Diário da Crise LIII

Terminou hoje a novela dos exames de Bolsonaro. Foram negativos para o coronavírus. Felizmente acabou a novela. Todos ganharam. Bolsonaro pode dizer que foi perseguido injustamente, pois sempre disse a verdade. O Estadão pode reafirmar a tese de que a saúde de um presidente é uma questão de estado: não deve ser vista sob o ângulo de direito à privacidade.

Continua entretanto a novela do vídeo. Esta novela só termina quando o vídeo for exibido. Muitos vão extrair conclusões diferentes. Mas a conclusão que importa é a do Procurador Geral da República. Compete a ele, denunciar ou não Bolsonaro.

O Ministro da Saúde está na corda bamba. As razões são as de sempre, quase as mesmas que derrubaram Mandetta: abertura precoce, cloroquina. Nas redes sociais bolsonaristas já há um clamor pela sua demissão. Ao contrário de Mandetta nem a opinião pública antibolsonaro ele conseguiu seduzir.

As tramas envolvendo Bolsonaro ainda dominam a cena. Mesmo aqui, algumas pessoas me censuram por ser brando na crítica. Outras ficam bravas porque são a favor de Bolsonaro.

Se achasse Bolsonaro o centro do mundo já  teria me candidatado para essas expedições a Marte. Alguns acham que sou oposicão a Bolsonaro porque trabalho na Globo, onde exibo meus documentários. Sou da oposicão desde que me entendo por gente.

Hoje o sol nos abandonou. Não completamente. Na televisão perguntaram pelo gato que sempre aparece quando faço comentários. É o Nino.

Ultimamente ele está buscando lugares mais quentes para dormir. Costuma aparecer no jornal das seis. Mas hoje ele enrolou o pescoço numa sacola de papel, correu alvoroçado e com o susto se escondeu. Ele deve ter sentido aquele barulho como se o mundo estivesse caindo na sua cabeça.

Pela manhã entrevistei, junto com outros, um jurista sobre lockdown. Lembrei que medidas restritivas em crises sanitárias são quase sempre contestadas, em nome da liberdade individual. Foi assim na Revolta da Vacina, em 1904, na Revolta das Máscaras nos EUA durante a gripe espanhola, e está sendo assim agora.

Ele lembrou que as leis são para salvar vidas e mencionou a vacina obrigatória. Não tive tempo de contestar, mas a vacina obrigatória  despertou um movimento de desobediência em vários paises do mundo. Sobrevive até hoje.

O New York Times publica uma excelente reportagem sobre a pandemia na América do Sul. Estamos sendo muito atingidos, sem a mesma repercussão das tragédias na Europa e Estados Unidos.

A reportagem destaca três paises: Brasil, Peru e Equador. No Cone Sul a pandemia é mais branda. Não temos condições de impor um lockdown e manter em casa pessoas que não têm como ficar amontoadas em cômodos pequenos e úmidos: vamos sofrer muito.

Hoje li no Estadão que a pandemia está dificultando o diagnóstico e tratamento de 50 mil casos de câncer. Nem todos os hospitais estão cheios. Mas há medo de buscar tratamento e contrair o covid 19.

São tempos muito difíceis. Amanhã às 18h conversarei sobre eles com o Embaixador Marcos Azambuja, numa live do CEBRI, Centro Brasileiro de Relações Exteriores. Partilhamos de um senso de humor mesmo em situações tão terriveis como essa. O titulo é:  A tempestade perfeita. Fiz um artigo sintetizando minha intervenção inicial. Sai sexta feira no Estadão. O debate mesmo, só  aqui no Diário, para quem não teve tempo de assistí-lo.

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Jair é mesmo Airton ou Rafael?

Esses exames atestam de fato que ele não foi contaminado?

Aliados de Jair Bolsonaro seguiram o roteiro esperado depois da divulgação dos resultados dos famigerados testes para Covid-19, do presidente. Usam o episódio para acusar oposição, imprensa e o Judiciário de perseguição. Se, de fato, Bolsonaro não teve a doença, a estratégia era essa: posar de injustiçado.

Depois de uma briga que envolveu o Supremo Tribunal Federal, soubemos que os testes deram negativo. É bom lembrar que a desconfiança surgiu depois que Eduardo Bolsonaro contou à FoxNews que o resultado do teste do pai havia sido positivo. Não só voltou atrás como acusou a emissora de fake news.

Dois meses falando sobre um assunto que não deveria ser assunto em meio a uma pandemia. Tivesse o presidente sido transparente como fizeram governadores e outros líderes mundiais, como Donald Trump, de quem Bolsonaro copia os passos feito um fã de K-pop, teríamos uma crise a menos. Mas é mais forte do que sua índole barraqueira. Andou sem máscara pelas ruas, cumprimentou pessoas, apelou ao histórico de atleta, na semana passada voltou a dizer que “talvez já tenha pegado esse vírus no passado”.

Nesta quarta (13), foi às redes sociais postar bandeirinha do Brasil, mãozinha em sinal de positivo, muito orgulhoso de mais essa presepada a que submeteu a opinião pública e as instituições.

Fim de crise? Claro que não. Como se não bastasse a recuada de Eduardo, tem mais um ingrediente para alimentar teorias: quem acompanhou a divulgação do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril conta que Bolsonaro disse que não divulgaria a “porcaria” do exame, sob o argumento de que isso poderia levar a um processo de impeachment. Por que o receio? Jair é mesmo Airton ou Rafael ou 05, pseudônimos alegadamente usados pelo presidente? Esses exames atestam de fato que Bolsonaro jamais foi contaminado pelo coronavírus?

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Haverá surpresa?

O MINISTRO Ricardo Lewandowski será relator no STF do pedido de apresentação do exame de covid-19 remetido pelo presidente da República. Dali pode sair tudo, até receita homeopática para o presidente.

Lewandowski presidiu o Senado no impeachment, quando orientou o julgamento pela cassação do mandato de Dilma Rousseff sem a perda dos direitos políticos.

Sua atitude foi criticada como contrária à Constituição pelo colega Gilmar Mendes, doutor em Direito Constitucional, em sessão plenária do STF. Lewandowski nunca respondeu.

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O 13 de Maio

Era o amanhecer de 8 de agosto de 1444, numa pequena região da região de Algarve, sul de Portugal. Os moradores surpreendidos com a notícia: 235 homens, mulheres e crianças – todos escravos, seriam arrematados em leilão (GOMES, Laurentino. Escravidão I).

Em 13 de setembro de 1817, uma família de Paranaguá iria viajar de navio. Na equipagem de Bergantin Manoel Imperador, viajariam escravos de Manoel Antônio Pereira: “Benedito, Cabra, estatura baixa, rosto redondo, Benedito, Criolo, estatura ordinária, rosto sobre comprido, José, Mina, estatura ordinária, rosto sobre comprido, João, Mina, estatura ordinária, rosto redondo, Nicolao, Cabra, estatura baixa, rosto sobre comprido, com defeito no olho direito, João, Preto Congo, estatura ordinária, rosto comprido, Francisco, Preto Rebolo, estatura de xapas, rosto sobre comprido.” (Documentos históricos do autor)

Cabra era o mestiço de negro e mulato.

No ciclo do ouro alugavam-se escravos e escravas, de um a cinco anos. A classificação era feita pela força de trabalho – tínhamos escravos de primeira, segunda e terceira classes. Os que laboravam em Minas normalmente traziam esta designação no nome.

A ausência de sobrenome era para desfazer os laços familiares, sobrando apenas o grupo étnico do qual eram originários (Angola), ou usavam o sobrenome do seu senhor, com a concordância deste.

Assim, se retirava a ancestralidade do escravo, pela brutalidade dos captores e traficantes, desfaziam-se os vínculos tribais, mas ensejava-se uma união, pela desgraça comum a todos eles. (MOURA, Clóvis. Dicionário da escravidão Negra no Brasil)

Em 13 de maio de 1888, ao abolir a escravidão, a Princesa Isabel e toda família real caíram – e adveio a “República”, esta figura francesa que gritava por liberdade, fraternidade e igualdade, mas que nunca foi plena no Brasil, e sempre sofre ameaças de personagens ou instituições autoritárias.

Toda nação foi alforriada mas os libertos, na sua maioria, ficaram sem posses, na marginalidade e na pobreza.

Tantos séculos de escravidão fizeram com que parte da elite do atraso e setores da classe média aceitem com naturalidade as grandes diferenças econômicas, sociais e regionais.

Nos registros das causas de doenças e mortes de escravos internados na Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro (1833-1849), a doença que mais os acometeu foi a tuberculose. Isto lembra a atual pandemia e de como as vítimas periféricas estão padecendo.

A desumanidade pela qual a União Federal e alguns entes federativos estão tratando a atual crise sanitária, ao ignorarem, com naturalidade, a tragédia de milhares de mortos, é a prova de que temos ainda fortes traços da escravatura em nossa atual história.

Trocaram-se algumas significações, mas a escravidão está aí, e somente políticas sociais intensas, a desconcentração de renda dos 58 bilionários e 259 mil brasileiros milionários e investimentos maciços em educação poderão, de fato, aboli-la.

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Diário da crise LII

Um dos assuntos do dia foi o vídeo em que Bolsonaro ameaça Moro de demissão.

Falei dele num podcast matinal e comentei à noite na tevê. Sempre considerei o vídeo algo interessante, porque ele nos deixa formar uma opinião própria sobre o que aconteceu.

Segundo quem o viu, Bolsonaro ameaça Moro de demissão. Temia que sua família ou mesmo aliados tivessem problemas no Rio. Falou tudo muito claramente.

Dito assim, configura tentativa de interferência política na Policia Federal. Vou esperar a divulgacão do vídeo para analisá-lo em detalhes.

Durante tanto tempo afirmei sua importância, não tem sentido esgotar o tema antes de vê-lo. Afinal o vídeo é importante porque todos teremos a chance de vê-lo e os próprios comentaristas serão julgados por suas opiniões e análises.

Aliás desde o principio afirmo a importancia do vídeo porque ele nos dá uma ideia da reunião do conselho de governo. É um documento da história contemporânea.

A transparência é boa também porque não somos crianças. Temos condições de analisar o que se passa no governo, sem mediações.

Falaram em destruir o video. Seria um atentado à história. Documentos como esse pertencem ao estado brasileiro e serão consultados por pesquisadores do futuro.

Hoje foi um dia de muito trabalho. Fiz podcast, entrevista, escrevi um longo artigo para o Estadão, comentei na tevê e ainda tomei um curto banho de sol.

Esse sim foi um grande momento. O sol de outono é muito suave. Os meninos, aliás bem grandinhos, gritavam e corriam pela rua atrás de suas pipas.

Confesso que os invejei, perdidos ao olhar aquela forma de papel colorido contra o céu azul.

Não havia como sentar, tomei sol encostado num poste defronte ao nosso prédio. Uma mulher de máscara se aproximou e pediu para fazer uma foto. Espero que não diga que quebrei a quarentena. Foi apenas um solzinho e aquela gritaria em torno das pipas.

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Ignorem o presidente

Li que ele liberou academia, barbeiro e manicure, e pensei: que idiota

A unha não tá OK. O cabelo não tá OK. A bunda também não tá OK. Pensei que abriria um champanhe no dia que anunciassem a abertura desses estabelecimentos que nos ajudam a dar um trato na aparência. Quando li que o presidente assinou um decreto que inclui academia, barbeiro e manicure na lista das atividades essenciais, só consegui pensar: que idiota.

Estou um horror. Unhas carcomidas pela insegurança dos tempos e pela falta de cuidados profissionais. Há duas semanas dei uma banana para os exercícios diários em frente à TV e me rendi ao sofá. Quando não estou trabalhando ou dormindo, estou no sofá. Às vezes, também trabalho e durmo no sofá. Se sinto culpa? Muita, mas e daí? Meu cabelo também precisa de tesoura e de hidratação, mas vai seguir desgrenhado, porém vivo, se tudo der certo.

Sinto falta de muitas coisas, como todo mundo. Das pessoas, da rua, de me sentar para um chopinho no Bracarense a caminho de casa, do vento na cara, de avião, de praia cheia. E sinto falta da Monique, da Leticia e do Hans. Monique é minha manicure, Leticia, minha personal. Nos víamos semanalmente há uns três anos. Só cancelo Leticia quando estou sem grana, mas nos falamos mesmo quando o vínculo profissional não está ativo. Meu relacionamento com o Hans é ainda mais longo, lá se vão uns dez anos. Tenho mais tempo de Hans do que de casada. Se um dia meu casamento acabar, Hans continua senhor absoluto do meu cabelo.

Mas foi meu marido quem me salvou com uma caixinha de cera da Depilsam. Não que ele ligue, quem não aguenta sou eu. Se pelo fosse árvore, a Amazônia estaria salva das garras do maléfico ministro do Meio Ambiente. Muita gente reclamando dos conjes, já eu tenho um que cuida das compras, cozinha, aprendeu a fazer pudim e, muito mais importante, a depilar, Brasil. E usa pinça para os pelinhos teimosos. Que homem.

A depilação tá OK. O desprezo pelo presidente tá mais do que OK. A sanidade mental mais ou menos OK. Sigo ignorando o presidente. De tudo o que ele fala ou faz, eu ajo exatamente ao contrário. Saiam nas ruas. Eu fico em casa. É só um resfriadinho. Já sei que é uma doença séria. Não usa máscara. Não saio sem. Aperta as mãos das pessoas. Eu não chego nem perto. Libera academia, manicure e barbeiro. Continuo fiel à estética náufraga numa ilha deserta. Diz que a doença já vai embora. Renovo o estoque de papel higiênico e de cerveja, porque vamos longe nessa. Então, só digo o seguinte: ignorem o presidente, lavem as mãos e fiquem em casa. Vai passar. Inclusive ele.

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Bolsonaro presidiu uma conversa de botequim em reunião do conselho do governo

O bolsonarês humilha aqueles que votaram no capitão em nome dos bons costumes

Quando Sergio Moro pôs na roda a questão do vídeo da reunião do conselho de governo de 22 de abril, sabia que havia ali uma bala de prata capaz de provar que Jair Bolsonaro queria trocar o diretor da Polícia Federal para blindar os interesses políticos de sua família. Ele sabia também que a bala continha outro material.

Ao chegar ao Planalto, com pompa monarquista, o capitão chamou de conselho de governo aquilo que se conhecia como reunião do ministério. Reunindo-o, ele presidiu uma conversa de botequim, e Moro mostraria isso.

A divulgação desse áudio será também um espetáculo de falta de compostura e de asneiras. Outro dia a secretária da Cultura, Regina Duarte, disse que parou de ler os livros de Olavo de Carvalho porque ele usa muitos palavrões. No governo que ela louva, o vocabulário do doutor Olavo é o de um sacristão.

Alguns presidentes respeitavam seus interlocutores. Michel Temer, Fernando Henrique Cardoso e José Sarney falam como frades. Não se pode dizer o mesmo de Dilma Rousseff e Lula, mas nenhum deles disse palavrão em reunião ministerial.

Conhecem-se os áudios das reuniões do Conselho de Segurança Nacional que decidiram baixar o Ato Institucional número 5 (Costa e Silva) e o Pacote de Abril (Ernesto Geisel). Neles não há palavrões.

O primitivismo de Bolsonaro vai além do uso de expressões chulas, transborda para a própria maneira como preside uma reunião de ministros e como lida com sua equipe de renomados “técnicos”.

Em certa ocasião ele manifestou tamanha curiosidade por detalhes de casos de violência que um dos titulares achou melhor mudar de assunto. O clima de feijoada permite que o chanceler Ernesto Araújo exponha (em bom português) suas teorias lunáticas em relação à China ou que alguém resolva qualificar a genealogia de ministros do Supremo Tribunal Federal.

É a bagunça bolsonariana. Nela o presidente libera o funcionamento de academias de ginástica e salões de beleza sem ouvir seu ministro da Saúde. Afinal, ambos sabem com quem lidam.

O vídeo da reunião de 22 de abril é um exemplo da capacidade de autocombustão do governo. Já com Moro fora, Bolsonaro disse que divulgaria seu conteúdo: “Mandei legendar e vou divulgar”.

Falou o que lhe veio à cabeça, mas dias depois a Advocacia-Geral da União pediu ao ministro Celso de Mello que reconsiderasse a decisão de pedir a gravação porque na reunião foram tratados “assuntos potencialmente sensíveis e reservados de Estado”. Parolagem, pois podia ter pedido para embargar esses trechos. Essa é a prática de governos sérios, mas quem embarga trechos assina embaixo e se responsabiliza pelo ato.

Diante da blindagem absurda, a AGU recuou e disse que se contentava em entregar uma versão com trechos embargados. Não deu certo. Sergio Moro e seus advogados não aceitaram o atalho, argumentando que não compete ao governo selecionar provas. Caberá ao ministro Celso de Mello decidir se torna público todo o vídeo ou partes dele.

Se Moro quisesse apenas provar que Bolsonaro pressionou-o para trocar o diretor da Polícia Federal, o embargo seria neutro e justificável. Ele também queria mostrar como funciona a muvuca em que se meteu.

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Mural da História

8 de outubro|2009

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E se Bolsonaro pegar Covid-19?

Se, como diz, seus exames deram negativo, significa que ele ainda pode ser infectado

Jair Bolsonaro anunciou para seu gado que só sairá da Presidência no dia 1º de janeiro de 2027. Se se confirmar, será um alívio. Pelo que fez até agora e continua impune, é tocante sua benevolência de contentar-se com uma única reeleição —esta, já dada de barato. Mas o que o impedirá de, a qualquer momento, decretar-se eterno no poder? Se fizer isso —e não precisaria nem esperar pela reeleição—, é porque sabe que poderá contar com a impotência e o aval bovino dos demais Poderes.

Sua certeza se baseia no sucesso de sua tática, aprendida com os amigos milicianos, de governar pela bofetada. Simbólico ou não, é o tapa na cara. Bolsonaro bate e ninguém reage. Esbofeteia ministros —Sergio Moro, por exemplo, enquanto no cargo, tomou tanto na cara que parecia gostar—, aliados de primeira hora, servidores de carreira, cientistas, juristas. Dias Toffoli viu-o reduzir o STF a palanque e ficou firme, mas, sem a barba, sua face avermelhada acusava a marca da mão aberta. Quanto ao Exército, Bolsonaro pode, por enquanto, recolher a palma. Compra-o a prestações dando-lhe empregos, oficialzinho por oficialzinho.

A palavra impeachment está em todas as bocas, mas, se você esperar pelo Congresso, espere sentado. A maioria de seus membros tem motivo para manter Bolsonaro no trono: o centrão, a que pertencem Rodrigo Maia e David Alcolumbre, por estar lhe vendendo proteção, e a oposição, leia-se o PT, por preferir que Bolsonaro “sangre” até 2022 —se houver 2022. Nas horas vagas, por esporte, Bolsonaro esbofeteia os heróis da saúde, os mortos do coronavírus e os coveiros.

Donde, se não há como remover Bolsonaro pela lei ou pela força, só parece restar um recurso: sua morte. Por Covid.

Se for verdade, como afirma, que seus exames deram negativo, significa que ele ainda pode ser infectado. De preferência, por um seguidor. Deus é grande.

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O presidente avisa: o vírus é essencial

JAIR BOLSONARO baixou decreto liberando mais atividades essenciais da quarentena: agora são as academias de ginástica e os salões de beleza. A justificativa do presidente da República tem rigor cartesiano. Diz ele que as academias auxiliam na saúde, na medida em que reduzem o colesterol; e os salões de beleza por simples questão de higiene, pois as pessoas precisam cortar os cabelos e as unhas. Incluiu os barbeiros, onde há também manicures para aqueles homens que pintam as unhas com esmalte sem cor, como os gigolôs dos anos 1950).

O decreto de Bolsonaro é demagogia para estimular a rejeição do isolamento social e lançar os negacionistas do vírus às ruas, arriscando-se à contaminar-se e a contaminar os outros. Demagogia porque, ainda que seja atribuição do presidente definir atividade essencial, o STF atenuou a regra para permitir que estados e municípios, excepcionalmente, durante a pandemia, estabeleçam áreas e atividades de isolamento sem considerar a regra federal. Vivemos um cabo de guerra entre Bolsonaro e governadores e prefeitos, estes do lado mais forte da corda.

Bolsonaro decidiu sem ouvir o ministro da Saúde, que ficou com cara de tacho ao ser informado pela imprensa. Nem o general que o tutela, o número 2 de seu ministério, sabia do decreto. O Brasil está enfermo também da cabeça, já que perdeu a noção do quase certo e do muito errado, para ter ainda um presidente que conspira a todo o tempo contra a saúde. Pior, também contra a segurança nacional – porque, mais que a falta de academia, cabeleireiro e manicure, os excessos de um presidente inconsequente pode ser mais pernicioso que o vírus que ele libera.

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Imprudência de Bolsonaro perante pandemia é típica de revolucionários

Conservadores não estão dispostos a sacrificar a vida humana, por ação ou omissão, em nome de um bem maior

O mais famoso epidemiologista da Suécia, responsável científico pela estratégia anticoronavírus no país, deu uma entrevista ao The Daily Show para dizer, entre outras coisas, que estava “espantado” com o número de mortos.

Esse espanto, nas palavras do doutor Anders Tegnell, explica-se pela mortandade nas casas de repouso para idosos. O que permite concluir que, se não fossem os velhos, tudo estaria dentro do razoável, o que quer que seja esse razoável.

A tese do doutor Tegnell está parcialmente certa, ou parcialmente errada, consoante a perspectiva. Está certa porque a mortalidade da população idosa em casas de repouso é a maior catástrofe global da pandemia.

Mas o famoso cientista está errado ao pôr sobre os velhos o ônus da culpa pelos erros do seu plano.

Relembro: a Suécia, ao contrário dos vizinhos nórdicos (ou europeus), optou por um “lockdown” ligeiro e confiou na disciplina dos seus cidadãos para cumprir o distanciamento social. Mas a vida rolou, mais ou menos como habitualmente. Resultado?

No momento em que escrevo, o país tem 3.225 mortes para uma população de 10 milhões. É pouco? Não é. Nos rankings da mortalidade relativa, e tomando como referência o número de mortos por milhão de habitantes, a Suécia está nos primeiros lugares. Sim, à frente dos Estados Unidos ou do Brasil.

Aliás, se a Suécia tivesse a população do Brasil, já teria ultrapassado os 60 mil mortos, transformando o país no pior exemplo mundial.

Esses números são importantes por dois motivos. Primeiro, porque a estratégia brasileira nessa pandemia me parece ainda mais radical do que a duvidosa estratégia sueca. Com uma diferença: os hospitais brasileiros não são os hospitais suecos. Quando falei em 60 mil mortos, eu estava sendo otimista, imaginando um Brasil sueco.

Mas existe um segundo motivo que me parece mais relevante. O número de mortos na Suécia se explica pela estratégia mais liberal que o governo seguiu.

E essa estratégia, suspeita minha, só foi possível num país majoritariamente não religioso, onde considerações arcaicas como “a sacralidade da vida humana” não têm o mesmo peso comunitário.

No Brasil, e sobretudo num presidente que põe Deus acima de todos, o descaso de Jair Bolsonaro perante a morte (“e daí?”, “não sou coveiro”, “não faço milagres” etc.) soa estranha vinda de um autoproclamado crente.

Cada morte deveria ser comentada com respeito. Exceto se adotarmos a velha máxima stalinista de que a morte de uma pessoa é uma tragédia, mas a morte de milhares é uma estatística.

Sem falar do óbvio: para um autoproclamado conservador, a imprudência que o governo brasileiro exibe perante a pandemia é típica de revolucionários. Porque só revolucionários estão dispostos a sacrificar a vida humana, por ação ou omissão, em nome de um bem maior.

Não se fazem omeletes sem quebrar alguns ovos, como dizia o antecessor de Stálin. No fundo, é isso que separa um conservador de um revolucionário: o primeiro não está disposto a sacrificar a geração presente em troca de um fim abstrato.

Edmund Burke (1730-1797), o pai espiritual da tribo conservadora, explicou o essencial há mais de 200 anos: o primeiro crime da Revolução Francesa não era político; era moral. E por quê?

Porque os revolucionários jogavam o sangue dos outros, reduzindo a política a uma mera aposta de cassino. Como afirmava Burke, não é possível aplaudir “um bem especulativo” que só será obtido através de “uma elevada dose de mal prático”.

É desse imperativo que emergem todos os princípios conservadores relevantes: a prudência, a humildade, o realismo, a atitude cética perante a política (e os políticos), a recusa do radicalismo —e um certo horror a “sofistas, economistas e calculadores”.

Fato: ninguém de bom senso defende que as considerações econômicas não são importantes no meio dessa tragédia. Isso seria uma forma de radicalismo bastante semelhante ao radicalismo dos que defendem a abertura completa da vida social e econômica.

Mas sociedades civilizadas procuram compromissos civilizados, preservando ao máximo a vida humana. Repito: não se joga no cassino o sangue dos outros.

A Suécia jogou e continua jogando, mesmo com todas as dúvidas sobre o vírus.

Haverá imunidade? Por quanto tempo?

Haverá consequências para a saúde dos sobreviventes? Quais?

Há casos significativos de reinfecção? Quão graves?

E, pergunta crucial, quantos têm de morrer no grande altar da “imunidade de grupo”? Aliás, será legítimo perseguir esse fim sem vacinação massiva? Qualquer político que não enfrente essas perguntas é pior que um coveiro; é um carrasco.            

       João Pereira Coutinho

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70 anos

Hoje, aniversário de Luiz Roberto Bruel, 70 anos. Fiat lux, secretário!

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O perigo vem do Paraguai

PROCURADOR GERAL DA REPÚBLICA vai assistir ao vídeo da reunião de Jair Bolsonaro e seu ministério, requisitada pelo STF. Augusto Aras terá a companhia de Sérgio Moro, o causador da requisição ao divulgar prints de mensagem com o presidente da República no dia de sua demissão como ministro da Justiça. O PGR toma-se de cuidados com o conteúdo do vídeo, segundo ele porque “há questões que envolvem a soberania nacional”.

O que se sabe dos vídeos não envolve a soberania, envolve a mais elementar falta de educação e decoro, com os palavrões do presidente e do ministro da Educação (sic), Abraham Weintraub (que chama de “filhos da puta” os ministros do STF), suas ameaças aos ministros presentes caso não se sujeitem ao que manda e todo o folclore que cerca um presidente maluco eleito por um povo desatinado. E a questão da soberania?

Na capital federal a palavra soberania é tão vazia de sentido quando a palavra cidadania em Curitiba. Em Brasília, a soberania punha sob segredo de Estado as despesas de Marisa Letícia em cabeleireiro, cirurgião plástico e manicure. A cultura da soberania, desde o governo Getúlio Vargas, põe sob sigilo e alheia ao povo tudo que se o povo soubesse derrubaria o governo. Aliás, assim se fazia na Rússia de Stálin e na Cuba de Fidel.

Temos que dar crédito de confiança ao PGR Aras – ainda que esta lhe falte na corporação, para cuja chefia foi escolhido fora da tradicional lista tríplice. O vídeo pode expor a loucura do presidente e a conivência cúmplice e irresponsável de seus ministros, supostamente sãos. E estimular o Paraguai a violar nossa soberania e invadir o Brasil para tirar a forra da derrota na guerra contra a tríplice aliança (Brasil, Argentina e Uruguai).

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Bolsonaro, escute: não há frases como ‘quem manda aqui sou eu’ na democracia

A gangue do presidente é boçal como um churrasco de varanda

O momento é de vigília. Bolsonaro quer incendiar o país com sua delinquência. Seus seguidores gozam do “privilégio” de fazer manifestações indiferentes à epidemia. Aproveitam-se do medo das pessoas pra falarem sozinhos. Há um ethos de milícia no ar. A gangue do Bolsonaro é boçal como um churrasco de varanda.

Se as Forças Armadas caíssem na tentação de apoiar o golpismo bolsonarista, embarcariam num dos seus priores momentos da história. Não teriam nem a desculpa da Guerra Fria dos anos 1960. Seria pura e simplesmente se transformar numa gangue de farda, como o Exército da Venezuela, que junto com Chávez e Maduro, transformaram a Venezuela num pária geopolítico, matando a esmo sua população.

Ao longo dos últimos anos, as Forças Armadas (que incluem Exército, Aeronáutica e Marinha) conseguiram um respeitável reconhecimento por parte da população, afastando-se do horror da ditadura.

Já a gangue de ethos miliciano dos Bolsonaros é candidata à lata de lixo da história. Traço dessa gangue é achar que governo (eleito) e Estado são a mesma coisa. E, no seu ethos de churrasco de varanda, Bolsonaro entende que ambos são dele.

Bolsonaro quer se passar por militar, mas não é. Sua participação no Exército foi medíocre e curta em comparação a sua vida no centrão. ​

Bolsonaro é uma criatura do pântano, o centrão no período da Revolução Francesa, local onde crescem serpentes venenosas.

Para a excelente formação dos generais brasileiros fica claro que a única coisa a fazer agora é apoiar as instituições da democracia e dizer um grande “não” a Bolsonaro e sua gangue, mostrando a esses ignorantes que na democracia não existe frases como “quem manda aqui sou eu”.

Não, o senhor não manda em nada aqui, senhor Bolsonaro. Quem manda são as instituições.

É bom explicar a esse equivocado e seus seguidores ignorantes que a democracia é um regime institucional cujo primeiro objetivo de todos é controlar o poder pelo próprio poder.

Esses ignorantes que portam a camisa da seleção brasileira para agredir a imprensa são a vergonha do país.

Enquanto esses idiotas berram frases a favor da ditadura, nós nos afogamos na pandemia.

Esses ignorantes não entendem patavina do que é que seja uma democracia.

Aliás, acho que o Ministério Público deveria processar a administração Bolsonaro e sua gangue por genocídio em massa de brasileiros. Seria de bom tom. Todo e qualquer esforço institucional para barrar essa nova gangue será bem-vindo.

Aqui vai um apelo às Forças Armadas: vocês estão tendo um momento histórico para mostrar que merecem a confiança depositada em vocês pela imensa maioria de gente decente que carrega o Brasil nas costas. Não deixem a delinquência falar mais alto. Apoiem o STF em suas decisões, o Legislativo em sua função, que assim como o STF, deve servir de contrapeso aos abusos do Executivo.

Um dos traços de profunda ignorância política é achar que alguém seja perfeito na representação do bem comum ou que alguma instituição seja plena em sua função.

Bolsonaro e seus idiotas se oferecem como salvadores da pátria. Ninguém ou nenhuma instituição merece confiança absoluta, por isso elas limitam umas as outras. Os idiotas da política não sabem disso.

Sob o olhar da filósofa Hannah Arendt (1906-1975), assistimos em cada fala de Bolsonaro e seus asseclas, à agonia da vida do espírito (a vida da inteligência, grosso modo) e ao risco da instalação de uma nova banalidade do mal: a banalidade do mal é a estupidez, a inapetência ao pensamento, a recusa de um entendimento da realidade, na sua complexidade e precariedade, e a empatia para com esta.

E como diria Lionel Trilling (1905-1975), crítico literário, nunca foi tão importante a obrigação de ser inteligente. Que a inteligência seja um antídoto à estupidez reinante. Que esmaguemos essa estupidez elevando o nível do debate.

A virtude política máxima agora é a vigília. A atenção diante do risco. Não vivemos um momento geopolítico dado a ditaduras, como na Guerra Fria, mas nem por isso podemos descartar o risco do oportunismo mau caráter dessa gangue.

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