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Padrelladas
Diário da gripezinha
Acabou. Não se diz mais população brasileira. Agora se diz sobreviventes. “Como vai fulano? Vai sobrevivendo. O que, cá entre nós, é exagero dizer sobreviventes. Prefiro dizer subviventes. Abaixo da linha da pobreza. Levando a vida, como se diz. Levando sempre. Isso não é nem subviver. Já Monsieur Crorroquine, gozando férias. O que fez durante a vida inteira. Entre uma e outra gozada, vamos descansar que ninguém é de ferro. Do alto do seu albornoz, seja lá o que isso signifique, vê seu povo faminto, desempregado, morrendo como moscas, se bem que moscas morrendo não significa nada.
Brasileiros morrendo também não: por isso morrem como moscas. O que é que eu posso fazer? Não posso fazer nada.
Publicado em Nelson Padrella - Blog do Zé Beto
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Lições para 2022
O reconhecimento e a necessidade de atentar a ciência e de não embarcar em notícias falsas oficiais ou contidas nas mídias sociais ou afirmações anticientíficas.
Usar máscara sempre, higienizar as mãos e tomar todos os cuidados e recomendações para não propagar a pandemia.
Tomar a vacina, a primeira, a segunda, a dose de reforço e as outras que virão.
Valorizar as pessoas e não menosprezar o direito à vida.
Pensar, muito bem, antes de votar.
Entender o luto das pessoas e se solidarizar.
As relações pessoais são infinitamente maiores e mais profundas que telas de computadores e telefones celulares.
Há vida fora das mídias sociais.
Valorizar a família, o trabalho e as relações humanas.
Entender que a perda de quase setecentas mil pessoas não foi normal e poderia ser, em parte, evitada, a história registrará isso.
O novo ano será uma nova etapa, contudo, não nos descuidemos.
É necessária uma política de saúde pública para tratar do luto coletivo, decorrente da pandemia, mas por enquanto os governos mundiais não estão preocupados com isso.
A sociedade brasileira precisa de mudanças de hábitos, e um grande reforço da ideia de fraternidade e solidariedade.
O Estado é fundamental para deter pandemias e socorrer as pessoas, em quaisquer casos, sejam sanitários, sociais e educacionais.
A ciência salvou milhões de pessoas por meio da vacinação e das políticas de saúde coletiva. Parte do mundo foi excluída e desses países é que surgiram as variantes, portanto todo planeta está conectado. Precisamos de uma fraternidade econômica global.
A única saída para o planeta é o amor coletivo, isso inclui todos os seres humanos e o meio ambiente, fauna e flora.
O poder econômico está alterando o clima da Terra, mas não responde por catástrofes climáticas e ambientais, temos que mudar isso.
Prevenir-se individualmente tem profundos reflexos no coletivo e diz respeito a tomar atitudes sensatas e objetivas e fazer o óbvio.
As crianças devem ser vacinadas.
Nisso tudo, os grandes heróis são médicos, enfermeiros, atendentes, todo pessoal de apoio, limpeza e retaguarda e os pesquisadores.
Nossos salvadores também são todos os que tomaram a vacina e obedecem e atendem à ciência e às regras sanitárias.
Não há indivíduo sem a coletividade.
Sonhos frustrados
Orson, Glauber, Kubrick, Hitchcock, todos sonharam com filmes que nunca puderam fazer
Quando alguém do cinema me diz que desistiu de um filme que estava lutando para rodar, penso no prejuízo potencial para a cultura. E se o filme saísse uma obra-prima? Toda arte leva a frustrações, mas o cinema é cruel. Entre a concepção original de um filme e este na lata, podem-se passar anos –ou o filme nunca chegar à lata.
Não é um problema só nosso, nem de hoje. O russo Eisenstein não pôde filmar “Uma Tragédia Americana”, do livro de Theodore Dreiser, e nunca completou “Que Viva México!” (1931). Orson Welles deixou pela metade “It’s All True”, em 42, e “Dom Quixote”, em 59. Vincente Minnelli nem pôde começar o talvez último grande musical da MGM, “Say It with Music”, em 61 —a MGM acabou antes.
No Brasil, Nelson Pereira dos Santos sonhava fazer de “Rio 40 Graus” (55) e “Rio Zona Norte” (57) uma trilogia com “Rio Zona Sul”, mas este nunca saiu do papel. Glauber Rocha se entendeu com Nelson Rodrigues para filmar uma de suas peças, mas desistiu, pelo inevitável choque autoral —os dois eram gênios (Leon Hirszman, que herdou o projeto, não tinha esse problema). E Carlos Manga, mestre das chanchadas, acalentou uma grande ideia jamais realizada: a vida de Carmen Miranda.
Alain Resnais, recém-saído de “O Ano Passado em Marienbad” (61), queria levar para a tela Mandrake, o Mágico —teria sido sensacional. Já pensou se Stanley Kubrick conseguisse filmar “Napoleão”, pelo qual lutou durante anos? E o gourmet Hitchcock alimentou um dos projetos mais delirantes da história.
Ele queria fazer um filme de suspense sobre a… alimentação. Começaria pela criação, o abate, a colheita e a chegada dos alimentos à feira e sua estocagem num frigorífico. Depois, a etapa da cozinha, a transformação, o preparo. O apogeu, um jantar em black-tie. E então o inglório destino das delícias, nos encanamentos subterrâneos da grande cidade. Hitchcock só não sabia ainda em que momento aconteceria o crime.
Publicado em Ruy Castro - Folha de São Paulo
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Pompéia
quando eu tiver setenta anos
então vai acabar esta adolescência
vou largar da vida louca
e terminar minha livre docência
vou fazer o que meu pai quer
começar a vida com passo perfeito
vou fazer o que minha mãe deseja
aproveitar as oportunidades
de virar um pilar da sociedade
e terminar meu curso de direito
então ver tudo em sã consciência
quando acabar esta adolescência.
Publicado em Todo dia é dia
Com a tag o bandido que sabia latim, paulo leminski
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A história sem registro
“Get Back”, a série de Peter Jackson sobre a última vez que os Beatles se juntaram para trabalhar, é o sucesso do momento. A única pessoa de minhas relações que ainda não o viu sou eu –não por falta de interesse, mas de tempo. Além disso, como ele está no streaming, imagino que esperará até que eu me libere do serviço. Pelo que sei, é uma maravilha de quase nove horas de duração, envolvendo a gravação dos álbuns “Abbey Road” e “Let It Be” e o concerto no famoso terraço em Londres. Na época, janeiro de 1969, os jornais e revistas só falavam disso. Ninguém imaginava que, 52 anos depois, aqueles sons e imagens chegariam até nós.
Ótimo para a história da música popular e para as novas gerações, que estão tendo acesso às intimidades de um formidável grupo do passado. Só lamento que, num passado ainda mais remoto, nem os americanos tivessem condições de fazer o mesmo com artistas tão essenciais em seu tempo quanto os Beatles nos anos 60.
Pelos copiosos áudios de que dispomos e, no máximo, algumas fotografias, só podemos imaginar Louis Armstrong em 1927, pouco depois de trocar o cornet pelo trompete, gravando “Potato Head Blues” com Johnny Dodds à clarineta e Kid Ory ao trombone. Ou Duke Ellington e sua orquestra no Cotton Club, em 1930, já com os metais em surdina fazendo wa-wa e o glorioso Johnny Hodges ao sax-alto. E não seria extasiante ver Billie Holiday, aos 20 aninhos, em 1935, cantando “If You Were Mine”, com Teddy Wilson ao piano?
Alguém terá filmado o concerto de Benny Goodman no Carnegie Hall em 1938, a primeira vez que se ouviu jazz num espaço “nobre”? E haverá pelo menos um caco de filme com Charlie Parker, Dizzy Gillespie e Thelonious Monk inventando o bebop nas madrugadas da rua 52, em Nova York, em 1942?
Não. Nada disso existe. Eles ainda não eram importantes. Só nos resta ouvir os discos, fechar os olhos e dar curso à nossa capacidade de sonhar.
Publicado em Ruy Castro - Folha de São Paulo
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Padrelladas
Pra injicar
Publicado em Nelson Padrella - Blog do Zé Beto
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