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Gente de Itararé
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O demolidor da República e seus cúmplices
Já não é mais possível saber qual dos atentados de Bolsonaro foi o mais grave nos dois anos de seu tenebroso governo, mas a terça-feira passada é forte candidata a entrar para a história como o dia em que o presidente declarou guerra a seus governados. Jamais houve nada parecido com isso em tempos democráticos.
Bolsonaro deu declarações em que explicitamente desencorajou seus compatriotas de tomar a vacina contra a covid-19, fazendo terrorismo acerca de eventuais efeitos colaterais. No dia anterior, Bolsonaro havia informado que, diante das ressalvas dos laboratórios, exigirá de quem queira tomar a vacina a assinatura de um “termo de responsabilidade”. Ele mesmo anunciou que não tomará a vacina, “e ponto final”.
Desde o início da pandemia, a única preocupação de Bolsonaro é livrar-se de qualquer responsabilidade, seja sobre as mortes, seja sobre os problemas econômicos. Mas atribuir aos próprios cidadãos uma responsabilidade que é inteiramente do Estado constitui desfaçatez inaudita até para este governo. Para ser aplicada, qualquer vacina precisa ser autorizada pelos órgãos sanitários competentes, que nesse ato reconhecem sua responsabilidade. Assim, não há nenhuma base jurídica para exigir dos cidadãos um termo de consentimento diante dos supostos riscos.
Mas Bolsonaro nunca esteve preocupado com bases jurídicas ou quaisquer outros pormenores republicanos. Perdeu-se a conta de quantas medidas provisórias, decretos e projetos de lei produzidos por ordem de Bolsonaro foram ignorados, suspensos ou rejeitados pelo Congresso e pelo Supremo Tribunal Federal por não atenderem aos requisitos mínimos de legalidade e interesse público.
O desdém de Bolsonaro pela República que lhe coube presidir é tamanho que, para ele, nem mesmo sua assinatura vale o papel em que foi escrita. Seu nome chancela o Decreto 10.045, de 4 de outubro de 2019, que determina a inclusão da Ceagesp no Programa Nacional de Desestatização. Contudo, esse mesmo signatário, em tom de comício, subiu num palanque na Ceagesp, na terça-feira passada, para garantir que “nenhum rato” privatizará a companhia. Referia-se, obviamente, ao governador paulista e principal desafeto, João Doria.
Tampouco o princípio republicano da impessoalidade resistiu à ofensiva bolsonarista para aparelhar o Estado com apaniguados a serviço do presidente e de seus filhos. A Procuradoria-Geral da República, a Polícia Federal e a Agência Brasileira de Inteligência são hoje comandadas por leais servidores de Bolsonaro, que parecem empenhados em tranquilizar o chefe e sua prole enrolada na Justiça.
Assim, na sua empreitada para arruinar a República, Bolsonaro conta com vários outros cúmplices – como os comerciantes que se aglomeraram sem máscara e urraram de excitação com o discurso virulento de Bolsonaro na Ceagesp, os policiais e os militares que o tratam como “mito” em eventos País afora e os políticos do Centrão que lhe dão guarida parlamentar em troca de acesso ao butim do Estado.
Confortável, Bolsonaro abandonou de vez a fantasia reformista que inventou para se eleger e anunciou que retomará sua agenda deletéria, a começar pela nova tentativa de ampliar a excludente de ilicitude para policiais, um projeto já rejeitado pela Câmara por constituir evidente licença para matar.
Defender que policiais fiquem fora do alcance da lei para que possam matar à vontade, bem como sabotar os esforços para vacinar a população contra a covid-19, são atitudes típicas de um presidente que, hostil aos princípios republicanos, trata todos os cidadãos da República – com exceção dos que levam seu sobrenome – como inimigos em potencial.
Kassio restringe prazo de inelegibilidade da Lei da Ficha Limpa
Kassio Nunes Marques atendeu a um pedido do PDT e suspendeu um trecho da Lei da Ficha Limpa que determina que o prazo de inelegibilidade de oito anos para condenados terá efeito após o cumprimento da pena.
O ministro do STF excluiu a expressão “após o cumprimento da pena”, que consta em um dispositivo que estabelece as regras sobre inelegibilidade de candidatos.
Segundo o dispositivo, são inelegíveis para qualquer cargo “os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de oito anos após o cumprimento da pena”, por crimes contra a economia popular, fé pública, administração pública, patrimônio público, entre outros.
Publicado em Antagonista
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Deu micose no jazz
Até hoje não descobri se ao boêmio é melhor a fidelidade extrema a um bar ou se a solução está em prevaricar a cada dia em boteco diferente.
Não sei nem me interessa saber, posto que jamais fui fiel a bar algum. Entrava e saí de tantos quantos a sede exigisse, fosse qual fosse o adiantado da hora. Falar nisso: também não sou capaz de atinar com a palavra adiantado da expressão acima, considerando que um boêmio está sempre atrasado.
Fica assim estabelecido que éramos infiéis contumazes, trocando de bar como trocávamos de meias. Falar em meias: o Leminski chegava a trocar ambas ao mesmo tempo, saindo de casa com uma amarela e outra vermelha, achando tão normal quanto um Raul Seixas. Pena a Lina Faria não ter fotografado as particularidades leminskianas.
Entre um bar e outro, incorporavam-se outros tantos à maratona. É que bares têm manias, como se velhos fossem. Fecham em horas inoportunas, os tira-gostos nem sempre estão a gosto. Falar nessas coisas: um dia sou chamado ao Geraes, botequim mineiro que não vingou na esquina da Rua do Rio com a Visconde do Rio Branco. Antes de sentar pergunto ao chefe da mesa como vai tudo. O chefe era Nireu Teixeira. Vai mal, disse ele. A cerveja que devia estar gelada, vem quente. O torresmo que deveria vir quente, eles servem gelado. Não se fazem mais bares como antes, suspirou.
Então uma noite estávamos no Bar do Queixo, adrede conhecido como Botafogo. Mesa grande, aquela quantidade enervante de homens. E uma mulher, Cleide Werner, namorada do João Alfredo. Falar em João Alfredo: economista do IPPUC, a Dóris deve conhecer.
A Cleide é de Blumenau, veraneava em Camboriú. Todo fim de semana, João Alfredo embarcava em um Catarinense para ver a namorada. Algumas vezes o velho Werner deixava a menina subir a serra. Seus cuidados eram justificados. A Cleide tinha 17 anos, parecia ter 14. Seu namorado já era homem feito, cheio de malícias, se me faço entender. E de micoses.
Foi o que ficamos sabendo aquela noite, quando, sabe-se lá por quais razões, a Cleide contou que o João Alfredo gostava de ir à praia colocar suas micoses ao sol. Inconfidência catarina, mal que ataca as pessoas lá nascidas, eis que a senhora minha mãe também de lá é procedente. Conheço, pois, tais pecadilhos.
Sérgio Mercer trocou meio olhar com o Solda e ambos acertaram a perdiz ao mesmo tempo. Mercer levantou sacudindo a barriga para emendar uma versão de Because of You. A letra era minimalista: “Micose of You, Blumenau, Camboriú”.
Mas o que ele fez com essas cinco palavras, os scats que foi capaz de mandar ver, qual uma Aretha Franklin, uma Billie Holliday, só quem estava lá pôde se deliciar. Falar em instrumentos tocados pelo Gordo: ele criou dois, os quais, por isso mesmo, tocava como ninguém. O bandoneón imaginário e o trumpete vocal. O bandoneón era escravizado sobre a coxa, na qual depositava um lenço, por supuesto. O trumpete era tocado com o canto da boca, o dedão direito sobre o lábio inferior, os dedos abertos à frente, mindinho direito grudado ao dedão esquerdo.
A execução de Micose of You durou quase dez minutos. Mercer e seu trumpete, dignos do Satchmo, jamais foram ouvidos de novo. Felizmente, também jamais olvidados.
João Alfredo foi imortalizado. Ninguém sabe se o sol de Camboriú ajudou a curar suas micoses. A Cleide casou com ele mesmo assim. Melhor: ainda estão casados. Falar nisso: tem dois filhos, a Ana e o Bernardo. Não consta que tenham herdado os fungos do pai.
Afinal, o que são “bagarocas”?
pilourinha
duas ou três coisas que eu não sei dela
poraquê de bengala
não tira a camiseta preta
gasta vela boa com defunto ruim
bombons envenenados na porta do colégio
maracutaia escarlate
pistilo marofado
tetas & o nicho-de-pé
o peiote no paranapanema
horizonte da oitava casa
natimorto
miscelânias
bica podada
um dândi adornado no vestido da primavera
ela continua subindo a ladeira
acéfala
esteios
a metamorfose da bisa no telhado do pileque
vigília
les belles manières
*
Afinal, o que são “bagarocas”? A palavra não está no dicionário e, ao dar um google, não a encontro na rede. Pode ser dessas corruptelas que se comete quando criança e se guarda, com carinho, na memória. Ou palavra secreta (private joke ou expressão de afeto) que, cúmplices, dividimos com alguém. Não perguntei ao autor para saber. Assim, posso também lê-la como palavra-valise, fusão de palavras, e entendê-la à minha maneira. “Baga”, “fruto”, “gota”, ou, na linguagem das ruas, “cachaça” ou “ponta de cigarro” (maconha ou tabaco). “Oca” (-oca), sufixo diminutivo, com sentido afetivo ou pejorativo. Ou adjetivo feminino de “oco”, “vazio por dentro”, “desprovido de sentido”. Ou ainda “oca”, substantivo, habitação típica indígena, derivado do tupi “oka”, que significa “casa”. Entre “cabo” e “rabo” da palavra, outras tantas combinações possíveis, de letras e sílabas: “bago”, “Baco”, “boca”, “roca”, “broca”, “garoa”, “grosa”, “rosa”, “barroco”, “barraco”, “barroca”. E associações várias: “baganas”, “bagaços”, “bagatelas”, “bagalhoças”. Em suma: bela barafunda.
Mallarmé às avessas, Vinicius Comoti quer dar um sentido ainda mais impuro às palavras da tribo: “um tapa na baga jamais abolirá a noite interior”. Versos sacados aqui e ali revelam a insólita e vertiginosa imagética, bem como a provocação entre derrisão e nonsense de sua poesia. E podem ser lidos também como instantâneos metapoéticos: “passagem de um rinoceronte cubista soterrando os últimos românticos”; “desabotoo a delicadeza da gruta na boca do lixo”; “o bairro contaminado com a maionese da hosana”; “imagens incineradas do inconsciente de macunaíma”; “bestiário das cambalhotas do fundo do ar”; “decadentista papando rollmops na igreja da santa cecília”. Entre culto e rastaquera, em acaso calculado, Comoti realiza uma poesia que desestabiliza referências – as da linguagem poética, as do leitor de poesia. Vale provar destas “bagarocas”. (Marcello Sandmann)
*
Bar do Coração
O órgão muscular de Vinicius Comoti (bruxo, cineasta, curandeiro e membro da Associação dos Poetas Rupestres de Ourinhos) situado na cavidade torácica entre os pulmões, num espaço denominado mediastino, também chamado coração (presente nos humanos e em outros animais) bombeia o sangue através dos vasos sanguíneos do sistema circulatório.
O sangue fornece ao corpo, nuvens, árvores, céu estrelado, sangue, suor e lágrimas, sobremesas, ervilhas, bailes de debutantes, Nina Simone, sempre cantando I put a spell on you, amores inesquecíveis, duplicatas vencidas, boletos, nutrientes, livros comprados em sebos, brioches, medalhinhas de São Jorge, autógrafos de Marilyn Monroe, elimina resíduos metabólicos, desafetos, parentes distantes, trovoadas e chuvas intensas, ajuda na formação da última flor do lácio – inculta e bela e a cena final de Hamlet, além de beijos, gritos e sussurros.
Sangue do meu sangue, sangre, insiste sempre Vinicius Comoti, no cio. Seus manuscritos, sempre em tábula rasa, gritam rasga, coração! Mas o coração não lhe dá ouvidos e segue em frente, cumprindo a árdua tarefa de bater, bater, normalmente de 60 a 100 vezes por minuto. Bate bem o coração do poeta, mas sempre apanha no final, mas aí já é outra conversa. Então vem o verso, o reverso da mesma moeda, e Vinicius, em plena madrugada, entoa cânticos às paixões, mordiscando o bico do peito da ninfeta de cabelos ao vento. Longe dali, ali mesmo, o menino transverso, perverso, ejacula sonetos irreverentes, ruborizado. Na escuridão, ouve o canto da cotovia, prece clara e jubilosa. E vice-versa. Luminoso vaga-lume brincando com as constelações, numa bioluminescência eterna.
Vinícius mostra que os mortais têm a liberdade e habilidade dos deuses, divertindo-se com os afazeres da vida cotidiana cometendo pecados imortais, pagando tudo com a própria vida, já que a morte não deixa por menos. E mais: todos os seus versos, um por todos, e todos por um, só têm um compromisso: a poesia. Dou minha palavra. E não aceito de volta. (Luiz Antonio Solda)
Vinicius Comoti|Bagarocas|Lumme Editor|2020|Brasil|Altura: 21,00 cm|Largura: 14,00 cm|64 páginas
Diário da Crise CCLXXIV
Ele sabe que a vacina da Pfizer é um produto da medicina genética e trabalha com a técnica de RNA mensageiro, na verdade um envelope enviado às celulas, com uma capa de gordura.
A medicina genética já tem apresentado importantes resultados este ano e na resenha do New York Times há menção ao trabalho para devolver a visão ao cego. As possibilidades abertas pela vacina contra coronavírus podem ser importantes também para terapias genéticas contra doenças perigosas, como o câncer.
Muitos estadistas estão dispostos a tomar vacina em público, como Barack Obama, Bill Clinton e George W. Bush. A própria Rainha da Inglaterra está esperando na fila para tomar sua dose.
Ao comentar a fala de Bolsonaro lembrei hoje na tevê que o vice-presidente dos EUA, Mike Pence, se vacinou numa cerimônia pública. Como o jornal das 10 só volta agora na segunda feira, assumi o compromisso de anunciar em edição extra se o vice-presidente dos EUA virar jacaré nesse fim de semana.
Essa história do Bolsonaro me lembrou um dos mitos populares do Brasil: a mula sem cabeça. Ela costumava aparecer nas noites sem lua. Escrevi alguns ensaios sobre os mitos populares no Brasil e um deles foi sobre a mula sem cabeça.
Interessante é que o mantive na gaveta, apesar de ser um texto que gosto muito. Nele desenvolvo uma hipótese de que a mula sem cabeça foi também um mito destinado a inibir o sexo nas sacristias. As moças que transavam com padres é que se tornavam mulas sem cabeça.
Essa é uma digressão de fim de semana. O medo de homem falar fino está presente em muitas outras pequenas crenças no Brasil. Qualquer dia me ocupo disso. Nesse fim de semana, estou muito feliz e não vou cuidar da cabeça de Bolsonaro.
Publicado em Fernando Gabeira - Blog
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O presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, defendeu que a PGR investigue a Abingate
Como revelou a Crusoé, o diretor-geral da Abin, Alexandre Ramagem, enviou pessoalmente a Flávio Bolsonaro os relatórios clandestinos fabricados por arapongas bolsonaristas para salvar o filho do presidente do inquérito da rachadinha.
Publicado em Antagonista
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Ramagem levou para Abin seguranças que atuaram na campanha de Bolsonaro
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