E Veja, para onde vai?

Minha assinatura de Veja vence em meados de agosto. Não vou renová-la. Perdi a paciência com a revista e com sua atual linha editorial dúbia, imprecisa e contraditória – se tudo isso não significar a mesma coisa.

Como bem diz o jornalista José Pires, do blog Brasil Limpeza, reproduzido no Solda Cáustico, do nosso brilhante Solda de Itararé, na presente fase de acirramento do debate público no Brasil, o perigo ronda os veículos de comunicação/informação. Esse perigo é consolidado no risco de perder o “vínculo de crédito com o leitor”. E, com isso, esses veículos se tornarem menores, fadarem-se ao fracasso e até fecharem as portas.

Segundo Pires, com quem concordo inteiramente, “uma publicação que entrou neste foco de descrédito é a Veja”. Argumenta ele: “A revista semanal já vem gradativamente demolindo a credibilidade construída anteriormente, quando desenvolveu uma linha editorial de investigação e denúncia dos desmandos e da roubalheira do PT no poder. Esta perda de prestígio piorou bastante com o lamentável desmonte financeiro da editora Abril, que publica a revista. E nos últimos meses a imagem de Veja descamba de um modo que demonstra um equívoco sério dos novos proprietários da empresa…”.

José Pires refere-se à entrada da publicação semanal na parceria com o site The Intercept para a divulgação de diálogos do ministro Sérgio Moro, quando era juiz titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, com o propósito de desqualifica-lo e macular a Operação Lava-Jato. Observa o comentarista que “a revista entra na história quando já está clara a articulação política que envolve o PT e seus puxadinhos como o Psol”, sem trazer nada de novo. Ao contrário, “a reportagem embaralha o material, dispondo erradamente acontecimentos que não podem ter ligação entre si pela inexistência de coincidência de datas”, alguns dos quais “nem eram da alçada do então juiz Moro”.

O desespero petista é ciclópico. Quer tirar o padroeiro Luiz Inácio do xadrez de qualquer jeito. Como não confia na Justiça brasileira, já recorreu à ONU e ao Papa. Agora, vale-se do material produzido pelo até então desconhecido e de repente respeitado site The Intercept Brasil, com o qual Veja acaba de fazer acordo. A “matéria prima” – anuncia a própria revista – é “o conjunto de diálogos repassados por uma fonte anônima ao jornalista Glenn Greewald”, sem comprovante de autenticidade. O objetivo é atingir o ex-juiz Sérgio Moro e todo o precioso trabalho da Operação Lava-Jato.

Veja ajudou a colocar Lula na cadeia. Foi pesada a artilharia da publicação contra o lula-petismo. Agora, ainda que procure negar, aliou-se ao então inimigo e passou a servir de referência para deputados, senadores e porta-vozes do PT e de seus satélites.

O pior que pode acontecer a um veículo de informação é perder o respeito do leitor. Ao longo de sua longa existência, nascida durante o governo militar, a revista Veja enfrentou várias situações complicadas e as superou, incluindo a própria ditadura de 64. Passou pelo triste governo Collor, até chegar ao reinado petista, com o assalto desavergonhado aos cofres públicos e a pilhagem da Petrobras. Sempre teve o apoio do leitor. Mesmo quando o mau gerenciamento derrubou o então poderoso império Abril. Quase sem anúncios, manteve-se nas bancas e na casa dos assinantes.

No momento, errou o alvo ao posicionar-se – como disse José Pires – “de um lado que comprovadamente é restrito do ponto de vista político e ideológico, além de inegavelmente ter uma ampla e sólida rejeição entre os brasileiros”. Isto é, daqueles que a leem e a vem sustentando.

Não sei quem é Fábio Carvalho, atual comandante da Editora Abril e do conselho editorial de Veja. Recorro ao prof. Google e sou informado de que se trata de um empresário que fundou e dirige a sociedade de investimentos Legion Holding, “especializada em renegociação de dívidas e reestruturação empresarial”. Quer dizer: é um cara que tem dinheiro (próprio ou de terceiros) e o multiplica adquirindo empresas à beira da falência, por uma merreca, para extrair-lhes o bagaço e fazer negócios. Simplificando: é um oportunista, de não muito definidos propósitos.

Aí começo a entender.

Publicado em Célio Heitor Guimarães | Comentários desativados em E Veja, para onde vai?
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Tabata Amaral e o PDT de Ciro Gomes próximos da separação

Acabou rápido o sonho de uma renovação política do PDT, com o destaque conquistado pela deputada Tabata Amaral com seu discurso progressista mais arejado e de uma sensatez política que faz tempo que não se via na esquerda. Tabata pode ser expulsa do PDT por ter votado a favor da reforma da Previdência nesta quarta-feira. Os caciques do partido parece que não compreendem que a perda também é de caráter simbólico.

A deputada estabelecia uma relação de empatia com a opinião pública e especialmente com a juventude. O eterno candidato a presidente Ciro Gomes também terá prejuízo político com esta expulsão. Por sinal, este impasse com o posicionamento da figura que na visão de muitos era uma revigorada no PDT mostra a incapacidade de Ciro para administrar sem rupturas até questões internas de um partido. E esse cabra queria ser presidente da República.

A deputada já havia se pronunciado a favor da reforma, mas o PDT fechou questão contra a proposta. No dia da votação, o presidente do partido, Carlos Lupi,  avisou que vai haver punição ao parlamentar que desobedecer a resolução. Ele foi ao Twitter para atacar quem defende o voto favorável. “Quem quiser o lado dos banqueiros, que vá para o lado de lá”, escreveu o pedetista.

O notório Lupi dando lição de moral pelo Twitter chega a ser engraçado. Mas mesmo Ciro Gomes, que até então exaltava Tabata como a grande revelação da política brasileira, andou sendo grosseiro com a moça. Depois de telefonar para a deputada para pedir que ela seguisse a orientação do partido, ele passou a insinuar que o voto favorável é por favorecimento pessoal.

“Eu fiz um apelo humilde pelo voto dela, para que seja contrário à reforma da Previdência. O governo tem um poder de convencimento que a gente não tem. Nós temos as palavras e eles têm emendas”, ele disse. É bem diferente do que dizia antes. Em março, ele escrevia no Facebook o seguinte: “A deputada Tabata Amaral é um tesouro! Só quem não conhece sua linda historia ou a vê com medo do que ela será no futuro, pode atacá-la desonestamente! Seu único defeito é a pouca idade com que tem que enfrentar a velhacaria política brasileira”.

Tenho a impressão de que o medo que essa tal “velhacaria política brasileira” tinha do que Tabata poderia ser no futuro chegou mais cedo do que Ciro esperava. Um pouco mais de seis meses foi tempo suficiente para que ele e seu partido mostrassem que promessa de renovação e o discurso com o aceno para valores democráticos e de respeito para a opinião contrária era só no gogó. O PDT e Ciro continuam alinhados com o velho dirigismo autoritário dos caciques da esquerda.

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Mural da História

7 de julho, 2010

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Que país é este?

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Empate

VÁ LÁ, as gravações apresentadas pelo Intercept Brasil são falsas, adulteradas, maquinadas, montadas, assim como as delações de empreiteiros sobre as propinas ao PT, assim como o sítio e o triplex não são de Lula, pois não escriturados nem registrados no cartório de imóveis.

Os 45 milhões que votaram no presidente fazem fé na primeira parte da afirmação acima e rejeitam a segunda parte, esta um ponto-de-fé para os 43 milhões que votaram em Fernando Haddad. Este é o Brasil de hoje, que faz da negação sua ideologia e válvula de escape.

Os milhões que decidiram não escolher entre o pior e o mais pior têm certezas:  1 – ainda que para o bem de todos e a felicidade geral da nação, Moro & Dallagnol conspiraram; 2 – Lula é o dono do sítio e do triplex, pois pobre gosta mesmo é de luxo; pobreza é ópio de intelectual.

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The Intercept e o escândalo que não decola

O The Intercept finalmente divulgou nesta terça-feira o primeiro áudio do material que Gleen Greenwald, dono do site, recebeu sabe-se lá de quem. Os áudios vinham sendo citados de forma sensacionalista pelo jornalista, procurando criar suspense para o que, segundo ele, seria um grande escândalo. Greenwald faz isso desde que anunciou que tinha em seu poder grande quantidade de mensagens e áudios, com diálogos trocados entre membros do Ministério Público e também de Sérgio Moro.

O áudio apresentado hoje reforça a imagem citada por Moro, da montanha que pariu um rato, com a diferença que nem rato mais vem saindo dessa montanha. Neste primeiro áudio, alguém identificado pelo site como Deltan Dallagnol comemora a proibição de entrevista de Lula em 2018, numa mensagem que não faz sentido algum como denúncia. A redação do The Intercept e seu chefe Greenwald estão com um problema sério na verificação do devido peso político do material e até da relação entre as supostas conversas e os fatos.

Greenwald fala em “conhecimento prévio e secreto” de Dallagnol da decisão do ministro Luiz Fux, mas já está demonstrado que a notícia não era segredo para ninguém. O dono do The Intercept também acusa Dallagnol de querer ocultar a decisão “para impedir que a Folha pudesse recorrer”. Parece piada. O jornal teria de ser intimado, como de fato foi. É uma determinação que está em toda decisão judicial. Como é que Dallagnol manteria segredo de uma decisão do STF que a própria Folha noticiou pouco antes de sua suposta mensagem de áudio? São mistérios do jornalista investigativo Gleen Greenwald.

Exatamente neste dia 9 completa-se um mês da primeira publicação de vazamentos pelo The Intercept e claro que Greenwald já estava muito antes com o material. Tiveram tempo de sobra para vasculhar tudo e selecionar áudios e mensagens mais impactantes. Porém até agora só conseguiram trazer a público material sem relevância do ponto de vista jornalístico e que não servem nem ao objetivo óbvio de ativismo de esquerda.

O que tem de novo neste caso é a acusação de Greeenwald, que envolve um ministro da mais alta Corte do país. O ministro Fux seria então capaz de antecipar em segredo uma decisão do STF a um promotor público? A acusação é leviana e muito grave. Consolida a imagem do The Intercept como uma publicação meramente ativista, sem respeito aos fatos e totalmente sem credibilidade jornalística.

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1990|Pamela Anderson. Playboy Centerfold

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Governante menor

Que sorte, a de João Gilberto! Bolsonaro não o elogiou

Leio que o presidente Jair Bolsonaro reagiu com indiferença à notícia da morte de João Gilberto. Não decretou luto nem se deu ao respeito de emitir um comunicado lamentando a perda desse grande artista etc. —o discurso protocolar dos chefes de Estado, que pode não engrandecer o morto, mas também não apequena quem o emite. Que sorte, a de João Gilberto! Um elogio de Bolsonaro seria uma nódoa nas homenagens que lhe estão sendo prestadas por tanta gente importante, no Brasil e no exterior. 

Outras glórias da cultura já morreram este ano, como Bibi Ferreira e Beth Carvalho, e não me lembro de ter escutado uma palavra de Bolsonaro a respeito. Beth era declaradamente de esquerda, mas não me consta que, no fim, a política tomasse muito tempo de Bibi. Bolsonaro, se fosse um estadista, e não um presidente com estofo de vereador, teria aproveitado para reverenciá-las e mostrar como um governante está acima de divergências e mesquinharias. Mas não faz isto, porque conhece bem o seu lugar. A rampa do Planalto não elevou sua estatura.

Diz-se que Bolsonaro não se pronuncia sobre certas pessoas porque não sabe quem são, nem tem quem o instrua. É possível. Seu universo de referências culturais não parece extrapolar a churrasqueira do condomínio onde morava, na Barra.

Mesmo os generais da ditadura, que ele tanto admira, eram intelectuais diante dele. Castello Branco gostava de teatro; Costa e Silva, diziam, fora craque em matemática no Colégio Militar; Geisel tinha fumaças de estadista e, por via das dúvidas, mantinha Golbery ao lado; e Figueiredo governava com os cavalos, mas seu irmão, Guilherme Figueiredo, era um escritor respeitado, inclusive pela esquerda. Já Médici, não: seu cérebro era uma extensão do radinho de pilha com que ele ia ao Maracanã.

Aliás, pela frequência com que Bolsonaro tem ido a estádios, só pode estar em campanha pela presidência da CBF.

Publicado em Rui Castro - Folha de São Paulo | Deixar um comentário
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Gabrielle. © IShotMyself

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Requiescat in pace

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Jornal Cândido de julho investiga a revalorização do ensaio

A revalorização do ensaio é o tema de capa da edição de julho do jornal Cândido, publicado mensalmente pela Biblioteca Pública do Paraná. Cada vez mais presente nas redes sociais, na imprensa e no mercado editorial, o gênero volta à tona especialmente graças ao seu caráter abrangente e fluido. É o que explica o jornalista e escritor Ronaldo Bressane, que assina o especial do mês.

Em um “ensaio sobre o ensaio”, Bressane resgata os primórdios do gênero e mostra como o texto ensaístico pode dialogar com a reportagem jornalística, a ficção, a autoficção, o diário, a crítica literária e a poesia. E o melhor de tudo: com leveza e ponderação – elementos em falta no debate atual.

Outro destaque do Cândido 96 é a transcrição do bate-papo realizado com a escritora gaúcha Cíntia Moscovich em mais uma edição do projeto Um Escritor na Biblioteca. Durante o encontro realizado em maio, com mediação da jornalista e tradutora Mariana Sanchez, ela falou sobre o incentivo à leitura no ambiente familiar, sua origem judaica, a arte do conto e a superação de um câncer (que inspirou seu novo projeto de livro).

Citado na entrevista de Cíntia, seu conterrâneo e professor Luiz Antonio de Assis Brasil também colabora com esta edição. Coordenador, há mais de 30 anos, da famosa Oficina de Criação Literária da PUCRS, ele narra os bastidores de seu mais recente lançamento, um “manual reflexivo” para aspirantes a escritor.

Retomando a discussão sobre a poesia brasileira contemporânea no jornal, o professor e escritor Paulo Venturelli comenta o surgimento de uma nova geração de versadores, mais interessada na crueza da realidade do que na aura pomposa do gênero. Uma atitude já adotada pelo autor chileno Roberto Bolaño, cuja “essência de poeta” é comentada por João Lucas Dusi, da equipe do Cândido.

O menu de inéditos traz um conto de Carla Bessa, uma HQ de Aline Daka e poemas de Luiz Felipe Leprevost e Rogério Skylab. As ilustrações deste número são de Carolina Vigna e Beatriz Cajé.

Serviço – O Cândido tem periodicidade mensal e distribuição gratuita na Biblioteca Pública do Paraná e em diversos pontos de cultura de Curitiba. O jornal também circula em todas as bibliotecas públicas e escolas de ensino médio do Estado. É enviado pelo correio para professores, jornalistas, escritores e críticos de diversas partes do Brasil.

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Jair passará, João passarinho

“Uma pessoa conhecida. Nossos sentimentos à família.”

LACÔNICA declaração de Jair Bolsonaro sobre a morte de João Gilberto. Lacônica e eloquente, ilustrativa de quem é o presidente: o homem do rancor, sectário, líder de facção, indiferente à missão de unificar os brasileiros. Só faz alimentar a divisão que o levou ao cargo. Coisa mesquinha, menor, execrável.

Para marcar sua característica e seu éthos, Bolsonaro não age como todos os presidentes da República de 1988, independentemente de suas filiações e crenças: reconhecer, valorizar e enaltecer os grandes brasileiros. Para o presidente Bolsonaro os grandes brasileiros são os de seu imaginário autoritário e preconceituoso.

Sequer o tradicional luto oficial ele chegou a decretar para João Gilberto. Nem precisava. Um elogio de Bolsonaro poderia manchar a biografia desse brasileiro que já entrara na história quando o hoje e ocasional presidente aprendia português em curso por correspondência. Jair está de passagem, João estará para sempre.

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The fuckable classmate

Onde foram parar as pessoas com quem eu transaria?

“Ah, como é difícil, né?”, minha amiga do grupo de estudo lamentou, tentando alongar o pescoço sempre rígido. “Sim, quase impossível entender Lacan.”, respondi. “Não, besta, me refiro a não ter ninguém aqui com quem eu transaria.” Rimos. Então ficamos catatônicas. 

Por motivos de matrimônio monogâmico (um dia ainda supero isso) e excessivo sono materno (um dia ainda supero isso), hoje, além de meu consorte, eu não transaria com ninguém com quem eu transaria.

Ainda assim, como é bom ter por perto pessoas com quem eu, caso estivesse transando, transaria. Não é para fazer sexo, é só para pensar: “Opa, olha lá um ser humano que me daria vontade de pentear meus cabelos, botar uma roupa limpa e me tiraria dessa desistência erótica com pitadas de moda mendiga”. E, sim, esse texto vai ter repetição de verbo, porque para algum lugar o acúmulo de energia deve ir.

No breve curso de roteiro que fiz recentemente, um amigo americano quase desistiu das aulas: “Poxa, Rio de Janeiro, eu crente que conheceria algum ‘fuckable classmate’ e NADA”. Pois é. Carecas cabeludos.

Tênis de correr com bermuda jeans. Jaqueta mofada GG naquele calor. Defensores do Moro. Perguntas imbecis tipo: “Mas se essa é uma regra para roteiro de comédia, como o senhor pode afirmar que toda boa comédia é também um bom drama?”. Onde foram parar os cariocas transáveis de outrora, que costumavam mostrar mais pele e menos demência?

Fiz uma pós em letras na USP. Me perguntavam se eu estava lá como ouvinte, e eu tinha vontade de responder: “E como transante também, pena que não tem ninguém aqui com quem eu transaria”. Todos os moços tinham aquela nuca muito redonda e cabeluda. Vocês sabem como é? Parece que é um tipo de nuca muito comum em nerds de letras. Todos tinham cara de que, se vissem um quarto horrível de pousada barata diriam: “Ai, sei lá, achei muito chique”. Não dava.

Gente, e Freud? Eu estava certa de que Freud me ajudaria a conhecer pessoas com quem eu transaria. Por que cacete os cursos mais legais atraem uma infinidade de tiazolas com calcanhar precisando de lixa e nenhum intelectual grisalho ávido por entender melhor as perversões?

Por que raios as matérias que me interessam sempre me oferecem senhores pigarrentos e com mamilos inchados em vez de mulheres narigudas com saboneteiras salientes? Onde foram parar as pessoas com quem eu transaria? Elas eram tantas e, de repente, o mundo virou aquela turma de parentes e amigos estranhíssimos que, no passado, visitava meus pais e então eu me trancava no quarto.

Seria eu um tipo desses? Seria eu uma forte integrante do grupo de pessoas não transáveis? Socorro-me-leva, Senhor!

Winnicott, meditação, o que a mitologia nos ensina sobre a astrologia, o grafite aplicado na observação de árvores… Fui a todo primeiro dia de aula depilada (sou de outro século) e com a esperança de sentar ao lado de alguém que me desse pequenos arrepios gostosinhos na medula espinhal.

Eu só fiz faculdade e tive empregos nessa vida porque estava procurando pessoas com quem eu transaria. Pagar supermercado e conta de luz, se formos honestos, obviamente vêm em segundo lugar. Respirar, viver, tudo desculpa para conhecer pessoas com quem a gente transaria. E isso não tem nada a ver com transar de fato.

Eu só leio jornal e escrevo esta coluna e escovo os dentes e existo na esperança de conhecer pessoas com quem eu transaria. Que gosto individual não é apenas a superfície socializante de uma infindável vontade de conhecer pessoas com quem a gente transaria?

Publicado em Tati Bernardi - Folha de São Paulo | Deixar um comentário
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Tempo

Mário Schoemberger, Kátia Kertzmann, Manoel Carlos Karam e Vivianne Beltrão, em algum lugar do passado. © Lina Faria

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Fraga

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