“Se acaso você chegasse a um bairro residencial de Roma e desse com uma pelada de meninos brasileiros no meio da rua, não teria dúvida: ali morava Elza Soares com Garrincha, mais uma penca de filhos e afilhados trazidos do Rio em 1969. Aplaudida de pé no Teatro Sistina, dias mais tarde Elza alugou um apartamento na cidade e foi ficando, ficando e ficando.

Se acaso você chegasse ao Teatro Record em 1968 e fosse apresentado a Elza Soares, ficaria mudo. E ficaria besta quando ela soltasse uma gargalhada e cantasse assim: “Elza desatinou, viu”.

Se acaso você chegasse a Londres em 1999 e visse Elza Soares entrar no Royal Albert Hall em cadeira de rodas, não acreditaria que ela pudesse subir ao palco. Subiu e sambou “de maillot apertadíssimo e semi-transparente”, nas palavras de um jornalista português.

Se acaso você chegasse ao Canecão em 2002 e visse Elza Soares cantar que a carne mais barata do mercado é a carne negra, ficaria arrepiado. Tanto quanto anos antes, ao ouvi-la em Língua com Caetano.

Se acaso você chegasse a uma estação de metrô em Paris e ouvisse alguém às suas costas cantar Elza desatinou, pensaria que estava sonhando. Mas era Elza Soares nos anos 80, apresentando seu jovem manager e os novos olhos cor de esmeralda.

Se acaso você chegasse a 1959 e ouvisse no rádio aquela voz cantando Se acaso você chegasse, saberia que nunca houve nem haverá no mundo uma mulher como Elza Soares”.

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Petistas que atacam aliança com Alckmin fazem um favor a Lula

Os conservadores e reaças brasileiros não sabem nada sobre mal menor. Mas têm tradição firmada no mal maior

Correntes do PT avessas a uma chapa Lula-Alckmin e potenciais aliados à esquerda cumprem o seu papel: criticam a eventual aliança, apontam as contradições tidas por inelutáveis, ressuscitam momentos em que os dois políticos estiveram em trincheiras opostas —inclusive na eleição de 2006— e pintam a composição com as tintas de uma conciliação inaceitável. A coisa chega a ter um lado pitoresco.

Ao longo da história, os setores mais à esquerda do partido sempre prestaram um serviço ao líder: cobraram dele a radicalização, de modo a lhe dar a oportunidade de fazer a escolha pela moderação. Não chega a ser um jogo combinado. Trata-se de acordos —ou desacordos— tácitos. Assim, a resistência ao ex-tucano não é um problema, mas um dado do jogo.

Alckmin será o vice de Lula? Não sei. Mas ou haverá esse sinal de que o ex-presidente pretende, se vitorioso, um governo além das fronteiras da esquerda, ou outro se fará necessário. O compromisso —que, parece-me, é público— já está anunciado. E, é evidente, pensando o que penso, avalio que um governo o mais amplo possível é uma solução, não um problema.

A exemplo de todo político que conta realmente com uma militância —sim, Bolsonaro também tem a sua…—, o líder petista tem de ser haver com seus puristas, seus exclusivistas, seus sectários, seus extremistas. A questão é saber se vai liderá-los, escolhendo o caminho, ou será caudatário de visionários do próprio delírio. Em seu processo de construção, o PT fez muitas escolhas que seriam insanas caso fosse ele o protagonista da história.

Recusou-se, por exemplo, a participar do Colégio Eleitoral que elegeu Tancredo Neves. Sempre considerei a decisão lamentável, mas nunca temerária. Não tinha o protagonismo. A solução se daria com ou sem a concordância da legenda, que apostava na definição da própria identidade. Oportunista, sim, mas com risco zero à democracia. Em 2022, sendo a legenda mais bem-sucedida em eleições realmente democráticas, há o peso da responsabilidade de um eventual quinto mandato.

“Alckmin é um aceno do PT para os mercados, Reinaldo?” Ah, caras e caros, não me dedico a jogos dessa natureza. Esses “mercáduz” de que falam são os mesmos que viam virtudes naquele tal que achava o estupro uma distinção, coisa de merecimento? Para quem quilombolas se pesavam em arrobas? Que tinha um torturador como herói? Que prometia extinguir o Ministério do Meio Ambiente?

Curioso! Nunca se cobrou do biltre uma “Carta ao Povo Brasileiro” assegurando compromissos com a ordem democrática, não é mesmo? Ao contrário até! Dava-se de barato que o ogro era apenas um ser meio apalhaçado, que serviria para conjurar as forças que não queriam a volta do PT, mas que ele acabaria, no fim das contas, se submetendo aos limites institucionais.

Mentira! Fiel a si mesmo, à sua pregação e a seus extremistas, tentou romper os limites da legalidade e, como resta sabido, testou as possibilidades de um golpe de estado. Não venham com a conversa de que Lula está obrigado a oferecer credenciais de confiabilidade a esses “mercáduz” —Alckmin ou outras quaisquer.

Os que jamais cobraram de um postulante com evidente discurso fascistóide o compromisso com a civilidade gostariam agora de arrancar de um candidato de oposição a promessa solene de que nada mudará, por exemplo, no teto de gastos —que acabou faz tempo— ou na reforma trabalhista? E o fazem em nome do que chamam “previsibilidade”? Ora…

Se o PT realmente levar adiante a aliança com Alckmin, o ex-governador, parece-me, representa a garantia adicional de um modo de fazer as coisas, buscando, reitere-se, o diálogo amplo. Até porque, no semipresidencialismo informal que temos, ninguém governa sem o Congresso.

Mas é evidente que o ex-tucano não seria a garantia de que Lula, se eleito, deixaria tudo como está. A continuidade tem várias nuances, não é mesmo? E todas elas se juntarão contra o PT, de novo, num eventual segundo turno. Afinal, os conservadores e reaças brasileiros não sabem nada sobre mal menor. Mas têm tradição firmada no mal maior.

Bolsonaro é a prova.

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Bolsonaro e a letargia do cargo

Letargia (do latim lethargia: lethe — esquecimento e argia — inação) é a perda temporária ou completa da sensibilidade e do movimento por causa fisiológica, ainda não identificada, levando o indivíduo a um estado mórbido em que as funções vitais estão atenuadas de tal forma que parece estarem suspensas.

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Mural da História

2 de novembro|2010 

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Nos braços da Academia

A Semana de Arte Moderna, que tanto a combateu, não levou nem dez anos para aderir alegremente a ela

Ouço dizer que, em fevereiro, a Academia Brasileira de Letras fará uma homenagem aos cem anos da Semana de Arte Moderna. É justo. Nos últimos meses, a data tem sido festejada por todos os canais —imprensa, livro, rádio, TV, museu, universidade— e só falta entrar na programação do Beto Carrero World. A adesão da Academia às comemorações, no entanto, é especial. Afinal, ela foi um dos alvos a serem destruídos pela Semana, juntamente com a métrica, o soneto e a colocação dos pronomes. Sem o fim disso, diziam, o Brasil continuaria no atraso.

Oswald de Andrade e Menotti del Picchia faziam comícios contra “os mamutes literários, os megatérios da poesia, as renas da crítica”. Era preciso “descoelhonetizar a literatura”. Castro Alves era “o batateiro épico da língua”. A Academia era um “museu arqueológico” e seus membros, os “patriarcas do obsoleto”.

Culminou em 1924, com o discurso de Graça Aranha em que, do perplexo púlpito da Academia e para delírio dos modernistas na plateia, ele bradou: “Morra a Academia!”. Graça era famoso e só aí, segundo Carlos Drummond de Andrade, o Brasil ficou sabendo que tinha havido uma Semana de Arte Moderna.

Bem, cem anos depois, como se explica que a Academia celebre a Semana que tanto a combateu? Foi a Academia que se modernizou ou a Semana que se domesticou?

Nem uma coisa nem outra. A Academia continua onde sempre esteve. Os modernistas é que não esperaram nem dez anos para aderir alegremente a ela. Em 1930, Guilherme de Almeida foi o primeiro a vestir o fardão. Seguiram-se, em rápida sucessão, Menotti del Picchia, Candido Motta Filho, Ribeiro Couto, Manuel Bandeira, Cassiano Ricardo e Alceu Amoroso Lima. Em 1927, o próprio Oswald de Andrade submeteu seu romance “A Estrela de Absinto” ao prêmio da Academia. Ganhou menção honrosa, votada por… Coelho Netto.

Sorry, turma, mas foi assim. Agora é esperar pelo Beto Carrero.

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Mural da História

Biografia não autorizada pela família. Editora Nossa Cultura, Toninho Vaz.

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Sam_freezz. © IShotMyself

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#ForaBozo!

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Trip Girl

Juliana Schalch. Revista Trip#205. © Jorge Bispo

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Fraga

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“Não existe racismo no Brasil”

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Maracugina para Queiroga

O ex-médico está irritado. Mas seu problema é com os números, que ele erra por milhares ou milhões

Marcelo Queiroga, ex-médico e atual porta-voz do presidente e ministro da Saúde Jair Bolsonaro, está muito irritadinho no cargo. A qualquer pergunta descontrola-se, faz má-criação ou abandona a entrevista. Em setembro de 2021, em Nova York, quando ajudou a carregar as malas de Bolsonaro na visita deste à ONU para um esquete humorístico, Queiroga estomagou-se com um protesto e mostrou o dedo para as câmeras. Era caso de Maracugina na veia.

Disse há tempos que espera “um bom julgamento da história”. Tarde demais. Seu antecessor Eduardo Pazuello entregou-lhe o país com 11,5 milhões de casos de Covid e 280 mil mortos. Queiroga já elevou esses números para, até agora, 23 milhões de casos e 620 mil mortos. Números, aliás, são um problema para ele. Sempre que tem de citar algum, embarafusta-se com os zeros e erra por milhares ou milhões.

Outro dia, disse que o Brasil tinha 4.000 mortos por uso da vacina antiCovid. Mas, segundo seu próprio ministério, só uma pessoa morreu disso, donde Queiroga errou por 4.000%. Quando ele anuncia que 20 milhões de testes ou 40 milhões de vacinas vão chegar no dia tal, é bom dividir os números pela metade e multiplicar os prazos por dois. Neste momento, atendendo à voz do dono, está sentado nas traseiras, tentando adiar a vacinação das crianças.

Queiroga quer ser governador ou senador por seu estado, a Paraíba. Num comício em João Pessoa, anunciou que Bolsonaro tinha “chamado outro paraibano para vencer uma pandemia”. Referia-se ao presidente Epitácio Pessoa, que “governou o país na época da Gripe Espanhola”. Errou. A Espanhola foi de setembro a novembro de 1918. O presidente era Wenceslau Braz. Na época, Epitácio estava na França, tomando champanhe e preparando-se para fazer figuração na Conferência de Paz, em Versalhes. “Eleito” (votos fraudados) em 13 de abril de 1919, só tomaria posse em 28 de julho.

Em “narrativa”, Queiroga é doutor.

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Dia da Sogra,  28 de abril, em algum lugar do passado.

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A difícil arte do poder

A chuvarada que tem se abatido sobre Curitiba e o Paraná nos últimos dias encheram os reservatórios de água além dos regulamentares 80%. No entanto, os gênios da Sanepar afirmam que ainda não é possível cancelar o racionamento, por uma “questão de detalhes”. Quer dizer, para prejudicar a população com a limitação da entrega da água foi questão de segundos, mas para cancelar o prejuízo depende de “detalhes”. A esses “detalhes” eu chamo de burocracia, incompetência e má vontade. Ante as críticas, inclusive no Boa Noite, Paraná, da RPC, as torneiras serão abertas amanhã, sexta-feira, a partir das 16 horas. Esse é um dos papéis da imprensa. Valeu.

Não é fácil o exercício do poder. Que ele inebria, fascina e seduz, todo mundo sabe. O que pouca gente sabe é exercê-lo. Ou viver sem ele, após havê-lo exercido.

Tive, pessoalmente, alguma experiência com o poder. Não me deixei, porém, seduzir ou corromper por ele, graças a Deus. Caso contrário, não teria condições de estar hoje dizendo as coisas que tenho dito aqui e disse antes no falecido O Estado do Paraná, há quase 25 anos.

Aliás, posso mesmo afiançar ao leitor que, ao contrário do que se afirma, o poder nem sempre corrompe. Até porque, como dizia Bernard Shaw, o poder não corrompe o homem; são os tolos, quando alcançam uma posição, que corrompem o poder. Tudo depende de pessoa para pessoa.

Mas ele é quase sempre cruel. Asfixia, dilacera, consome, ilude, difama e, depois, despreza. É efêmero e sempre passageiro.

Cleonice, minha mulher e querida companheira de jornada, conta que quando seu avô, o venerando Clotário de Macedo Portugal, assumiu, como presidente do Tribunal de Justiça do Estado, a interventoria do Paraná, em substituição a Manoel Ribas, todo mundo o saudava efusivamente nas ruas. Mas, ante o entusiasmo dos pequenos netos, continha-os com sabedoria:

— Não é a mim que eles estão cortejando. É ao cargo que eu ocupo.

Pouca gente – muitíssimo pouca – sabe disso. Ainda mais quando guindada ao poder pelo voto do eleitor incauto ou por uma jogada de esperteza. Então lá em cima, ofuscada pela vaidade, pela prepotência e pela ignorância, empina as narinas, traça normas, dita regras, comete arbitrariedades, afeta a vida das pessoas, quando não dilapida o patrimônio público. Sente-se o próprio senhor do Olimpo. Belo, formoso, infalível, eterno. Quando tem de voltar à planície, é aquele drama.

No correr da vida, assisti – e como assisti! – a muitas cenas patéticas que, além de constrangimento, causaram-me muita pena. Antigos ditadores da administração pública distribuindo ordens, sem que ninguém lhes prestasse atenção; ex-mandatários todo-poderosos perdidos em saguão de aeroporto, sem ser, sequer, reconhecidos pelos transeuntes; velhos chefes de poder, que haviam se notabilizado pelo autoritarismo, pela intransigência, pelo nepotismo, de chapéu na mão, desorientados em corredores de repartições públicas. Sem falar naqueles que foram ou deveriam ter ido parar na cadeia.

Não é fácil o exercício do poder. Boris Pasternak sustentava que, na ânsia por estabelecer o mito da infalibilidade, os detentores do poder ignoram a verdade. Por isso, em regra, precisam ser dissimulados, manhosos, cínicos, espertos. Não basta ser honesto e bem intencionado. É preciso ser, também, sábio e bem-humorado.

O falecido desembargador Alceu Conceição Machado, que foi, certamente, um dos melhores chefes que o Poder Judiciário do Paraná teve, costumava dizer que, nos últimos momentos de poder, nem mesmo o cafezinho é servido quente aos governantes.

Fez disso uma piada e soube largar o bastão de comando com serenidade e alegria. Era um homem inteligente e só deixou saudade.

Quantos de nossos atuais administradores deixarão? Aliás, um outro pensador anônimo do passado apregoava que “se quiseres conhecer verdadeiramente um homem, dê-lhe autoridade”. Ou então, o popular, mas também verdadeiro: “Queres conhecer o poltrão? Dê-lhe o bastão”. Às vezes, o resultado é catastrófico, como o presente tem comprovado.

Publicado em Célio Heitor Guimarães - Blog do Zé Beto | Deixar um comentário
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