Aos poucos, ele agrupa gente embalada capaz de perpetuá-lo no poder
Jair Bolsonaro foi chamado de genocida e fascista em plena Câmara dos Deputados e reagiu com um alegre “Nos vemos em 22!”. É o seu estilo. Não só nenhum conceito o abala —uma zebra se abala ao ser chamada de zebra?—, como está convicto de sua reeleição em 2022. Talvez com razão, porque vive em campanha desde a posse, a 1º de janeiro de 2019 —o que inclui apunhalar aliados, corromper as instituições e tapear os que, bovinamente, acreditam nele. Enquanto isso, e sem que se perceba, tece uma vasta urdidura armada para, de um jeito ou de outro, se perpetuar no poder.
Sua atração por oficiais de baixa patente, PMs, bombeiros, delegados e investigadores, por exemplo, não é um desvio suspeito como parece. Bolsonaro os vê como sua tropa de choque numa eventualidade. A cada formatura de cadetes ou baile de sargentos a que comparece, planta a sedição —os milicos sabem bem o que é isso. E não descansará enquanto não minar a autoridade estadual sobre as polícias Civil e Militar, drenando-as para si, com o que, no caso de um possível confronto, elas atirarão a seu favor.
A obsessão em promover a compra e o porte de armas pela população também não se refere à nossa segurança pessoal —você se vê reagindo a um arrastão em seu prédio?—, nem é um mimo aos “colecionadores” de fuzis e matadores de jacarés. É para armar os seus 30% de seguidores.
Seria um acaso que ele e seus filhos tivessem tantos milicianos, pistoleiros e armazenadores de munição como funcionários, vizinhos de condomínio ou parças de churrasco? Getulio Vargas, por razões higiênicas, deixava esse contato a cargo de Gregorio Fortunato. Os Bolsonaros dispensam intermediários.
E ele já tem gente infiltrada em todas as repartições federais, monitorando decisões, medidas, contratações. Se você trabalha numa delas, o home office tem pelo menos esta vantagem —poupa-o do mau cheiro.
O trio Kicis-Zambelli-Damares representa o que há de pior para as causas femininas
Expectativa: exercitar a sororidade. Realidade: Bia Kicis. A deputada do PSL-DF, eleita na esteira do bolsonarismo e uma das mais ferrenhas lambe-botas do presidente, deve assumir a presidência da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara.
A indicação dela é um escárnio. A parlamentar é investigada por financiar com dinheiro público a propagação de mensagens a favor de atos pelo fechamento do Congresso e do STF. Trata-se de uma golpista de carteirinha, que terá também o poder de analisar pedidos de impeachment contra o presidente golpista.
A ala feminina que apoia Jair Bolsonaro é a prova de que caráter não é questão de gênero. Não adianta ter mais representatividade na política quando significa empoderar mulheres do naipe Kicis-Zambelli-Damares. O trio é a vergonha da raça e representa o que há de pior para as causas femininas.
Em dois anos, Kicis conseguiu se destacar apenas pelas polêmicas que coleciona, pelos linchamentos que promove. Ataca feministas, ironiza assédio sexual, diz que o feminismo é “máquina de moer lindas jovens e transformá-las em barangas”. Antes ser baranga a ser pau-mandado de genocida.
É a quarta parlamentar que mais dissemina mentiras nas redes sociais, segundo levantamento da agência Aos Fatos. Só fica atrás de Osmar Terra, Eduardo Bolsonaro e Carla Zambelli. Não por acaso é investigada no inquérito das fake news. Culpa a China pela coronavírus, é contra o uso de máscaras e entre seus projetos estão a volta do voto impresso, diminuição da idade de aposentadoria dos ministros do STF, escola sem partido.
Só mesmo em um buraco chamado Brasil é que uma pessoa assim, um verdadeiro boletim de ocorrência ambulante, pôde ter sido procuradora da República e agora virar guardiã da Constituição. Não há sororidade que resista ao chorume do currículo de Bia Kicis.
O deputado Marcelo Ramos (PL), novo vice-presidente da Câmara, disse à CBN que “há um constrangimento, não há como negar” com a indicação de Bia Kicis para a CCJ. Ele afirmou ter levado essa preocupação à própria deputada:
“A senhora tem uma dificuldade de estabelecer uma relação de confiança com o conjunto de líderes, com uma parcela da sociedade e com os tribunais superiores do País com os quais a Comissão de Constituição e Justiça deve ter um diálogo sadio e fraterno.”
Há uma reação muito grande da sociedade. A deputada Bia Kicis foi muito agressiva com membros do Supremo Tribunal Federal. Ela, em determinado momento, defendeu o que se chama de intervenção militar constitucional, o que é uma aberração. Não existe intervenção militar dentro da Constituição.”
Enquanto o maldito coronavírus continua ceifando a vida dos brasileiros, o capitão presidente vai construindo puxadinhos do Palácio do Planalto e neles armazenando o que há de pior na vida pública nacional. Já havia acomodado Alexandre Ramagem, na Abin; Rolando Alexandre de Souza, aliado da prole bolsonariana, na direção-geral da Polícia Federal; e André Luiz de Almeida Mendonça, no Ministério da Justiça e Segurança Pública. Aí, instalou Augusto Aras na Procuradoria Geral da República e começou a instrumentalizar o Supremo Tribunal Federal com o até então obscuro Kassio Nunes Marques, chancelado pelos ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli. Quer dizer, a fina flor do rebotalho verde e amarelo.
Na segunda-feira, foi o dia de Bolsonaro colocar o coturno no Legislativo. Colocou o inexpressivo Rodrigo Pacheco na presidência do Senado Federal e do Congresso Nacional, com o apoio do PT, PDT, Rede e parte do MDB, destacadas siglas da “oposição”. Na fala inicial, o senador de primeiro mandato, defendeu a “pacificação das relações políticas e institucionais”, sem especificar quais seriam essas relações, e reafirmou o compromisso com a independência do Senado, em nome da governabilidade. Quer dizer, sob o comando do presidente da República.
Para a presidência da Câmara dos Deputados, mais do que nunca despida de talentos, o capitão Messias escalou um legítimo representante da oligarquia alagoana, Arthur Lira, pessoalmente afinado com a conduta da família bolsonariana: é suspeito de envolvimento em desvio de dinheiro da Assembleia Legislativa de Alagoas, entre 2001 e 2007. Quer dizer, “gente nossa”.
De acordo com a Procuradoria Geral da República, então comandada por Raquel Dodge, a fraude se dava, como de costume, a partir da apropriação de parte dos salários de funcionários e também da inclusão de falsos funcionários na folha de pagamento da Assembleia. Eles repassavam o dinheiro destinado ao pagamento de salários aos deputados ou a pessoas indicadas pelos parlamentares. Segundo a denúncia, de 2001 a 2007, Arthur Lira movimentou em sua conta mais de R$ 9,5 milhões.
Durante o cumprimento dos mandados judiciais, teria sido apreendida em uma das residências de Lira uma planilha denominada de “cheques em aberto a vencer” no total de mais de R$ 1,3 milhão. Documentos indicam que o desvio de recurso em questão resultava em uma renda mensal de R$ 500 mil ao parlamentar.
Segundo a denúncia, “o grupo criminoso liderado por Lira também utilizava empresas de terceiros para simular negociações jurídicas/financeiras, buscando operacionalizar o desvio de recursos e ocultar a origem ilícita”.
Infelizmente, quando da denúncia, em 2018, o crime de formação de quadrilha já tinha prescrito pela demora do andamento judicial. Por isso, o então deputado foi apenas denunciado pelos crimes de peculato e lavagem de dinheiro.
A Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Alagoas condenou Lira por improbidade administrativa. A parte criminal chegou a ser enviada ao Supremo Tribunal Federal, mas foi reencaminhada de volta ao TJ de Alagoas por causa da mudança de entendimento sobre o foro. No momento, o caso segue em andamento, em sigilo, claro.
Enquanto isso, sob a proteção de Jair Messias, Arthur Lira ocupa a chefia da Câmara Federal, a quem cabe receber e processar pedidos de impeachment do presidente. Quer dizer, sem risco de sobressaltos.
Jair Bolsonaro – como registrou a Folha de S. Paulo em editorial – “consumou o estelionato eleitoral ao despir-se dos últimos fiapos do disfarce de vingador da política que vestiu em 2018. Enganou apenas quem não acompanhou seus sete mandatos como deputado federal especializado na arraia-miúda das transações parlamentares”.
E assim, de puxadinho em puxadinho, o capitão vai tocando o seu trolinho ladeira abaixo, agora com três únicas preocupações na cabeça: manter-se no poder, afastar os filhos da cadeia e reeleger-se em 2022.
A ainda deputada federal Flordelis dos Santos (PSD-RJ) foi indicada para assumir a vaga de titular da Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados. Sim, você leu certo. Ela mesma divulgou a notícia, assim como usou as redes sociais ontem para falar de seu apoio a Arthur Lira.
A parlamentar é ré por suspeita de ser a mandante do assassinato do marido, o pastor Anderson do Carmo – morto com seis tiros na madrugada de 16 de junho de 2019 na garagem de casa. Os executores, segundo a denúncia, foram seu filho biológico Adriano dos Santos Rodrigues e o adotivo Lucas dos Santos.
Dois anos de um governo irônico resultaram nessa terra arrasada, e nunca uma piada ruim foi tão longe
Esse governo deve ser ótimo pra quem trabalha com humor —dizem aqueles que não trabalham com humor. Quem vive de fazer rir tem passado maus bocados. Não se faz paródia de uma paródia. As sátiras só funcionam pra desmontar quem se leva a sério. Não tem graça rir do que já se assume como ridículo. A piada então se volta contra você: parece que foi você quem não entendeu.
Percebi o poder da ironia na adolescência. Passei anos falando o que pensava. Quem fala o contrário do que pensa acerta até quando erra. É impossível discordar de quem não se sabe o que pensa. O irônico traveste de sagacidade sua covardia. Ganha um salvo-conduto pra ser babaca, porque afinal só está tentando fazer rir —mesmo que ninguém esteja rindo. A longo prazo, no entanto, perde tudo. A ironia não permite que se criem vínculos —debaixo do seu cavalo não cresce grama.
“Qualquer um que tenha a petulância herética de perguntar a um ironista o que ele na verdade defende acaba parecendo histérico ou pedante”, diz o Foster Wallace, em tradução do Sérgio Rodrigues. “A ironia, embora prazerosa, tem uma função quase que exclusivamente negativa. É boa pra limpar o terreno.”
Dois anos de um governo irônico resultaram nessa terra arrasada. Nunca uma piada ruim foi tão longe: precisamente 225 mil mortos. Como representante dos alunos da última fileira, é duro pra mim admitir: Bolsonaro pertence à turma do fundão. Não se tem acesso ao que ele pensa de verdade —há quem diga que o contato prolongado com o mercúrio, na época do garimpo, fez com que ele nem sequer pense.
Seu motor é a provocação. Quando dá cloroquina pra uma ema, está fazendo uma paródia de si mesmo —adianta a cena que um humorista faria ao imitá-lo, tornando a profissão obsoleta. Não tem graça rir do seu gesto, porque rir é precisamente o que ele queria que você fizesse. Mesmo quando fala sério, finge que faz piada. Quando disse que acabou com a Lava Jato, alegou, no dia seguinte, que estava sendo irônico.
Ao mandar a oposição “enfiar o leite condensado no rabo”, operou um milagre: paramos de falar em desvio de verba e passamos a falar em “quebra de decoro”.
O corrupto que chefia uma quadrilha passou a ser tratado como um simples desbocado. Quando um crime é cometido, pouco importa se o assassino está nu. Permitam-me: foda-se a quebra de decoro. Em qual rabo caberia tanto leite, senão no cuzão que nos governa?
A incontestável vitória de Arthur Lira (PP-AL) para a Presidência da Câmara dos Deputados afasta a possibilidade de que um dos mais de 60 pedidos de impeachment de Jair Bolsonaro ou que uma CPI da Pandemia prosperem. Pelo menos, enquanto o presidente da República disser “sim, senhor” e “sim, senhora” aos seus mais de 300 novos sócios. E aceitar pagar para governar.
Em troca de relativa tranquilidade até o final do mandato e da construção de um bloco com forte entrada no Nordeste, o que ajuda a pavimentar a sua reeleição (Lira, de Alagoas, conseguiu até apoio de políticos da região que pertencem a partidos de esquerda), o presidente da República terá que dividir o poder.
O que significa, por exemplo, engolir palavras que já proferiu como “quem demite ministro sou eu”. Na verdade, não mais. Ministérios com orçamentos, cargos e capacidade de gerar impacto nas bases de congressistas, como o da Saúde, da Cidadania e da Educação terão que, mais cedo ou mais tarde, serem entregues a indicados de seus novos sócios.
O contrato fisiológico estabelecido entre Congresso Nacional e Palácio do Planalto é muito mais um “aluguel” do que uma “compra”, como escrevi aqui ontem. Tanto que, se os pagamentos cessarem, não há pudor em romper o contrato e despejar o inquilino. Uma boa sugestão, portanto, é que Jair deixe tudo no débito automático.
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