Surrealismo

A incrível guerra de egos que acabou com a troca do ministro da Saúde

Roberto Alvim foi o escolhido por Bolsonaro & Filhos para ser ministro da Cultura. Não teve tempo de mostrar o que faria na pasta porque não sobreviveu à sua primeira apresentação como ministro, quando leu um texto inspirado parcialmente em Goebbels, o homem da Cultura do Reich nazista, com música de fundo de Richard Wagner, o compositor favorito de Hitler. A reação foi grande e Alvim caiu no dia seguinte, para ser substituído dias depois pela Regina Duarte, que, supostamente, nunca leu Goebbels e prefere Wagner Tiso.

Como tudo se resolveu rapidamente, não deu para meditar sobre a nomeação de Alvim e sua passagem fulminante pelo ministério, e principalmente seu significado como prenúncio do que viria a ser uma característica do governo que se iniciava, o surrealismo.

O mesmo governo que quase entregou a gerência da cultura brasileira ao filofascismo escolheu para ministro da Educação alguém sem nenhuma intimidade com a ortografia – um exemplo, entre muitos, do surrealismo que nos dominaria. A incrível guerra de egos que acabou com a troca do ministro da Saúde quando a situação mais precisava de união e continuidade ultrapassou o surrealismo e invadiu a área da demência. O presidente discursou numa manifestação que pedia a volta do AI-5 e, portanto, a queda do seu próprio governo, ou sua transformação numa paródia de governo com ele na frente, e discursou a favor do autogolpe. Ele declarou, para outra das aglomerações que o seguem por toda a parte, espalhando coronavírus: “A constituição sou eu”. Louis XIV tinha dito que o Estado era ele, Bolsonaro foi mais modesto.

Um dos recursos do surrealismo é o da alteração da natureza das coisas. Relógios se derretendo como picolés, etc. No surrealismo brasileiro, não surpreende que documentos se transformem em gente e gente se transforme em antigos reis da França.

Existe coisa mais surrealista do que o Palácio do Planalto, de onde um ex-capitão cercado por generais de fatiota comanda o País, desdizendo-se cada vez que um pronunciamento “pega mal”? Roberto Alvim assumindo a Cultura ao som de Richard Wagner até que tinha a sua lógica.

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Bolsonazis

O APRESENTADOR DO SBT sugeriu que os doentes do coronavírus fossem confinados em campos de concentração. A empresária de Curitiba exige que os defensores do isolamento sejam obrigados a vestir lenço vermelho de identificação e, caso contaminados, sejam privados de assistência médica pelo Estado.

AS PROPOSTAS não são novas nem originais. São inspiradas em deformações ideológicas do eugenismo e do darwinismo social, que pregam uma purificação social tanto pelo sacrifício dos deficientes, doentes e incapazes como pela chamada sobrevivência dos mais aptos. Eugenia e darwinismo social alcançaram o seu ápice no nazismo.

OS NAZISTAS confinaram os judeus para exterminá-los em campos de concentração e os obrigaram a costurar estrela amarela nas roupas que usavam para sair às ruas na Alemanha. O apresentador do SBT e a empresária curitibana são nazistas? Não; eles nunca estudaram história. São bolsonaristas – apenas isso, a versão atualizada, verde-amarela.

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O Imposto sobre as grandes fortunas

As propostas que regulamentam o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), previsto no art. 153 da Constituição, se encontram deitadas, eternamente, sobre berço esplêndido no Legislativo brasileiro.

Os projetos não englobam, realmente, as grandes fortunas que estão depositadas em bancos e paraísos fiscais no exterior. Nem atingem as maquinações, os arranjos e a química contábil das empresas, aparentemente deficitárias, que remetem ao exterior os seus lucros.

Há quatro propostas no páreo de apostas no Senado (PLS 315/2015, PLP 183/2019, PLP 38/2020 E PLP 50/2020).

São doze projetos prioritários no Senado e, dentre eles, está o IGF. A base do imposto sobre grandes fortunas seria a faixa de isenção mensal do imposto de renda, atualmente em R$1.903,98.

Quem ganha entre 12 mil e 20 mil vezes o limite da isenção seria taxado em 0,5%. Entre 20 mil e 70 mil vezes o limite da isenção a alíquota seria de 0,75%. E acima de 70 mil vezes o limite seria de 1%. Este imposto valeira apenas até 2036.

Esta bagatela arrecadaria 40 bilhões por ano, segundo projeções. Uma ninharia se considerarmos os ganhos dos bilionários brasileiros.

Outra proposta é um empréstimo compulsório das grandes fortunas, isto é, depois seria devolvido aos afortunados. Neste caso, a alíquota seria de 4% sobre patrimônio acima de 12 mil vezes o limite mensal do imposto de renda, aproximadamente, acima de 22 milhões. Isto seria devolvido em 2021, com base na TR (taxa referencial).

Nenhum dos projetos alcança as grandes fortunas de forma a taxá-las permanentemente – e em alíquotas condizentes com a ciranda rentista do Brasil.

A proposta do empréstimo compulsório dentro do IGF anula completamente o próprio imposto, pois o montante deverá ser devolvido. Resumindo: dá com uma mão e retira com a outra.

Neste contexto de pandemia há pressa nas votações e sairá um projeto menos gravoso aos afortunados brasileiros. Nem se cogita revogar a imunidade das igrejas de qualquer natureza, de onde surgiram as recentes fortunas no Brasil, a partir da década de 1990.

Os privilégios seculares continuarão a se manter.

Diversos segmentos das nossas elites do atraso se movimentam para evitar o IGF cuja taxação nivelou a concentração de renda nos países europeus e criou um sistema de saúde pública, uma base educacional universal pública e, em consequência, uma ampla classe média.

Com as preocupações governamentais voltadas para a redução drástica do estado e a proposta oficial de que todos se contaminem com o vírus da pandemia, o IGF caminha no mesmo sentido: manter e aumentar a concentração de renda e acirrar as diferenças sociais entre pobres e ricos, com o gradativo desaparecimento das classes médias.

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Veja-se!

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No tempo da ‘Última Hora’

Em meio à pandemia, prisioneiro em casa, neste Brasil desgovernado, lembrei-me com saudade de ‘Última Hora’. Talvez as novas gerações não saibam, mas houve nesta Terra dos Pinheirais, em meados do século passado, um jornal que foi uma das maiores escolas de jornalismo do Paraná, da qual orgulhosamente fui aluno. Refiro-me ao ‘Última Hora’, de Samuel Wainer, sediado na Galeria Asa da Praça Osório, com entrada pela Voluntários da Pátria.

Nos primórdios da década de 60, eu era um moleque de vinte anos e assinava uma coluna sobre rádio e TV na edição paranaense do vespertino que, como todo vespertino que se prezava, circulava de manhã. Do alto de minha imaturidade, sob o cognome de Epaminondas Castelo Branco, disparava críticas muitas vezes inclementes contra uma televisão recém nascida, cercada de defeitos, mas repleta de pioneirismo e de uma imensa vontade de acertar.

Mais importante do que isso eram os colegas com quem eu convivia naquela redação comprimida no mezanino da Rua Voluntários da Pátria. Não sei se me lembrarei de todos para citar, mas tinha Mussa José Assis, Aramis Millarch, Walmor Marcellino, Adherbal Fortes de Sá Júnior, Luiz Geraldo Mazza, Sylvio Back, Jairo Regis, Michel Khoury, Edésio Passos, Maurício Fruet, Cícero Cattani, Celina Luz, Naim Libos, Alenir Dutra, Carlos Augusto Cavalcanti de Albuquerque, Clóvis de Souza, J. Kalkbrenner Filho, Milton Ivan Heller, Altair Astor, Milton Cavalcanti, Francisco Camargo, Walmor Weiss, Mauri Furtado, Mauro Ticianelli, Sérgio de Almeida, Miecislau Surek, Jalvi Ferreira, Altamir Freitas, Francisco Bettega Neto, Lascir Costa, Maurício Távora, Renato Schaitza, Nelson Comel, Ralf de Oliveira, Carlos Eduardo Fleury, Vinícius Coelho, Edson Jansen e o atual digitador. Segundo página publicitária, “Esta é a equipe que faz o melhor jornal do Paraná”. E, sem nenhuma modéstia: “São jornalistas altamente capacitados que ÚLTIMA HORA reuniu em Curitiba para noticiar, interpretar e comentar os fatos, numa cobertura de 24 horas diárias. É evidente que eles não estão sozinhos. Há outras equipes nas três cidades-chaves do Estado: Londrina, Ponta Grossa e Paranaguá. Há correspondentes em todo o Interior. E há a Rede Nacional-UH”.

Não lembro quem dirigia a sucursal de Ponta Grossa, mas a de Londrina fora dirigida por Carlos Eduardo Freury, depois transferido para Curitiba para suceder Ary de Carvalho. A de Paranaguá era comandada por Miguel Salomão, que depois seria secretário da Fazenda de Jaime Lerner no governo do Estado.

A peça promocional, como toda peça promocional, era tendenciosa, não guardava isenção. Mas continha muito de verdade. UH era, efetivamente, um jornal dinâmico, bem sortido, com moderna diagramação. Ia da política ao crime, passando pela sociedade, pela cultura e pelo esporte. Era escrito em Curitiba e montado e impresso em São Paulo, mas chegava às bancas paranaenses perto das 9 h da manhã, praticamente junto com os matutinos curitibanos. As edições tinham dez páginas, com tiragens diárias médias de 30 mil exemplares.

Em uma época sem internet, sem fax ou outros meios de comunicação à distância, além do telégrafo, do rádio, do teletipo e do telefone, o material noticioso da UH Paraná era transmitido a São Paulo, por telefone, palavra por palavra. As matérias que podiam ser antecipadas, seguiam via rodoviária, por caminhão. E aí se revelava a estratégia da circulação do jornal.

Uma caminhonete saía no final da noite de São Paulo com os exemplares impressos e empacotados. Outra caminhonete saía de Curitiba, no mesmo horário, com o material original escrito e fotografias. Em Registro (SP), os veículos trocavam de motoristas. O que saíra da capital paulista embarcava na caminhonete de Curitiba e voltava com ela para São Paulo; o outro, que saíra de Curitiba voltava para casa com o veículo despachado de São Paulo. Coisa de louco: um jornal local, com cobertura nacional, impresso em São Paulo. Como a estratégia se repetia em outras capitais, como Rio, Brasília, Porto Alegre e Recife, tinha-se um jornal nacional composto por várias edições regionais. Coisa da cabeça de Samuel Wainer, um jornalista acima de tudo.

A UH Paraná viveu de 1959 a 1964, calada pela ditadura militar. Ainda duraria alguns anos em São Paulo e Rio de Janeiro, mas já não era mais aquela. Em Porto Alegre, adquirida por Ary de Carvalho, que a dirigia, virou Zero Hora.

Infelizmente, a grande maioria dos acima arrolados já embarcaram para os “pastos celestiais”, como dizem os pele-vermelhas americanos. Mas pelo menos uma dúzia ainda se encontra entre nós, à espera de uma merecida homenagem.

De vez em quando, os sobreviventes se reuniam em uma churrascada amiga. Uma delas foi promovida pelo Nelson Comel, na ‘mansão’ dele no alto da Rua Carlos de Carvalho. A foto que ilustra a presente matéria foi tirada na ocasião.

Mussa José Assis pretendia escrever a história da ‘Última Hora’. Walmor Marcellino sonhava reunir em um volume artigos da equipe UH sobre o jornal. Infelizmente, ficaram na intenção. Daí o presente texto, que vale ao menos como registro.

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Angeli

angeli© Folha de São Paulo

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O homem certo

ROBERTO JEFFERSON, atual concessionário do PTB, será ministro de Bolsonaro. Para os fins do presidente, Jefferson vale mais que Olavo de Carvalho, Carluxo e o gabinete do ódio juntos. O futuro ministro serviu-se e depois denunciou o mensalão; cumpriu pena, ele mais José Dirceu, o gerente petista do mensalão, sendo ambos cassados.

ANTES Jefferson foi ardoroso defensor de Fernando Collor. O dono do PTB pagou ontem seu ingresso no governo ao falar em complô para derrubar Jair Bolsonaro, e no melhor estilo de criminalista da televisão (assim começou a carreira política) acusou FHC como participante. Será melhor que o chefe. Inveja à vista entre os adoradores.

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Tchans!

Edward Weston, 1954

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Fascinar-se, divertir-se, experimentar até o fim

Coletânea póstuma de Sacks nos permite viajar para jardins e na mente humana

Em tempos de isolamento como o que estamos vivendo, uma das maneiras de visitar jardins, museus, zoológicos e bibliotecas é ler essa coletânea póstuma de ensaios de Oliver Sacks, brilhante neurologista, professor, escritor (e apaixonado por química e biologia).

O primeiro texto do livro, “Filhotes da Água”, é uma recordação doce da infância do autor, no qual ele relata como começou seu vício pela natação, costume herdado do pai. Já em “Peixe de Filtro”, no final do volume, Sacks nos conta como um prato típico da culinária judaica, o gefilte fish (um bolinho de peixe), acompanhou suas preferências desde quando era criança até os momentos finais da sua vida (ele morreu de câncer em 2015, aos 82 anos).

Apesar da curiosidade obsessiva e pulsante do autor pela natureza que invade o nosso olhar quando saímos da cidade (e também sobre o que pode existir fora da Terra), confesso que tenho um interesse muito maior pelos ensaios em que podemos mergulhar com ele no cérebro humano.

No relato mais intrigante dessa obra, “As Virtudes Esquecidas do Asilo”, o neurologista faz um resumo da história dos antigos manicômios e reflete sobre os que funcionavam como espaços de tortura e os que de fato eram espaços vívidos, saudáveis e necessários para que doentes mentais pudessem se sentir úteis, acolhidos e protegidos. Nos anos 1950, “a disponibilidade desses remédios [drogas antipsicóticas específicas] reforçou a ideia de que a internação não precisava ser sob custódia nem vitalícia”. Contudo, “nenhuma cidade possuía uma rede adequada de clínicas psiquiátricas”.

Em “Por Que Precisamos de Jardins”, Sacks revela que, em décadas praticando a medicina, encontrou apenas “dois tipos de ‘terapia’ não farmacológica que têm importância vital para pacientes com doenças neurológicas crônicas: música e jardins”. Uma idosa com Parkinson sofria paralisias frequentes, mas, ao se ver em contato com a natureza, subia em pedras sem ajuda. Um idoso com demência não lembrava como amarrar os sapatos, mas sabia cuidar de um canteiro de flores. Um jovem com Tourette e “centenas de tiques e ejaculações verbais por dia”, ao caminhar pelo deserto tinha o comportamento de uma pessoa normal.

Como é sabido por quem acompanhou a produção do escritor, seus relatos clínicos se tornaram, muitas vezes, obras reconhecidas —“Tempo de Despertar”, por exemplo, virou filme em 1990 com Robert De Niro e Robin Williams. Apesar de o doutor proteger boa parte de seus pacientes com pseudônimos, não foram poucos os críticos de tamanha exposição. Talvez por isso, em “Loucura de Verão”, Sacks nos apresente Michael Greenberg, um pai que resolveu transformar em livro a história da filha que “enlouqueceu” (Sally). O ensaio é uma lição sobre a doença conhecida hoje como bipolaridade, e sobre o que deve ou não virar literatura.

“Para que o cérebro se mantenha sadio, ele precisa permanecer ativo, fascinar-se, divertir-se, explorar e experimentar até o fim”, diz Oliver Sacks no texto “O Cérebro Idoso”. Aí está uma frase para você não esquecer, mesmo quando a vida estiver difícil.

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ArtShow

Reynaldo Jardim e Paulo Leminski, ArtShow, TUC – Teatro Universitário de Curitiba – 1978.  © Sérgio Moura

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O direito constitucional do quase

Segundo Nelson Rodrigues, o diálogo entre brasileiros é sempre fatalmente um monólogo – o interlocutor não existe. Se isso acontece com todo mundo, muito mais com os poderosos. O Presidente da República é o que menos vê e o que menos ouve.

O Brasil é um país que exige mais, muito mais, do que meia coragem das meias soluções. É que somos mestres em resolver nossas urgências com adiamentos. Há problemas que não podem esperar 15 minutos – e nós transferimos de geração para geração. (1)

Assim, somos o país do quase, esbarramos em estadistas que não são estadistas, em heróis que são quase heróis e quase fazemos as coisas vitais – e realmente nunca as fazemos. (2)

O “rouba, mas faz” tem na sua essência no quase honesto, pois rouba, mas faz. (3)

Temos também “o ruim com ele, mas pior sem ele” e tantos outros provérbios populares na mesma senda.

Some-se a tudo isto a nossa herança de violência do Brasil Colonial: de governantes que maltratavam seus governados, de maridos que maltratavam suas esposas, de senhores que puniam violentamente os seus escravos, de salteadores que atacavam e feriam viajantes nas estradas. (4)

Neste cenário de violência e de soluções intermediárias, apelar para o jeitinho é pedir para a compreensão, para analisar a situação que é diferente da normal, para dar uma solução diferente do que prevê a norma.

O direito tem o jeitinho como uma categoria fundamental, mas poucos admitem isto.

Nos momentos de não enfrentamento das crises, que são comuns à tibieza das instituições brasileiras, é o jeitinho que se faz, triunfalmente, presente.

A norma constitucional prevê garantias e proíbe condutas, mas na hora da sua aplicação, faz-se necessário o jeitinho, para burlar o que ela originalmente previu.

Cria-se a ilusão ou fantasia jurídica de que não é bem isto que a norma quis dizer – e assim afasta-se a sua incidência.

Temos uma sociedade violenta, na qual as leis e as instituições são, ora rígidas, ora frouxas, dependendo dos interlocutores, das situações e das classes sociais envolvidas.

Uma Constituição e uma República do quase.

Um presidente, que diz uma coisa e faz outra – e vice-versa; um Supremo e o Congresso que não enfrentam tais erraticidades e fingem que a Constituição não quis dizer bem isto.

O Ministério Público Federal investiga passeatas que pretendem um novo AI 5 com o fechamento do Judiciário e do Legislativo, mas o personagem principal não será investigado.

Em movimentos profundamente contraditórios, ignora-se a gravidade da Pandemia. A Constituição, o direito à saúde pública e o direito à vida tornaram-se um quase constitucional. 

Referências:

1.RODRIGUES, Nelson. O reacionário: memórias e confissões. Rio de Janeiro: Record, 1977, p. 86-86.

2. RODRIGUES, ___, p. 87-88.

3. BARBOSA, Lívia. O jeitinho brasileiro: a arte de ser mais igual do que os outros. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006, p. 55.

4. SILVA, Maria Beatriz Nizza. Vida privada e quotidiano no Brasil: na época de D. Maria e D. João VI. Lisboa: Estampa, 1995, p. 307.

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Eu me lembro

Os muitos tipos de confinamento de que o cinema já tratou

Um jovem poeta desiludido tem a ideia de se isolar do mundo numa loja de departamentos —aquelas tipo Sears, que ocupavam um prédio inteiro e vendiam de tudo. O plano do rapaz é entrar, esperar que ela feche e passar a viver lá, escondendo-se durante o dia. Faz isso e, para sua surpresa, descobre que outros já tiveram essa ideia e formam uma pequena comunidade oculta. É um conto de 1940 do escritor inglês John Collier (1901-1980), “Evening Primrose”. Stephen Sondheim fez dele um musical em 1966, de que saiu a canção “I remember”.

E de que, depois de algum tempo, eles se lembram? Do céu, chuva, vento, ruas, árvores, folhas, dias —dos dias, que eram diferentes uns dos outros. É como muitos de nós estamos nos sentindo.

Mas eu me lembro também dos muitos tipos de confinamento de que o cinema tratou, desde o de uma cela de prisão, em “O Homem de Alcatraz” (1962), de John Frankenheimer, até o do túnel que se escava para fugir, no francês “A Um Passo da Liberdade” (1960), de Jacques Becker. Do confinamento espontâneo e doentio de “Repulsa ao Sexo” (1965), de Roman Polanski, ao imposto por um desabamento, em “A Montanha dos Sete Abutres” (1951), de Billy Wilder, e ao infligido por alguém a uma vítima indefesa, como o de “O Colecionador” (1965), de William Wyler.

Lembro-me também de confinamentos coletivos, como o de “O Anjo Exterminador” (1962), de Luís Buñuel, em que grades imaginárias prendem um grupo que se destroça, e o de “A Comilança” (1973), de Marco Ferreri, em que amigos se prendem para comer até morrer. Sem falar no pior dos confinamentos, o de ser enterrado vivo, como em “Obsessão Macabra” (1962), de Roger Corman, baseado em Edgar Allan Poe.

No conto de John Collier, ninguém pode fugir da loja, para não denunciar os outros. Os que tentam são mortos, embalsamados e transformados em manequins da própria loja. Brrr? Calma, é só ficção.

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Alta no hospício

JOÃO GOULART caiu em 1964 quando, como presidente, compareceu ao comício da Central do Brasil, no qual defendeu as “reformas de base”. Sofreu protestos de donas-de-casa no Rio de Janeiro batendo panelas ao exigir sua deposição do governo. Os militares derrubaram-no com o golpe de 31 de março de 1964.

JAIR BOLSONARO foi ontem a comício na frente do quartel-general do Exército, em Brasília. Seus apoiadores exigiam a volta do AI-5 e da ditadura militar. Ele sabia do comício e os militares também: seus generais do gabinete não o dissuadiram e o comandante do quartel não dispersou os manifestantes.

O PRESIDENTE de hoje e o presidente de 1964 estimularam, um, a mudança, outro, a ruptura institucional. Goulart, pela atuação do Congresso; Bolsonaro, contra o Congresso, fechando-o manu militari. Um consolo aos inconsequentes e aos passivos, desta vez o vírus chegará antes das torturas e das execuções clandestinas. Aberto e democrático.

DE NOVO a história do Brasil acena com a repetição, sempre como tragédia. Será a terceira. Tivemos os Golpes de 30, de 37 e o de 1964. Hoje o caudilho do dia nos conduz à de 2020. Quem estudou o primeiro golpe e viveu o segundo, almeja apenas sobreviver ao coronavírus. Já que a tragédia é inevitável, se puder, concede-se alta no Hospício Brasil.em 1964 quando, como presidente, compareceu ao comício da Central do Brasil, no qual defendeu as “reformas de base”. Sofreu protestos de donas-de-casa no Rio de Janeiro batendo panelas ao exigir sua deposição do governo. Os militares derrubaram-no com o golpe de 31 de março de 1964.

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Lee-Ann, Milwaukee, EUA. © Bruce Gilden, from  Face – Dewi Lewis Publishing.

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As-Duas-3As Duas. © Gal Oppido

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