Bolsonaro perde bonde do corona

Confesso que não fiquei tão perplexo com a ida de Bolsonaro ao STF levando um grupo de empresários. Acredito que, tanto quanto eu, ele não esperava nenhuma solução para o problema que levantava: a volta às atividades econômicas.

O objetivo de Bolsonaro era mostrar que estava trabalhando pela economia. Para isso, levou uma equipe de TV e transmitiu o encontro ao vivo, para surpresa do próprio STF. Um golpe de propaganda, nada mais. Interessante como Bolsonaro consegue perder os bondes nessa luta contra o coronavírus.

Perdeu o primeiro, quando se isolou, negando a importância da pandemia, criticando o trabalho de governadores e prefeitos. Uma nova oportunidade de liderança e alinhamento se abriria para ele, no processo de volta às atividades. Compete ao presidente unir governadores e prefeitos em torno de um detalhado plano de retomada.

Dois dias antes de Bolsonaro ir ao Congresso, Angela Merkel reuniu as lideranças regionais para definir e modular um plano de volta.

Esses planos são complexos. Não adianta pedir ao Tofolli, porque ele não tem. Implicam a definição dos dados necessários, como número de casos, disponibilidade de hospitais, capacidade de testar.

Implicam também um redesenho das escolas, das fábricas, dos escritórios. Na Alemanha, técnicos foram às escolas para redefinir o espaço, inclusive determinar o novo lugar dos professores na sala.

Em alguns países, houve escalonamento de turmas escolares; em algumas regiões, normas para restaurantes ao ar livre.

Normas para o funcionamento de teatros e casas de espetáculo também estão sendo trabalhadas nos detalhes. Os intervalos, por exemplo, serão suprimidos para evitar aglomeração. O próprio futebol na Alemanha volta no dia 16, mas com portões fechados, sem plateia.

Bolsonaro até o momento apenas falou contra o isolamento. Foi incapaz de apresentar um plano, mesmo um pobre esboço, como Trump.

Essa pressa acaba se estendendo a outros setores. O governador de Brasília queria que a final do campeonato carioca fosse jogada no Estádio Mané Garrincha mesmo com um hospital de campanha instalado ali.

Não sei a que atribuir esta loucura. Nós temos uma singularidade cultural, que é a improvisação. É inegável que ela tem qualidades, no compositor que escreve seus versos num botequim, nos profissionais que driblam a falta de recursos para alcançar um certo resultado.

Na formulação de uma política nacional e solidária contra o coronavírus, é preciso liderança e capacidade de planejamento. Bolsonaro trabalha por espasmos, acorda pensando na briga nossa de cada dia, a quem vai combater e orientar sua galera a chamar de lixo.

O ministro da Saúde tem dito que o Brasil é um país diverso. Todos concordam. Mas é precisamente por ser diverso que necessita de um plano com modulações.

Basta olhar no mapa para ver quantas cidades brasileiras não tiveram casos de contaminação. Até elas precisam ser orientadas a rastrear com rigor caso apareça alguém contaminado por lá.

Na verdade, é um projeto que se enquadra nessa expressão muito usada de nova normalidade. Os Estados Unidos viveram algo parecido de longe com isso, depois do atentado de 11 de setembro.

As circunstâncias agora são diferentes. O redesenho da sociedade não se faz diante de inimigos humanos, mas ameaças biológicas que podem nos dizimar. A etapa final do planejamento seria concluída com a existência de uma vacina, acessível a toda a população.

Mas, no entanto, a existência de uma pandemia como essa abriu os olhos de muita gente para a possibilidade de outras. Algumas delas podem ser favorecidas pelo desmatamento.

Tive a oportunidade de sentir isso quando cobri a volta da febre amarela. Aparentemente, a destruição de algumas áreas de mata acabou expondo os trabalhadores agrícolas e algumas populações rurais.

Estamos trabalhando com algo muito sério para o futuro das crianças. Se não houver uma transformação cultural que nos faça pensar coletivamente e nos convença da necessidade de planos cientificamente adequados, vamos ser uma presa fácil.

Nos anos de política, lamentava que o Brasil era um país onde o principio de prevenção não pegou. Não esperava um governo que, além de imprevidente, desprezasse a ciência. Tudo do que o coronavírus gosta.

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Mural da História

figurinhas da copa 213 de maio|2010

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Ova-se!

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regina-beto-e-karamRegina Bastos (com Betina Bruel na barriga), Beto Bruel e Manoel Carlos Karam, 1974. Foto do cartunista que vos digita

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O número e o algarismo

O DEPUTADO OSMAR TERRA, ex-ministro da Cidadania, essa redundância – os ministérios servem ao cidadão -, comenta o total provisório de vítimas do covid-19 com a falta de empatia dos bolso-adoradores: até agora são “só 10 mil mortos”. No que recebeu resposta de Luiz Henrique Mandetta, ex-ministro da Saúde, a quem Terra pretendeu substituir: os mortos não são números, são seres humanos.

Como a anestesia campeia neste Brasil indiferente, cabe-nos apenas dizer que os dois desrespeitam Platão, o filósofo grego. O discípulo e divulgador de Sócrates ensinou que o número é a ideia abstrata, que se materializa no algarismo, a quantidade. Nessa sem-cerimônia da metafísica os dois acabaram por se confundir, número e algarismo a mesma coisa, sinônimos. Faz diferença? No Brasil, nenhuma.

Portanto, os dez mil mortos da pandemia são o número, a ideia abstrata de nossa esquecida humanidade. Os dez mil mortos da pandemia são o algarismo da desumanidade de nossos homens públicos – excetuado Mandetta. No íntimo, o ex-ministro da Saúde converge para o rigoroso platonismo. Platão, a propósito, foi quem introduziu a ideia do monoteísmo na filosofia, base da teologia católica.

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Ivo Rodrigues.  © Beto Bruel

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Ainda rumo à ilha deserta

Uma lista de discos de cantores e cantoras americanas da era clássica a levar para lá

Lembrei-me outro dia de quando os jornais perguntavam às pessoas que discos ou livros levariam para uma ilha deserta. Por que deserta, nunca entendi —a graça de um livro não está em discuti-lo depois de lê-lo? E o que é melhor do que ouvir um disco a dois? Claro, a ilha era um pretexto para que o sujeito escalasse seus favoritos em cada gênero. Só que, com a quarentena, cada um de nós está tendo realmente de construir sua ilha.

Daí, listei em coluna recente os discos de música brasileira que levaria para a hipotética ilha. Deixei claro que aquela era apenas a minha lista e instiguei o leitor a fazer a dele —que seria tão perfeita para ele quanto a minha para mim. Hoje, resolvi fazer outra, de cantores e cantoras americanos da era clássica, anos 40 e 50. E levando só um disco de cada um –nada de obras completas ou coletâneas. Aí vão.

Sinatra: “Songs for Swingin’ Lovers”. Louis Armstrong: “Satchmo Plays King Oliver”. Bing Crosby: “Bing with a Beat”. Fred Astaire: “The Astaire Story”. Mel Tormé: “Swings Shubert Alley”. Johnny Hartman: “The Voice That Is”. Nat King Cole: “Just One of Those Things”. Billy Eckstine: “Basie/Eckstine, Inc.”. Tony Bennett: “The Tony Bennett-Bill Evans Album”. Joe Mooney: “Lush Life”. Mark Murphy: “Rah!”. Matt Dennis: “Plays and Sings”. Bobby Short: “Songs by Bobby Short”. Etc.

Billie Holiday: “Lady in Satin”. Ella Fitzgerald: “30 by Ella”. Carmen McRae: “After Glow”. Doris Day: “Duet (w/ André Previn)”. Peggy Lee: “Dream Street”. Sarah Vaughan: “Vaughan & Violins”. Lee Wiley: “Night in Manhattan”. Anita O’Day: “Drummer Man”. Julie London: “Sophisticated Lady”. Dinah Shore: “Dinah Sings, Previn Plays”. Mabel Mercer: “Merely Marvelous”. Blossom Dearie: “Soubrette Sings Broadway”. Jeri Southern: “When Your Heart’s on Fire”. Judy Garland: “Alone”. Rosemary Clooney: “Blue Rose”. Etc. etc.

Lembre-se: esta é apenas a minha ilha. Mas você será bem-vindo a ela.

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Marina Solda, a Paleta da Vida

Marina-Solda© Sandra Solda

”O que nunca morre é espaçotempo/Mas
pode chamá-lo de Mamãe/Quem nunca
abandona esta mulher/O Céu e a Terra
fecunda/Suave é o seu poder/Sempre
e sempre a nos amamentar/Desça – ela
estará lá/ Suba – ela tomará no colo.
(Lao Tsé, O Tao Feminino)

Marina Solda, natural de Itararé-SP, “Santa Itararé das Artes”, ela mesma uma grande artista, mãe de outros tantos grandes artistas; as tintas e tons e cores de sua paleta-vida “como palavras de sua alma rica”, sensível, enternurada, oriunda de descendentes de imigrantes, que foi morar em Curitiba e lá se tornou conhecida, amada, vencedora, personalidade cultural de destaque.

Marina da Conceição Nunes Vidal, filha da dona Alzira Nunes e do popular “Marinheiro”, irmã do boêmio Tio Jannys da Cantina do Tio de Itararé. Marina Solda, mais de 1000 (mil) telas já pintadas e algumas vendidas para o exterior, duas para a Itália. Exposições individuais:

Assembléia Legislativa do Paraná – Curitiba – Acrílico sobre tela de linho e óleo sobre tela de linho. Coletiva no Museu Alfredo Andersen. Coletiva na Galeria Andrade Lima e Escola de Arte. Cursos de desenho – desenho livre, desenho da figura humana, xilogravura, aquarela, cerâmica, escultura e pintura. Homenageada pela Câmara Municipal de Curitiba, importante cidade onde residiu por muitos anos, pelos trabalhos realizados nos mais diversos campos como Arte, Política (assessoria parlamentar qualificada), Educação e Jornalismo.

Artista plástica revisionista, Marina Solda evidencia em suas obras a ruptura com os conceitos tradicionais da arte, propondo uma nova linguagem artística, uma espécie de Revisionismo, posição ideológica preconizando a revisão de uma doutrina política dogmaticamente fixada.

A Artista Plástica Marina Solda expôs as telas “Arte Contemporânea Sem Fronteiras” no Espaço Cultural da Assembléia Legislativa do Paraná. Paulista de Itararé, onde é muito querida, morou na capital paranaense por mais há mais de 50 anos. Suas obras expressionistas são pintadas com tinta especial importada, e o diferencial dessas obras é que elas são expostas sem molduras, possibilitando ao comprador emoldurar a tela ao seu estilo. A exposição que fez em Curitiba foi parte das homenagens ao Dia Internacional da Mulher, ocorrendo a convite da deputada Cida Borghetti (PP).

A artista Marina Solda foi noticia no “Journal of the Senate” em janeiro de 2001, para orgulho do Clã dos Fanáticos de Itararé que têm na como a mais importante personalidade feminina de destaque, valorada na arte da histórica cidade da batalha que não houve, mas de uma batalha que ainda há para cultuar seus artistas como o mote “Sempre Haverá Itararé” por intermédio deles, entre os quais se destacam nomes como Maestro Gaya (itarareense que é nome de rua em Curitiba), Armando Merege, Rogéria Holtz, Jorge Chuéri e o próprio Luiz Antonio Solda, filho ilustre da Marina e o mais importante e premiado cartunista brasileiro. Como diz Fábio Luciano no site www.itarare.com.br:

“Marina Solda Itararé nasceu em 18 de junho de 1935 em Itararé, e faleceu em /Curitiba, dia 20 de fevereiro, 2009. “Artista de Itararé, Dona Marina, não nos deixa a sós, deixa na veia artista um belo traço de Itararé para o mundo(…) Luiz Solda cartunista e blogueiro de teclado e mouse cheio.”

Agora que a Pintora Marina Solda é uma estrela de Itararé no céu da saudade, seu nome ficará marcado pela paleta da vida que ela rebrilhou com suas tintas de presença marcante, matriarca de um clã forte e de nomes ilustres, pessoas inteligentes, criativas, porque, afinal todos os descendentes da Martina têm a quem puxar, por assim dizer; dela e do próprio patriarca da Marina, o popular Marinheiro que desenhou as matemáticas ruas de cacau quebrado de Itararé, a grande beleza urbana da Cidade Poema de Itararé.

Itararé costuma dar valor para os que a promovem em verso e prosa, artes e reinações de qualidade humanitária e ética, embora a melhor saída para os artistas de Itararé seja a Estação Rodoviária da cidade, capital artístico-cultural do sudoeste paulista, metade do caminho entre Curitiba e Sampa. Marina Solda foi o maior nome de Itararé nesse sentido. Que Itararé lhe reconheça o mérito, e lhe dê o nome de uma rua ou mesmo de uma Escola de Artes, porque Curitiba, que sempre abrigou muito bem os “andorinhas sem breque de Itararé (quem nasce em Itararé é “Andorinha”), certamente saberá testemunhar oficialmente a importância de Marina Solda, para lhe dar um nome de Rua. Já pensou, Rua Artista Marina Solda?. Afinal, quem é bom já nasce luz, e, tirando de letra, Marina Solda literalmente pintou e bordou. Essa foi a sua marca, a sua lavra, a sua passagem brilhante por este Planeta Vida.

Silas Correa Leite

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Millôr

MillôrRicardo-MoraesFolhaPressRicardo Moraes – Folha Press

Quero apenas repetir que minha relação com a arte é diferente. Pra mim, artista tem que sofrer. Ser anão, como Lautrec, cortar orelha como Van Gogh, contrabandear armas como Rimbaud, morrer na miséria como Grosz. Cara que, como eu, ganha dinheiro com o que faz pode ser, e é, chamado de tudo, menos de artista. Millôr Fernandes 

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Vai lá!

Aqui!

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Escárnio

Comportamento que demonstra desdém por algo ou alguém.

Definição de escárnio no dicionário da internet. No futuro será acrescentado o exemplo: presidente Jair Bolsonaro dizendo que no dia em que o Brasil atingirá a cifra de 10 mil mortos pelo coronavírus – e no dia seguinte àquele em que morreram 741 brasileiros na pandemia – dará churrasco, com pelada de futebol, na residência oficial do Alvorada. (Quando perguntado sobre o isolamento social – que ele não respeita -, o presidente completa, com desdém, que a cifra de convidados pode chegar aos 3 mil.)

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Little Richard, morto aos 87, abriu rota para o rock ser voz dos rebeldes e subversivos

Causa da morte do artista americano é desconhecida

Little Richard não só fundou a base musical do rock’n’roll, ao acelerar e adicionar um tanto de selvageria ao rhythm and blues –ele também abriu caminho para que a nova música fosse a voz dos rebeldes, subversivos e desajustados. O cantor morreu neste sábado (9), aos 87 anos. A causa da morte é desconhecida.

Negro e bissexual, Richard incendiava plateias em que jovens negros e brancos dividiam o mesmo espaço. Ele se vestia e se maquiava como uma diva. Berrava a plenos pulmões letras de duplo sentido e embalava, com sua música frenética, uma dança considerada pornográfica na época —meados dos anos 1950, quando o assassinato sistemático de negros que desafiavam o “status quo” era uma realidade no sul dos Estados Unidos.

Foi justamente nesse sul –em Macon, no estado da Geórgia– que Richard Wayne Penniman nasceu em 5 de dezembro de 1932, numa família de 12 irmãos. Seu pai era diácono da igreja batista, o que não o impedia de traficar “moonshine” (uísque caseiro, sem passagem por barril) e manter uma taberna durante os anos da lei seca.

O garoto começou a desenvolver o talento musical no coro da igreja que a família frequentava. Aos 14 anos, em 1947, fez sua estreia nos palcos ao abrir —sem a autorização de ninguém— o concerto de Sister Rosetta Tharpe, uma cantora de música gospel. A plateia ovacionou o menino de voz forte e aguda, e Little Richard saiu do teatro com cachê no bolso.

Aos 15 anos, Penniman foi expulso de casa pelo pai, devido aos seus modos efeminados. No fim dos anos 1940 e no início da década seguinte, o rapaz trabalhou com toda espécie de charlatães no “vaudeville”, onde animou shows de horrores e se tornou ele mesmo uma espécie de aberração, ao tocar travestido para atrair plateias interessadas no bizarro. Também ampliou seus horizontes musicais, aprendendo a tocar piano e incorporando ao gospel o blues, o R&B e o boogie-woogie.

Foi no submundo do espetáculo restrito aos negros —o chamado “chitlin’ circuit”—que Little Richard fez amizade com Billy Wright, a fonte de inspiração para seus shows extravagantes. Conhecido como o “príncipe do blues”, Wright se apresentava em ternos coloridos, usava um enorme topete e bigode estreitíssimo.

O rumo da carreira de Penniman só viria a mudar em 1955, quando ele mandou uma fita demo para a gravadora Specialty, de Los Angeles. Chamado para gravar num estúdio em Nova Orleans, não empolgou o produtor Robert Blackwell até que eles, cansados das tentativas infrutíferas, saíram para beber juntos.

Foi no bar que Little Richard resolveu cantar “Tutti Frutti”, uma brincadeira dos tempos do vaudeville que começava com o grito “wop bop a loo bop a lop bom bom” e cuja letra dizia “tutti frutti/ good booty/ if it don’t fit/ don’t force it/ you can grease it/ make it easy”, ou “tutti frutti/ bunda boa/ se não couber/ não force/ você pode lubrificar/ para facilitar”. Blackwell sentiu ali o estalo que procurava e encomendou à compositora Dorothy Le Bostrie letras menos obscenas para a melodia.

Suavizada, “Tutti Frutti” foi gravada em só três tomadas e chegou ao mercado em novembro de 1955. Foi sucesso imediato nos Estados Unidos e no Reino Unido, atingindo o segundo lugar da parada de R&B da revista Billboard. “Long Tall Sally”, o próximo single, chegaria ao topo da mesma parada no início de 1956.

Naquele ano, Little Richard ainda emplacaria hits como “Lucille”, “Rip it Up”, “Ready Teddy” e “Slippin’ and Slidin'”. O garoto negro e efeminado da Geórgia havia se tornado um ídolo do mesmo quilate de Elvis Presley.

O sucesso de Little Richard com a juventude branca fez com que as casas de espetáculo, então exclusivamente brancas ou negras, passassem a admitir as duas raças num mesmo evento. Havia segregação —os brancos ocupavam a plateia e os negros, a galeria—, porém ela se desfazia no decorrer do show, quando os dois públicos se amontoavam em frente ao palco.

A histeria da audiência era semelhante à vista nos shows de Elvis. Durante uma apresentação em Baltimore, a polícia precisou intervir duas vezes –para evitar que adolescentes se atirassem do alto da galeria e para remover garotas que invadiram ao palco no afã de obter retalhos da roupa de Little Richard.

No mesmo concerto, uma mulher atirou sua calcinha em direção ao palco, levando dezenas de outras a repetir o gesto. O fenômeno irritava e desconcertava a classe dominante branca. Penniman, além de negro, era um homem de gestos exagerados que usava roupas coloridas e brilhantes, além de cobrir o rosto com pó de arroz.

“Eu usava a maquiagem para que os homens brancos não pensassem que eu estava atrás das garotas brancas”, disse o músico em uma entrevista de 1984 à revista americana Jet, destinada ao público afrodescendente. “Facilitava as coisas para mim e, além do mais, era colorido.”

Little Richard nunca empunhou a bandeira gay, mesmo se definindo como “pansexual” em relatos ao biógrafo Charles White, autor de “The Life and Times of Little Richard”, sem edição brasileira. De acordo com o livro, desde a puberdade o cantor se relacionava tanto com homens quanto com mulheres.

“Eu tinha namoradas —um monte de mulheres que me seguiam, viajavam comigo, ficavam comigo e dormiam comigo”, disse Penniman em 2000 à revista Jet. “Eu percebi que ser chamado de bicha me trazia fama —então que eles digam o que quiserem.”

Em 1957, a conversão ao cristianismo interrompeu subitamente a carreira de Little Richard. O anúncio de que abandonaria a música aconteceu no meio de uma turnê na Austrália. No voo entre Melbourne e Sydney, ele teria sentido que as turbinas do avião estavam sendo sustentadas por anjos. Voltou dez dias antes do previsto para os Estados Unidos —e o voo que o traria na agenda original caiu no oceano Pacífico.

Isso aumentou sua convicção de que deveria escutar o chamado divino. Ele se matriculou num curso de teologia no Alabama e passou a gravar só música gospel. Em 1959, se casou com Ernestine Campbell, a quem conhecera num congresso evangélico. O divórcio viria em 1963.

Little Richard voltou ao rock’n’roll em 1962, atraído pelo mercado europeu que então consumia avidamente a música americana de alguns anos antes. Em seus giros pela Europa, foi a atração principal de shows que tiveram a abertura de bandas locais iniciantes —os Beatles, de Liverpool, e os Rolling Stones, de Londres. Em 1965, emplacou na parada de R&B a balada soul “I Don’t Know What You’ve Got (But It’s Got Me)”. A banda que o acompanhava, os Upsetters, tinha Billy Preston no órgão e Jimi Hendrix na guitarra.

No final dos anos 1960, Little Richard passou a se apresentar nos cassinos de Las Vegas. Na década seguinte, depois de se diplomar pastor da igreja adventista, ele enfrentou sérios problemas com cocaína. “Eu cheirava tanto que deveriam me chamar Little Cocaine”, afirmou na biografia escrita por Charles White.

Nas décadas posteriores, Little Richard oscilou entre a religião, shows ocasionais e pontas no cinema e na TV –apareceu no filme “Um Vagabundo na Alta Roda”, com Nick Nolte, e em episódios de “Miami Vice” e “SOS Malibu”. Em 2006, celebrou a união de 20 casais numa única cerimônia de casamento.

O trabalho de Little Richard afetou praticamente tudo o que veio depois dele na música pop –artistas de estilos diversos, como o blues rock (Creedence Clearwater Revival), o soul (James Brown), o hard rock (AC/DC) e até a MPB (Raul Seixas), foram influenciados por sua música e estilo. O cantor Prince era tão parecido com Little Richard que o roqueiro veterano o queria para interpretar seu papel numa telebiografia feita para o canal NBC em 2000.

Little Richard teve só um filho. Danny Jones, adotado com um ano durante o casamento com Ernestine Campbell. Jones trabalhou como guarda-costas do pai.

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Quase meio século de EstaR – e nada mudou

A URBS S.A., do município de Curitiba, deixará de aceitar os cartões físicos, em papel, do EstaR (Estacionamento Regulamentado) em 11/05/20. Este prazo é curtíssimo – e tem razões para isto: sanha do lucro.

Tal decisão está equivocada se considerarmos que a quarentena fez com que as pessoas se recolhessem em suas casas, deixando de usar os talões do EstaR comprados antes da pandemia.

Os blocos podem ser trocados até 10 de junho de 2020, mas esta data ainda é prematura se considerarmos que não há prazo para o fim do problema da saúde.

Apesar do agendamento, isso obriga as pessoas a se deslocarem para a URBS, quebrando a quarentena por motivo exclusivamente econômico.

Quem tem poucos talões ou apenas algumas folhas, acaba por não trocá-los e isto dá prejuízo aos usuários, ainda que de pequena monta.

O EstaR eletrônico é mais uma medida para a expansão nas vias da cidade.

Esta excrescência jurídica foi introduzida na Ditadura Militar pela lei municipal de Curitiba n. 3.979 de 05/11/1971, há quase cinquenta anos. Em 31 de março de 1982, o saudoso Prof. Aloísio Surgik questionava, publicamente, o EstaR.

O primeiro cartão do EstaR constava que não daria direito ao usuário a obrigação de guarda ou vigilância do veículo, nem a responsabilidade indenizatória por acidentes, danos, furtos ou quaisquer prejuízos que os usuários viessem a sofrer nos locais estacionados com o cartão.

Em resumo, um contrato de adesão que trazia apenas vantagens ao município e nenhuma contraprestação aos usuários, mas ninguém reclamava, afinal, estávamos em pleno regime de exceção. A ausência de garantias continua.

Com esta nova modalidade eletrônica as empresas eletrônicas contratadas vão faturar, quando se poderia desenvolver um software público para tal cobrança.

Os usuários sequer foram consultados sobre o assunto. E continuam sem o direito de ressarcimento quando ocorrem danos e furtos. Continuaremos a ter um, contrato público de adesão, como sempre ocorreu.

O Poder Judiciário, de quando em quando, condena a URBS ao ressarcimento de danos, mas para isto são necessárias ações, audiências e tudo mais que faz com que os consumidores desistam de exigirem seus direitos.

É hora de questionar a contraprestação deste serviço apenas rotativo, no qual os usuários consumidores pagam. Este modelo de cobrança infesta os municípios brasileiros – e os usuários consumidores sempre pagam o pato.

O debate deve ser público e não com a usual claque de vereadores que sempre aprova tudo que os prefeitos de plantão lhes ordenam votar nas câmaras municipais.

Publicado em Claudio Henrique de Castro | Deixar um comentário
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Carta a um não confinado

Consertamos a economia depois, todos juntos, sem individualismo

Não ponho o pé na rua há semanas. Leio, aproveito meu pacote da Netflix, experimento receitas, até comecei a pintar. Exercito-me na esteira da sala. Peço tudo por aplicativo. Faço sacrifícios: sinto falta do Iguatemi, dos meus restaurantes preferidos, de viajar.

Você, não confinado, sabota meus sacrifícios, espalhando o vírus. Devo qualificá-lo como um ser antissocial.

Não há vacina ou remédio confiável. O governo Bolsonaro ignora a pandemia, fechou o Ministério da Saúde, não coordena esforços de testagem. São mais motivos para ficar em casa, nossa única salvação.

O renomado cientista Miguel Nicolelis disse que a quarentena é para “evitar contágios”. Itália e Espanha estão flexibilizando a medida com, respectivamente, 1.552 e 2.397 contágios médios diários na última semana. Seus governos irresponsáveis deram as costas à ciência. Você nunca a seguiu.

Leio na Folha as palavras sábias do sanitarista Claudio Henriques, que adiciona prazos à meta expressa por Nicolelis. A quarentena deve perdurar por “mais de um ano” e precisará ser reforçada por períodos de “lockdown” com “cerca de duas semanas cada”. Ok: home office direto, via Zoom. Perdi um naco de renda; meus gastos, porém, também diminuíram. Mas essa extensão de meus sacrifícios só terá sentido se você ficar em casa, como eu. Hora de chamar a polícia, Doria!

Os restaurantes, graças aos céus, ainda não podem abrir na Itália. Seus proprietários iniciaram um movimento coletivo de entrega das chaves aos prefeitos. Mercenários: pressionam pelo desconfinamento em nome do vil metal. Vocês, donos de lojinhas e serviços não essenciais que furam a quarentena no Belém, no Brás, no Pari, são ainda piores que eles. Chega, né, Covas? Tem que trancar tudo, com multas exemplares.

Guedes boicota a rede emergencial de proteção social, atrasando o pagamento dos vouchers para os pobres. São meros R$ 600. Ok, acho pouco. Mas nada disso desculpa as cenas das favelas que retomam a normalidade. A vida é o bem maior. Você, informal desconfinado, revela sua ignorância ao desrespeitar a norma sanitária ditada pela ciência. Todos estamos no mesmo barco: dê sua cota de sacrifício, como dou a minha.

Quarentena tem, afinal, coisas boas. O planeta descansa, a natureza respira, a humanidade usa o tempo livre para reaprender a solidariedade. Louvo os corajosos médicos que estão na linha de frente. Postei homenagem no meu Insta, que ganha seguidores.

Vejo imagens de crianças descalças jogando bola na rua de uma favela, não sei se na zona oeste ou na leste. Serão filhos de auxiliares de enfermagem? Pouco importa: um sacrifício não justifica uma negligência. As escolas fecharam para evitar o tráfego do vírus pela ponte dos assintomáticos. Meu filho brinca no playground do prédio, quando desliga o celular. De quantas mortes você precisa para segurar as crianças em casa?

Sigo, atento, as estatísticas da Covid-19. A curva sobe, sinistra. Leio projeções sombrias de queda do PIB. Cinco milhões perderam empregos ou tiveram cortes salariais. Há, nesses milhões, gente como você, que se desconfina –e diz ao Datafolha que a quarentena deve terminar. Por falta de escola, você não aprendeu a ordem das coisas: a distinção entre gráficos relevantes e insignificantes. Economia, consertamos depois. Daqui a um ano pensamos nisso. Todos juntos, sem individualismo.

O Ocidente fracassou –e nem falo dos EUA. A Alemanha reabriu todo o comércio num dia com 282 óbitos, mais de mil contágios. É deboche da ciência. A China, sim, funciona. Lei marcial. Queria ver você lá, em Wuhan, onde dão valor à vida. O isolamento em São Paulo caiu a 47%. Covas, fracote, desistiu de bloquear avenidas. Mas disse certo: “As pessoas não entenderam a mensagem”.

Basta. “Lockdown” já! Com esse zé povinho não dá. Odeio você. Assino: um cidadão informado. Volto às séries.

Publicado em Demétrio Magnolli - Folha de São Paulo | Deixar um comentário
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O misterioso vídeo da reunião de Jair Bolsonaro com Sergio Moro

Qual seria a razão para Jair Bolsonaro tentar de tudo para evitar a entrega ao STF da gravação em vídeo na íntegra da famosa reunião ministerial do dia 22 de abril? O vídeo foi citado pelo ex-ministro Sergio Moro em depoimento à Polícia Federal no último sábado. Nesta reunião, Bolsonaro teria pressionado Moro para que fosse feita a troca na diretoria-geral da PF, quando o ex-juiz da Lava Jato recusou e os dois teriam tido um ríspido diálogo, com o presidente ameaçando demitir o ministro.

Logo depois da demissão de Moro, o papudo Bolsonaro disse que iria divulgar o vídeo da reunião. Claro que ele planejava editar a conversa para prejudicar Moro, o que demonstra sua dificuldade de avaliação. Como é que alguém poderia acreditar que Moro citaria para a PF um material que poderia ser convertido em prova contra ele próprio?

Bolsonaro acreditava nisso, mas pelo jeito deve ter sido avisado por alguém de que mesmo com edição do conteúdo ele não ficaria bem na fita, favorecendo seu ex-ministro, que acabou pedindo demissão, não sem antes fazer uma impactante apresentação à imprensa de suas razões para sair do governo.

Mas a coisa se complicou mesmo depois que o ministro Celso de Mello, do STF, incluiu o vídeo como uma das provas no inquérito que apura a ingerência de Jair Bolsonaro na Polícia Federal.

E agora Bolsonaro procura evitar a entrega ao STF. Já apareceu até a conversa de que o vídeo teria sido apagado, uma versão que provavelmente Celso de Mello não vai engolir. Aos poucos, o conteúdo da reunião também vai sendo revelado, o que vai contribuindo para entender o pânico criado no Palácio do Planalto com a possibilidade dos ministros do STF assistirem a uma boa mostra do que vem acontecendo nos bastidores desse governo absolutamente inacreditável em sua grosseria, burrice e risco para o Estado de Direito.

No popular, quem não deve não teme. O fato de Bolsonaro não querer entregar o vídeo fez aumentar o interesse pelo conteúdo da reunião de maiorais de seu governo. O Estadão contou que além da demissão do diretor-geral da PF, na reunião o presidente disse que entregaria cargos ao Centrão. Segundo o jornal, Sergio Moro “teria demonstrado discordância”. Sem dúvida, esta parte Bolsonaro faria questão de excluir.

O interesse especial do presidente pela superintendência da PF no Rio de Janeiro, além da blindagem dele e dos filhos seria também por que o presidente queria informações sobre seus principais adversários políticos no Rio. Entre os alvos estaria o governador Wilson Witzel. Moro e Maurício Valeixo, então diretor-geral da Polícia Federal, foram contrários a este uso indevido da PF. Esta informação saiu na revista digital Crusoé desta semana.

Já se sabe também que a reunião teve bate boca e palavrões. O ministro da Fazenda, Paulo Guedes, discutiu aos gritos com Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional, em divergência referente a gastos públicos na retomada da economia após a pandemia do coronavírus. Corre a notícia de que Marinho quer o lugar de Guedes no Ministério da Economia.

O jornal O Globo descobriu que Bolsonaro estava de “péssimo humor” e deu uma bronca generalizada nos ministros. Houve também muitas críticas à China. E como bom furdunço, não podia faltar a presença de Abraham Weintraub. O portal UOL afirma que o ministro disse na reunião que o STF é composto por “onze filhos da puta”. Claro que por enquanto tudo não passa de conjecturas, mas basta Bolsonaro mandar o vídeo na íntegra para o ministro Celso de Mello que tudo poderá ficar bem esclarecido.

Publicado em José Pires - Facebook | Deixar um comentário
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