranças evangélicas, celebridades excêntricas e parentes de oligarquias nos estados. O que de fato mudou o cenário foram os candidatos eleitos a reboque de Bolsonaro e do discurso antipetista. O impacto da presença deles é profundo.

Testemunhamos o fenômeno do bolsonarismo se consolidar com a eleição de gente despreparada, vingativa, caricata, arruaceira, com visível indigência intelectual. No dia a dia, mostraram que mesmo com toda essa falta de atributos são muito competentes em alimentar a seita que o presidente criou e mergulhar o país numa crise democrática.

Em 2022, pode ser ainda pior. Integrantes e ex-integrantes do governo, que ganharam projeção durante suas catastróficas gestões, além de nomes que se destacaram desde o início da pandemia por seu negacionismo, vão procurar abrigo no Congresso. Trata-se de gente muito mais inteligente e articulada. É um bolsonarismo com verniz, portanto, mais perigoso.

Publicado em Mariliz Pereira Jorge - Folha de São Paulo | Deixar um comentário
Compartilhe Facebook Twitter

À palmatória

Dar a mão à palmatória é um termo que todos conhecemos. Mas fazemos vistas grossas quando da ocorrência da introdução de substância via rabo pra combater o vírus de bruços. E isso outra coisa não é senão dar o cu à palmatória. Penso eu. 

Publicado em Nelson Padrella - Blog do Zé Beto | Com a tag | Deixar um comentário
Compartilhe Facebook Twitter

Vale a pena ver de novo – O barulho sob sigilo

O processo que deflagrou a demissão de Monica Rischibieter da direção do Teatro Guaíra está “sob sigilo”. Ele começou com a consulta da ex-diretora à Procuradoria Geral do Estado (PGE) a respeito da utilização da verba da Lei Aldir Blanc fora do prazo estipulado por lei, ou seja, dinheiro que não foi gasto em 2021 sendo distribuído em 2022.

Monica questionou o que estava ocorrendo pois sabe que essa bomba pode estourar no Tribunal de Contas da União. O “sob sigilo” de agora fica mais patético porque o barulho que causou a exoneração continua fazendo estrago em todos que decidiram por ela, principalmente no chefe deles todos, o governador Ratinho Junior.

Publicado em Roberto José da Silva - Blog do Zé Beto | Deixar um comentário
Compartilhe Facebook Twitter

Publicado em Flagrantes na vida real | Deixar um comentário
Compartilhe Facebook Twitter

Rádio Animal Político apresenta…

A democracia é o governo do Diabo, pois foi um presente de grego para o mundo. Faltavam uns 500 anos para Cristo nascer e os gregos inventaram que todos podiam e deviam participar da vida política do país. Teoricamente, todos iam para a Ekklesia e decidiam os caminhos e o destino da pólis. Todos vírgula. Só os que tinham direitos de cidadania. Já ficavam fora mulheres, estrangeiros e escravos. Para dificultar ainda mais, os cidadãos chegavam na Ekklesia, ouviam os relatórios dos projetos que deviam ser votados e, depois que o arauto perguntava quem pedia a palavra, tinham que dar sua opinião em alto e bom som.

Um dos maiores medos do ser humano, em todos os tempos, é falar em público. Então, apareceram os oradores profissionais, os que tinham voz boa, que sabiam usar as palavras e ofuscaram mais um pouco a democracia.

Claro que o ser humano é muito esperto. Enquanto Platão se esforçava para impor as ideias como base para a política, um cara chamado Isócrates fundou uma escola para ensinar retórica. Ensinava oratória persuasiva: como vencer uma discussão sem ter argumentos sólidos. Isso quer dizer que ele passou a perna em Platão, por certo tempo. A educação dele era realista, atendia as necessidades de uma sociedade dirigida por oradores.  Os alunos dele venderiam até geladeira a pinguins, se já tivessem descoberto o Polo Sul. Botavam a boca no trombone e convenciam todos que usar saiotes era mais confortável na hora de ir ao banheiro. Pela força das palavras bonitas e bem ordenadas, punham abaixo as mais sérias pretensões dos oponentes. Um tal Górgias, sofista, escreveu “o poder do discurso sobre a constituição da alma pode ser comparado ao efeito das drogas sobre o estado do corpo”. E, ainda, “a persuasão, quando acrescentada ao discurso, pode deixar na alma a impressão que quiser”.

E pensar que Isócrates não ficou para semente. Platão comeu pelas beiradas e se estabeleceu como grande filósofo. Mas, pensando bem, e baixinho, acho que Isócrates devia ser ressuscitado. Ele é, na minha modesta opinião, patrono da nossa moderna democracia: os faladores vencem. Os radialistas, de voz bem empostada, clara e cheia de truques, emprenham os eleitores pelo ouvido em todo o país diariamente. É só escutar aqueles que narram histórias de amor cheias de sangue, lágrimas e sentimentalismo.  Que falam de coração aberto para o coração carente das ouvintes. Que salvam o mundo todos os dias com a maior ‘sinceridade’. Uma voz firme e aveludada ganha de uma ideia clara, porém carente de expressão oral bem articulada.

É carente de exxxprrreeessão oral bem arrtiiculaada

Publicado em rui werneck de capistrano | Deixar um comentário
Compartilhe Facebook Twitter

Transtorno dissociativo de identidade

Publicado em Flagrantes na vida real | Deixar um comentário
Compartilhe Facebook Twitter

Morre Arnaldo Jabor, jornalista e diretor do cinema novo, aos 81 anos

Autor de sucessos como ‘Toda Nudez Será Castigada’ e ‘Eu Te Amo’, carioca não resistiu a complicações de um AVC

Morreu Arnaldo Jabor, jornalista e cineasta que fez parte da geração do cinema novo e dirigiu sucessos como “Eu Te Amo”, de 1981, aos 81 anos na madrugada desta terça-feira. O carioca estava internado desde o dia 17 de dezembro no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, após sofrer um acidente vascular cerebral. Segundo a família, a causa da morte foram complicações do AVC.

No final de dezembro, um boletim médico apontou que Jabor tivera uma melhora progressiva do quadro neurológico e se encontrava consciente. Na manhã desta terça-feira, a produtora de cinema Suzana Villas Boas, ex-mulher de Jabor e mãe de seu filho escreveu “Jabor virou estrela, meu filho perdeu o pai, e o Brasil perdeu um grande brasileiro” numa rede social. De acordo com assessores, Jabor ainda deixa um filme inédito.

O cineasta e jornalista se tornou mais conhecido por seus comentários nos telejornais da TV Globo desde os anos 1990. Mas sua primeira vocação foi como cineasta, formado, durante a década de 1960, sob o ambiente do cinema novo —que buscava levar a realidade do Brasil para as telonas.

Depois de um período como crítico de teatro e cinema no jornal O Metropolitano, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e na revista Movimento, chegou ao cinema por influência direta de seu amigo Cacá Diegues. Debutou numa segunda fase do movimento, com os curtas documentais “Rio Capital Mundial do Cinema” e “O Circo”, ambos de 1965.

Seu primeiro longa-metragem foi “A Opinião Pública”, de 1967, um mosaico da classe média do Rio de Janeiro. Introduzindo o som direto nas telonas brasileiras, é uma obra alinhada ao cinema verdade, como uma investigação antropológica que brota de takes crus e depoimentos espontâneos.

Seu filme seguinte, “Pindorama”, de 1970, sua primeira investida na ficção, foi um fracasso que custou caro a Walter Hugo Khouri e pela distribuidora Columbia, que bancaram a produção. Mas o trabalho seguinte seria o início de uma sequência poderosa —“Toda Nudez Será Castigada”, de 1973, adaptando a peça homônima de Nelson Rodrigues.

Darlene Glória foi a esfíngica prostituta Geni, pela qual Herculano, o religioso viúvo encarnado por Paulo Porto, se apaixona. Sucesso de bilheteria, essa tragicomédia ficou no limiar entre o cinema novo e o que se consolidaria como a pornochanchada, mas como o humor e a crueza da obra rodrigueana, enfrentando diretamente o universo moral, afetivo e sexual da classe média.

Porto retornaria no longa seguinte, “O Casamento”, de 1975, dessa vez, inspirado em um romance de Nelson Rodrigues. Ele protagoniza a história como Sabino, pai de Glorinha, vivida por Adriana Prieto, e cujo amigo, o doutor Camarinha, sugere que o noivo da menina é gay —dando o estopim para a tragédia.

Depois da grandiloquência desses dois filmes, sua obra cinematográfica se fecharia mais a quatro paredes, primeiro com a alegoria do jogo de classes no Brasil em “Tudo Bem”, de 1978 (que Jabor considerava seu melhor filme), e depois com estudos sobre a relação amorosa.

Dessa última safra saíram seus maiores sucesso de bilheteria, “Eu Te Amo” —com Sônia Braga no auge de sua sensualidade— e “Eu Sei que Vou Te Amar”, de 1986 —com Fernanda Torres e direito a indicação à Palma de Ouro no Festival de Cannes.

Mesmo com o grande sucesso de seus filmes, Jabor sempre falava que não enriquecera com o cinema —apesar de a bilheteria de “Eu Sei que Vou Te Amar” tenha lhe rendido uma apartamento. Não à toa, seu próximo longa seria lançado só em 2010, “A Suprema Felicidade”.

Nesse intervalo, em uma viagem a São Paulo, encontrou o jornalista Fernando Gabeira, que à época escrevia para este jornal, para quem pediu uma oportunidade para retomar a veia jornalística. E conseguiu, e seguiu na Folha por dez anos, colaborando com outras publicações jornalísticas como o gaúcho Zero Hora e o carioca O Globo, em paralelo à direção de filmes publicitários.

Naturalmente, o cinema não lhe saiu da cabeça durante esse período, e, segundo reportagem de José Geraldo Couto em 1995 neste jornal, Jabor sonhava em fazer uma refilmagem de “Ladrões de Cinema”, de Fernando Coni Campos, mas no gênero musical.

Daí, além do papel, também entrou no telejornalismo da rede Globo, participando como comentarista de programas como o Jornal Nacional, Jornal da Globo e no Bom Dia Brasil, bem como na rádio CBN. Ficou célebre pelos comentários irônicos e cáusticos, bem como por sua verve polemista.

Publicou ainda livros de coletânea como “Os Canibais Estão na Sala de Jantar”, de 1993, e “O Malabarista – Os Melhores Textos de Arnaldo Jabor”, de 2014.

Publicado em Sem categoria | Deixar um comentário
Compartilhe Facebook Twitter

Ou a morte ou o livro

O testamento literário de Marguerite Duras

Em junho de 2021, tomei conhecimento por este jornal, na coluna Painel das Letras, que a editora mineira Relicário lançaria dez obras da autora francesa Marguerite Duras. Fiquei animadíssima, uma vez que não é fácil encontrar traduzido o vasto material da romancista: mais de 50 livros, roteiros premiados de cinema (por exemplo: “Hiroshima, Meu Amor”), peças de teatro e ensaios.

Somente agora li “Escrever”, coletânea com cinco textos originalmente lançada em 1993, cerca de dois anos antes da morte da escritora, e considerada, sobretudo por seu texto de abertura, e que dá nome à obra, uma espécie de testamento literário de Duras.

Os curtos ensaios “A morte do jovem aviador inglês”, “Roma”, “O Número Puro” e “A Exposição da Pintura” são carregados de dor, inquietação e beleza, mas passaram longe de me emocionar tanto quanto “Escrever”, leitura obrigatória sobretudo para quem, em qualquer momento da vida, decide redigir algum parágrafo com coragem. É bem bonita e até divertida a passagem em que Duras sugere que escritores limpinhos ou com medo do que têm a dizer não são os melhores.

Marguerite está em sua casa, em Neauphle-le-Cháteau e decide debater o ofício da escrita com o cineasta e amigo Benoit Jacquot. Para ela, escrever é como “encontrar-se diante de um buraco, no fundo de um buraco, numa solidão quase total, e descobrir que só a escrita vai te salvar”. E, no caso de Duras, salvou mesmo: a autora garante que sem a rotina compulsiva dedicada à literatura, teria se tornado dependente de álcool.

O que lemos é o registro de um magnífico, honesto e visceral texto falado, o que me lembrou um pouco a leitura dos seminários do médico e psicanalista Jacques Lacan. Não à toa, Lacan é citado bem no comecinho da fala de Marguerite: “Ela não deve saber que escreve aquilo que escreve. Porque ia se perder. E isso seria uma catástrofe”.

Publicado em Tati Bernardi - Folha de São Paulo | Deixar um comentário
Compartilhe Facebook Twitter

Nadyr do Prado de Oliveira|29 de novembro, 1929|16 de novembro, 2016, entre Carmen Silvia (Leca) e Vera Maria. © Luana Todt

Publicado em meu tipo inesquecível | Com a tag , | Deixar um comentário
Compartilhe Facebook Twitter

Sweatbreathsex. © IShotMyself

Publicado em elas | Com a tag , | Deixar um comentário
Compartilhe Facebook Twitter

Publicado em Comédia da vida privada | Deixar um comentário
Compartilhe Facebook Twitter

Monark comete o equívoco do jovem liberal em seu podcast

Parabéns a Tabata Amaral pela elegante defesa da razão no caso do Flow

Há um equívoco conceitual grave entre os jovens liberais no Brasil, fruto da péssima formação do debate liberal entre nós, recusado pelas universidades e dominado por empresários e afins que limitaram quase sempre o repertório à liberdade de mercado e seus interesses. O resultado está aí. Cada dia uma polêmica vazia aparece que serve à estupidez comum das redes sociais e afins.

caso Monark é paradigmático. Monark do Flow não é nazista ou antissemita, mas errou feio. Convergem vários fatores na sua estúpida defesa recente da liberdade de expressão para um partido nazista no Brasil.

Primeiro, o sucesso deveria ser permitido apenas a pessoas com mais de 40 anos. O sucesso é um fator corrosivo da nossa capacidade de visão de mundo, de avaliação do ridículo que nos cerca e nos constitui, e da dúvida que sempre devemos alimentar em relação a nossas próprias certezas. Um jovem não enxerga nada disso, na sua imensa maioria. Confunde ganhar dinheiro e sucesso com entender o “segredo último das coisas e do mundo”.

O sucesso prematuro na vida, como é o caso do Monark e de muitos outros como ele, facilmente destrói um maior cuidado na lida com o mundo e as pessoas. Produz o que ele mesmo chamou no seu vídeo de desculpas de “insensibilidade”. O sucesso prematuro pode levar a cegueira mesmo com muito dinheiro.

Outro elemento é o ethos das redes sociais. Afora os evidentes ganhos que a acessibilidade das redes gera, elas, de fato, alimentam a imbecilidade, como dizia Umberto Eco (1932-2016). E aqui, não me refiro ao caso Monark especificamente. Basta acompanhar comentários aos textos e vídeos para ver essa imbecilidade claramente. As redes praticam uma linguagem pobre e agressiva. Enfim, uma semântica para o uso dos idiotas ressentidos.

Por exemplo, nos comentários ao vídeo em questão são muito claros a elegância e o cuidado com os quais a deputada Tabata Amaral se move diante dos argumentos descabidos do podcaster —fala devagar, usa as ideias de forma consistente, respeita a fala do outro. Corretíssima no seu argumento contra o absurdo da defesa da legalidade do partido nazista, ela, ainda assim, foi objeto de críticas cretinas nos comentários.

Às redes só interessa xingar, linchar e mostrar falsos repertórios. Não há esperança nenhuma de que as redes venham a desenvolver maturidade nas sociedades porque a cada minuto entram milhões de idiotas nelas.

Outro elemento é a estética “clube da luta” —refiro-me ao filme “Clube da Luta”— que marca os espaços físicos dos podcasts. Essa estética “clube da luta” faz parecer que encher a cara, fumar maconha e chutar o balde 24 horas por dia é cool e faz de você um ser livre.

Mas, além desses reparos de contexto, há o equívoco essencial de jovens liberais como Monark —a fetichização da ideia de liberdade, e, por tabela, de liberdade de expressão. Não existe nenhum valor absoluto, e os jovens liberais no Brasil têm brincado com ideias.

A liberdade, como tudo mais no âmbito moral e político, é segunda, sendo ela determinada por fatores de contexto, de linguagem, de leis, de história, de economia, de política, enfim, uma série exaustiva de fatores. A liberdade não é um valor absoluto, talvez nenhum seja. Mesmo não matar é relativizado em revoluções ou guerras para aqueles que as defendem. Essa relatividade da moral e da política nos ocupa o tempo todo, de forma exaustiva.

Publicado em Luiz Felipe Pondé - Folha de São Paulo | Deixar um comentário
Compartilhe Facebook Twitter