Uma metáfora leitosa

O leite da bondade humana. Não conheço ninguém que tenha erguido um copo cheio e feito um brinde à ausência de maldade. Sempre que me falam nesse maravilhoso subproduto de mamas imaginárias, engulo em seco. Houve uma vez alguma produção regular desse líquido precioso?

Digo, um tambo, coletor de tarros. Daí todos os tambos abasteciam um impensável laticínio. Apesar da origem sadia, matriarcas opulentas, coradas, de corações generosos atrás dos seus róseos mamilos, esse leite tinha que ser pasteurizado. Para preservar suas propriedades benfeitoras. Para durar mais. Para acumular estoque. Para distribuir do modo mais, vá lá, equânime. Para atender prioritariamente as carências de populações.

Já pensaram, litros do leite da bondade humana postos de porta em porta, em manhãs com cerração? Imaginem, um gesto mais apressado por causa do frio, um tropeção, o litro quebra. Alguém chora pelo leite derramado. E o vizinho vê e reparte o leite da bondade. Um gole diário e as necessidades básicas são atendidas. A produção do leite da bondade humana cresce, se industrializa, diversificam a linha: leite da bondade humana integral, semi-desnatado, desnatado. Leite da bondade humana condensado. Iogurte, coalhada, manteiga, leite da bondade humana em pó! O laticínio passa de ltda. para S.A. O controle de qualidade fica mais rigoroso, passa a selecionar melhor o fornecimento, exige cotas mais elevadas dos produtores, dispensa matrizes, estabelece competitividade entre as mamas, inclusive entre a esquerda e a direita.

Embora com nova tecnologia, embalagens de design pós-moderno, marketing agressivo, algo acontece. O leite da bondade humana começa a fermentar já nos depósitos. Os supermercados começam a vender menos. O Procon é acionado. Os efeitos se sucedem em cascata: a irritação toma os departamentos do laticínio do leite da bondade humana, as mamas exploradas reivindicam percentuais mais justos de produção, os engenheiros do leite da bondade humana abandonam o controle da qualidade para recuperar mercados, os equipamentos perdem em manutenção, os estoques baixam, o gosto se altera no produto final, a desconfiança afasta definitivamente os consumidores do leite da bondade humana. Resultado: a pouca produção encarece o leite da bondade humana. Quem consegue adquirir não reparte nem com parentes. Uma colher de leite da bondade humana pelo amor de Deus, suplicam mendigos à porta de padarias e supermercados.

Depois de séculos de produção ininterrupta, o leite da bondade humana pára de jorrar no peito das pessoas. A glândula altruísta atrofiou na espécie. O leite da bondade passa a ser fornecido somente a pacientes terminais e vítimas de catástrofes. Em gotas. Sociedade de consumo é isso aí, desmamados.

Publicado em fraga | Com a tag , , , | Deixar um comentário
Compartilhe Facebook Twitter

Portfólio

tamandua-para-gabriel

Publicado em Portfólio | Com a tag , , | Deixar um comentário
Compartilhe Facebook Twitter

Criptodramaturgia

A composição do recorte textual para a dramaturgia de “CATATAU: a justa razão aqui delira” contou com um experimento de bases na linguística computacional para encontrar novas leituras que pudessem revelar contextos ocultos e estimular jogos experimentais em ressonância com o espírito inventor que tempera o estilo de sua prosa.

Utilizando-se de técnicas de “processamento de linguagem natural” utilizadas também por tradutores automatizados, corretores ortográficos e simuladores de estilo da escrita, produzimos algumas recombinações e índices derivados do texto original que serviram como base para a construção de bordões, ordenamentos e transições das falas.

Uma inspiração para a usina criativa do que batizamos CRIPTODRAMATURGIA: procedimento dramatúrgico inspirado na arte de estudar, cifrar e decifrar mensagens “criptografadas” – ou seja – mensagens ocultas em anagramas, trocadilhos ou formações truncadas pelo ordemento de frases e períodos do texto original.

Como material base compilamos 4 cadernos derivados neste processo: o “AlfaTaTal” – índice do léxico completo do Catatau em ordem alfabética, e três outros que listam sentenças curtas de exclamações, perguntas e afirmações do Catatau em ordem alfabética (“ExclamaTal”, “PerguntaTal” e “AfirmaTal” ).

Outros procedimentos foram inspirados no isolamento de contextos por palavras chave: a utilização de frases e vizinhanças com as palavras Occam (“Cânone de Occam”), Tudo (transformada no samba “Tudo e Tal”) e sentenças iniciadas com a afirmação do Eu (cena dos espelhos da “Eulália”). Estes jogos linguísticos deixaram ainda um caminho aberto para novas recombinações da obra e a construção de processos e textos derivados dos procedimentos de Criptodramaturgia.

Publicado em Sem categoria | Com a tag | Deixar um comentário
Compartilhe Facebook Twitter

O ano em que o Brasil nasceu

A máquina do tempo leva curiosos de 2022 a um grande momento

No sábado, 1º de janeiro de 2022, começa o ano do bicentenário do nascimento do Brasil.

Parece pouca coisa, mas será uma oportunidade para se pensar numa terra que resolveu andar para a frente com seus 4,7 milhões de habitantes. Nela viviam duas grandes figuras: o príncipe d. Pedro, de 23 anos, e José Bonifácio de Andrada, de 59 anos.

Passados dois séculos, o país tem 212 milhões, convive com a cavalaria do atraso e, dia sim, dia não, é obrigado a conviver com o negacionismo e as batatadas do “coronel” Marcelo Queiroga e do capitão Jair Bolsonaro.

Ninguém se livra do presente, mas o ano do bicentenário traz um refresco. Quem quiser, numa hora vaga, poderá entrar na máquina do tempo para reviver o grande ano de 1822. Por alguns minutos, graças à rede, voltará a um tempo em que o Brasil olhou para o futuro.

O ano começará no próximo dia 9 de janeiro, quando d. Pedro desafiou Lisboa e decidiu ficar no Rio. É o tal Dia do Fico. Como previu a inglesa Maria Graham, que morava no Rio, ele foi “decisivo para o destino do Brasil”. (Um coronel português achava que levaria o príncipe para Portugal puxando-o pelas orelhas. Oito meses depois Pedro separou o Brasil de Portugal e o coronel virou asterisco.)

D. Pedro é um dos grandes personagens do século 19. Proclamou a independência do Brasil e governou a nova nação até 1831.

Voltou a Portugal, comandou uma revolta contra o irmão e colocou a filha no trono. Morreu de tuberculose aos 34 anos. Pegou fama de estroina e mulherengo, mas foi muito mais que isso.

Julgá-lo pelo que fazia deitado equivale a julgar o americano Thomas Jefferson pelos filhos que teve com a escrava Sally Hemings.

A Constituição que d. Pedro outorgou em 1823 durou até 1891 e foi a mais duradoura da série.

D. Pedro e José Bonifácio formaram uma grande dupla. Mais velho, Bonifácio costurou a rebeldia do príncipe. Em junho de 1822 o Brasil não existia como nação, mas Bonifácio criou uma Secretaria dos Negócios Estrangeiros, articulando-se no Prata, em Londres e em Viena.

Enquanto Pedro pegou fama de mulherengo, Bonifácio, com seus cabelos brancos, ficou com uma aura austera. Filha natural, ele também tinha. O professor Delfim Netto diz que o desentendimento que os separou em 1823 foi o primeiro grande drama da história da nova nação.

Bonifácio queria um governo forte, talvez forte demais, com seu horror à imprensa livre. (Há 200 anos circularam no Rio centenas de jornais, alguns com vidas breves.)

geração de 1822 foi injustamente abafada. Sumiram figuras como o futuro Marquês de Barbacena que, de Londres, propunha a Bonifácio em maio o fim do tráfico (leia-se contrabando) de escravizados africanos. O Brasil só se livraria dessa bola de ferro em 1850, mas essa é outra história, a do atraso.

A máquina do tempo levará os curiosos de 2022 a um bonito momento. No mínimo, livrará os viajantes da mediocridade presente.

Em agosto de 1822, Bonifácio redigiu um manifesto às nações amigas. Parece pouca coisa, mas vê-se o seu tamanho quando se sabe que, passados dois séculos, sem motivo plausível, o Brasil encrencou com China, Estados Unidos, França e Chile, noves fora a má vontade com as vacinas, questão pacificada antes mesmo de 1822 pelo pai de Pedro.

D. João 6º criou a Junta Vacínica para conter a varíola. Afinal, ela havia matado o seu irmão. Desde 1817 vacinavam-se crianças no Rio.

Publicado em Elio Gaspari - Folha de São Paulo | Deixar um comentário
Compartilhe Facebook Twitter

Delicinhas da língua; veja um breve compêndio do diminutivo no português

Da contagem do tempo à culinária, passando pelos advérbios de modo, conclui-se que nada é mais gostoso que o gostosinho

O ano já está no finalzinho, disse. E pensei: finalzinho é quando termina o final. Comecinho, não. Comecinho é quando começa o começo. Finalzinho é quando o final tá mais perto do final. Onde eu quero chegar com isso? Não faço ideia. Mas sei que vou devagarinho.

Enquanto quem está pertinho está mais perto, quem está longinho está menos longe. Enquanto a tardinha é no final da tarde, a noitinha fica no começo da noite.

Um minutinho dura mais do que um minuto, talvez uns três ou quatro. Um segundinho pode durar até 30 segundos regulamentares. Devagarinho é mais devagar. Rapidinho é mais rápido. Igualzinho é mais igual.

Pouquinho é mais pouco. Agorinha não é mais agora. Agorinha já foi agora, até que passou. “Ele chegou agorinha” significa que não chegou agora, mas há dois minutinhos.

Moço é o jovem, mocinho é o contrário do vilão. Mocinha só existe na frase “já virou mocinha”, eufemismo pra um aumentativo: menstruação.

Todo o mundo gosta do engraçado, todo o mundo odeia o engraçadinho. O bonito dá inveja, o bonitinho dá pena. Todo o mundo quer ser bom, ninguém quer ser bonzinho. Quem está só pode estar feliz. Quem está sozinho, nunca. A voz só se torna vozinha quando irrita. Ninguém diz: “adoro sua vozinha”, mas “para de fazer vozinha”.

Na contramão: um pássaro pode incomodar. Um passarinho, nunca. Ricardo Araújo Pereira foi quem me alertou: o quente incomoda ou machuca. Diz-se: “cuidado, está quente.” Não se diz: “cuidado, está quentinho.” Diz-se “vou ficar no quentinho”. Não há delícia maior que a delicinha. Nada é mais gostoso que o gostosinho.

A melhor culinária brasileira é toda diminutiva: escondidinho, empadinha, queijadinha. Não gosto muito de caldo, mas adoro um caldinho. Não gosto tanto de caju quanto de cajuzinho. Nunca comi um picado, mas não resisto a um picadinho. Gosto de coxa, mas prefiro a coxinha. Bolo tem sua graça, mas bom mesmo é um bolinho. Um é assado e doce, o outro é salgado e frito. Um serve na festinha, o outro, no barzinho.

Chamamos de soneca um sono curto, mas de soninho um sono gostoso. Sonequinha é um sono ao mesmo tempo curto e gostoso. “Quero estarzinho com ela”, diz Raul Bopp em “Cobra Norato”, e continua: “querzinho de ficar junto”.

A língua portuguesa tem uma palavra pros buraquinhos que surgem no rosto quando se ri, e essa palavra também designa o lugar onde enterramos os mortos. Quando morrer, me enterrem numa covinha.

Publicado em Geral | Deixar um comentário
Compartilhe Facebook Twitter

Elas

Dominique Sanda, ou, Dominique Marie-Françoise Renée Varaigne, por todos os filmes em que atuou, principalmente O Conformista, de Bernardo Bertolucci, 1970, e O Jardim dos Finzi-Contini, Vittorio de Sica, também de 1970.  © Vogue

Publicado em elas | Com a tag | Deixar um comentário
Compartilhe Facebook Twitter

Portrait

© Henrik Kersten|2018

Publicado em Sem categoria | Com a tag , | Deixar um comentário
Compartilhe Facebook Twitter

#ForaBozo!

Publicado em Comédia da vida privada | Deixar um comentário
Compartilhe Facebook Twitter

Os produtos encolheram e ficaram mais caros?

A batata palha extrafina da Elma Chips teve redução de peso de 16,67%; a aveia em flocos da Yoki, de 15%; os biscoitos da Nesfit, de 20%; a farinha de aveia integral da Quaker, de 17,5%; a sobremesa Creamy, da Batavo, de 10%; e o refil do Omo líquido também diminuiu 10% (Fonte: Idec).

A redução de peso deveria ser ilegal, mas não é, e pela lei essa informação deve estar na embalagem em destaque para que o consumidor não seja induzido a erro.

Contudo, as letras são sempre pequenas e o consumidor nem percebe a cilada.

A mudança feita pelos fabricantes nas embalagens significou em alguns casos um reajuste disfarçado de até 30% nos preços.

Resumindo: no geral, o consumidor paga mais por produtos encolhidos, com redução do peso nas suas embalagens.

Pacote de biscoitos Triunfo de 200 para 170 gramas (g) com embalagem diferente para induzir o consumidor a pensar que se trata de um novo produto. Papel higiênico, Personal, Neve, Nice, Camélia e Sublime, fabricadas pela Klabin, pela Melhoramentos e pela Santher, reduziram em 25% de 40 m x 10 cm para 30 m x 10 cm. Extrato de tomate de 370 g para 350 g. Sardinhas de 135 g para 130 g. Papel -toalha de 70 toalhas para 60 toalhas. O sabão em pó Omo de 1 kg para 900 g, sendo que a Omo criou uma promoção com peso e preço antigos e diz que estava dando 100 g a mais (Fonte: Senado Federal).

Agosto de 2000, 1000 gramas de Omo custavam R$3,43, em agosto de 2001, 900 gramas custavam R$3,51 (aumento no preço em 13,7%). O papel higiênico Personal em julho de 2001, 40 metros, custava R$1,59 e em agosto de 2001, 30 metros saia por R$1,55 com um aumento de preço real em 30% (Fonte: Senado Federal).

Sabonetes de 100 gramas para 90 gramas e fraldas descartáveis; duas fraldas a menos nas embalagens.

A Portaria nº 392/2021 do Ministério da Justiça e Segurança Pública, estabelece que as mudanças de quantidade nos produtos como, por exemplo, biscoitos, refrigerantes, itens de higiene pessoal e limpeza deverão constar nas embalagens pelo prazo mínimo de seis meses e não mais três, como era anteriormente.

Segundo o governo, o objetivo da mudança foi minimizar o risco de o produto ser ofertado ao consumidor, simultaneamente, em duas versões, uma delas sem a devida declaração da redução na quantidade. Na prática, isso não significa nada.

Alguém controla se a redução da embalagem significa a redução do preço?

Não há nenhuma fiscalização a respeito dessa conta paga pelos consumidores, nem as embalagens esclarecem a redução com a prova de que os preços também foram reduzidos proporcionalmente, ou os anúncios de preços nas prateleiras demonstram o preço proporcional de cada grama ou medida os produtos para o consumidor saber qual é o produto mais barato.

O mercado é dominado por poucas marcas, todas multinacionais, que mandam e desmandam, sem fiscalização, sem multas e com muita propaganda, por isso que a mídia não divulga tais expedientes.

Publicado em Claudio Henrique de Castro | Com a tag | Deixar um comentário
Compartilhe Facebook Twitter

Pacto tardio

Derramou café na mesa. Não conseguiu manter segura a caneca nas mãos trêmulas, quando escutou a repórter dar a notícia no telejornal: Helena morreu! Não resistiu às complicações de uma doença que sofria por anos em silêncio. Tudo nela era quieto. Pessoas mais próximas começaram a perceber os efeitos do progresso dessa chaga em seu mal estar constante e no abatimento físico.

O cansaço vinha consumindo também suas reações e forças emocionais. Nas últimas semanas, como que antevendo aquele desfecho, ela foi se deixando levar, sem impor resistência desesperada. À medida em que as pessoas relembravam detalhes das recentes interações, encontravam também nessas lembranças as pistas das despedidas que a amiga, parente, colega, sutil e docemente, teceu naqueles instantes com disfarçada e gigantesca generosidade.

Pela televisão, Henrique soube que, logo no início daquela manhã, o coração dela, que antes se alternava em movimentos acelerados e fisgadas repentinas de ansiedades e de esperas, parou de bater. Helena era uma figura pública, muito reconhecida no meio profissional, mas também pelos laços familiares e relações sociais estabelecidas. Tivesse nascido homem, seria possível afirmar, sem sombra de dúvidas, que futuramente seu nome batizaria um dos logradouros da cidade. Mesmo um que demandasse às futuras gerações pesquisar na internet para descobrir a história, registros, feitos e vestígios da personalidade homenageada… Uma história da qual ele nunca mais saberia ou lhe fosse permitido acompanhar.

Só conseguiu chorar e o fez convulsivamente diante da surpresa recebida, assim de soco seco na boca do estômago, naquela manhã em que o céu banhava solidário a sua agonia. Era uma dor jamais sentida e que dilacerava toda sua carne. Cortes frios, precisos e profundos riscavam seu corpo, percorrendo todo ele, ao mesmo tempo em que Henrique sentia arderem não só a superfície, a casca, a couraça, como também a própria alma, que gritava de esconderijos que ele nem imaginava possuir para o sufoco de um sofrimento insuportável. Queria ter lhe amparado de alguma maneira, ter segurado sua mão, ouvido suas lamentações, chorado do seu lado; Queria ter lhe animado de alguma forma, caso essa oportunidade se apresentasse, apoiado nas decisões, incentivado seus impulsos corajosos e ajudado ela a encontrar as respostas ou a se conformar e a se resignar diante dos dilemas sem solução. Não estava mais ao seu alcance aquele socorro compartilhado. Outra vez negado.

Caiu de joelhos na frente da TV e afundou o rosto nos dedos pesadamente. Abriria mão de tudo aquilo, das conquistas concretas e das alegrias fantasiadas, da consciência e da mágica daquela conexão, seus sinais e sincronicidades, se essa renúncia tivesse o poder de restituir ao coração dela as batidas, os amores; Ao rosto dela o vigor e o sorriso cativante, de riso contagiante. Faria tal pacto, sim, pedindo a Deus que nem ao menos a conhecesse ou a reconhecesse no caminho percorrido e que o colocasse de volta à rotina medíocre, que o devolvesse a uma vida longa e sem sentido, como a que levava antes de seus olhos se notarem pela primeira vez… Para que ela existisse e ainda pudesse exercitar extrair inúmeras possibilidades da vida. Abriria mão de qualquer sopro de alegria e de paixão, desde o minuto em que abriu os olhos ao nascer, até seu último suspiro, se essa condição patética de existência fosse moeda de barganha na garantia da felicidade e das realizações mais ambiciosas dela. Que tivesse vindo ao mundo para ignorá-la ou para desprezar tudo o que irradiasse de seu sucesso, de seu brilho e dos seus encantos. Preferia isso a suportar sua ausência.

A dor o cegou. Nenhum fundamento ou compreensões o fariam aceitar aquela realidade: Helena se foi! Só soube chorar, pequenino e nu, diante daqueles propósitos absurdos. Por quê? Queria… Nem sabia mais o que querer, pois nada fazia sentido naquele momento. Helena partiu. Ele ficou, ali, prostrado, inútil e desesperado. A chuva enlutou também o dia lá fora e ele se confundiu, perdido, com aquela envolvente escuridão da paisagem ao redor, gritando o nome dela.

Publicado em Thea Tavares - Blog do Zé beto | Deixar um comentário
Compartilhe Facebook Twitter

Todo dia é dia

© César Marchesini

Samba do Passeio

Já fui lá só pra ver o macaco,
pra ver o pinguim.
Mas confesso que tive meu fraco
por um pedalim.
Fosse o lago o lago que fosse,
o Passeio era doce,
do Pasquale ao Pigalle, Guaratuba ou Berlim.
Começou a ficar mais legal
quando fui pra sacar a batalha campal
de uma tal empregada com um militar e a rival.
Já fui lá pra fumar Caporal Douradinho,
beber muito vinho
e depois, passar mal.
Já fui lá ver o Nireu Teixeira falar e dizer e contar.
Fui também pra espantar a canseira.
Fui também pra beber o luar.
Me passeia, Passeio,
passeia, passeio,
passeia, Passeio, até tudo passar.
Passeia até tudo parar.

Publicado em Geral | Com a tag | Deixar um comentário
Compartilhe Facebook Twitter

Elas

meu-tipo-inesquecível--ná-ozzetiMaria Cristina Ozzetti, conhecida como Ná Ozzetti, cantora e compositora. Estudou piano na infância e  formou-se em artes plásticas. No final da década de 1970 iniciou sua carreira musical com o grupo Rumo,  com o qual fez muitos espetáculos e gravou 5 LPs e 1 DVD.

Publicado em elas | Deixar um comentário
Compartilhe Facebook Twitter

Madá 7.0

Revejo-a. Meio século depois. É muito tempo, hein? Ou, não? Para um morto é pouco, você diria! O rosto chapado, encarquilhado. Como o meu. As coxas inda magníficas (dá pra ver pelo volume do andar). Iguais às minhas, obra e feitio da musculação para macróbios. 

Revejo-a, assim, sem mais nem menos. Esquecida, esquecida estava para sempre. Agora, intacta, incólume, impávida, como é que pode? É isso que se chama física quântica? Numa rua qualquer, num dia, idem, numa tarde única. Aquela chuvinha maldita de Curitiba.

Falta, o quê? Meio segundo para eu reconhecê-la? Rápida no gatilho, ela não se demora nada. Cabelos desarrumados, é o vento sul. Alisei os meus, mais branquelos do que os dela. Devem ser pintados, invejei. O que importa, afinal?

Num primeiro ímpeto, os corpos simularam se grudar ali mesmo. Feito ímã, um tanto gasto, pois não. Mas, antes que algum calor transite entre nós, só leve enrubescimento: alerta vermelho, ora direis! Aliás, mútuo, coadjuvado por uma fisgadinha, alhures. Nem tão alhures, confesso, infelizmente, impossível nomeá-la nesse átimo. Ao nos tocarmos, bingo! A vertigem vira tremor. Ou será temor? É aí que a desfrutável Madalena faz-se a deliciosa Madá do baile de Carnaval de 1958.

Aqueles huge, põe huge nisso, úberes dignos do Museu Erótico de Berlim! Em tempo: úberes é bom demais (não se contém e sai o incontornável autoelogio!). Esquecê-los? Impossível, se eles mantêm-se absolutamente ufanos! Toda vez em que nos encontrávamos, dito e feito, Madá tinha orgasminhos em série. Como se fosse dar um troço nela. A orelha ficava magenta, os lábios, arfantes, olhos de lobisomem. Madá se imolava, era um Kilauea de Eros. Coisa rápida, imperceptível a quem passasse ao largo. Eu, sim, testemunhava fingindo que não. Sabia e mui dadivoso ficava enxugando umas lagriminhas alegrinhas escorrendinho pelas bochechinhas.

Nem preciso dizer que agora o incêndio se reprisa com a mesma intensidade. Tesão não tem idade nem cabimento.

Publicado em sylvio back | Deixar um comentário
Compartilhe Facebook Twitter

Donos do próprio nariz

este-clube-do-nariz-arreliaO palhaço Arrelia.  © The Clowns

Publicado em Geral | Com a tag | Deixar um comentário
Compartilhe Facebook Twitter

Padrelladas

padrelladas-dois© Lina Faria

Publicado em Padrelladas | Com a tag , | Deixar um comentário
Compartilhe Facebook Twitter