Rubem para sempre

Algumas pessoas estão proibidas de morrer. Por decreto celestial, assinado pelo próprio Deus. Uma delas é o escritor, filósofo, teólogo, poeta, professor e, sobretudo, encantador de pessoas Rubem Alves. Há quatro anos, em 15 de julho de 2014, ele saiu de cena fisicamente. Mas continua vivo. Mais vivo do que nunca, no legado que deixou, nos ensinamentos, reflexões e pensamentos que produziu e se fazem presentes em sua obra literária e no coração de todos nós.

Mineiro de Boa Esperança – “aquela cuja serra Lamartine Babo imortalizou numa canção” –, Rubem primeiro quis ser pianista. Estudou música até que comparou o seu talento com o do conterrâneo Nelson Freire. Em seguida, pensou em ser médico, por amor a Albert Schweitzer. Andou pelos caminhos dos deuses: estudou teologia no Seminário Presbiteriano de Campinas, SP; fez mestrado no Union Theological Seminary, de Nova York; doutorou-se em filosofia pelo Princeton Theological Seminary; tornou-se psicanalista pela Associação Brasileira de Psicanálise; e foi pastor protestante. Quando decepcionou-se com os ditames religiosos, decidiu ficar mais modesto e passou a andar na estrada dos heróis: militou na política, esteve na lista dos procurados pelo golpe militar de 1964 e foi professor livre-docente da Unicamp. Quando os seus “deuses e heróis morreram”, como pontuou, seguiu o caminho dos poetas, dos pensadores e das crianças: virou escritor e cronista. Mas foi, sobretudo, a vida toda, um menino e um avô que adorava brincar e compartilhar pensamentos: uma extraordinária figura humana, que amava a beleza, a natureza, as netas, os jardins e os pássaros, a sabedoria das crianças, o vento fresco da tarde, os ipês floridos, o outono, os animais, os campos e os cerrados, o mar e as montanhas, o orvalho sobre a teia de aranha e os pores-do-sol.

As palavras de Rubem Alves continuam sendo lições de vida. Suas crônicas emocionam e fazem-nos pensar. Às vezes, é irônico e bem-humorado; outras vezes, lírico e romântico; e outras mais, crítico e até mordaz. Mas sempre inteligente, humano e sincero. Ao brincar com as palavras, de uma forma suave, simples e, ao mesmo tempo, profunda, renova, a cada escrito, não apenas o confessado amor pela vida, mas a beleza e a importância das pequenas coisas, tão desimportantes para a maioria dos viventes. Com toda a simplicidade, ele é também capaz de construir verdades eternas. Uma delas: “Minas não tem mar. Mas Minas tem céu. E o céu é o mar de Minas”.

Outra: “Viver a vida, aceitando o risco da morte: isso tem o nome de coragem. Coragem não é a ausência de medo. É viver, a despeito do medo.”

Mais uma: “Um único momento de beleza e amor justifica a vida inteira.”

Mais outra: “Deus é amor e, ao contrário do que reza a teologia cristã, ele não tem vinganças a realizar, mesmo que não acreditemos nele.”

Ou então: “Quando o olho do divino e eterno se abre, descobrimos que somos velhos não por causa do tempo que passa, mas porque dentro de nós moram eternidades.”

Por fim: “Aqui se encontra a delicadeza e a fragilidade da democracia: para que ela se realize, é preciso que o povo saiba pensar. Se o povo não souber pensar, votos e eleições não a produzirão. A presença de ratos na vida pública brasileira é evidência de que o nosso povo não sabe pensar, não sabe identificar os ratos… Não sabendo identificar os ratos, o próprio povo, inocentemente, abre os buracos pelos quais eles entrarão.”

Tenho muita saudade de Rubem Alves. Saudade que era definida por ele como “a presença de uma ausência”. Ou como “a dor que se sente quando se percebe a distância que existe entre o sonho e a realidade”. Quando isso acontece, vou ao encontro dele, aos escritos e às lições que deixou, que continuam vivas e agora estão sendo reeditados pela Editora Planeta, sob a supervisão da filha querida de Rubem, Raquel, que também preside o Instituto Rubem Alves.

Publicado em Célio Heitor Gumarães - Blog do Zé Beto | Com a tag , | Deixar um comentário
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Bagre ensaboado

HAMILTON MOURÃO, vice-presidente, dá entrevista a Pedro Bial e admite que existe homossexualismo nas Forças Armadas. “Mas dentro da hierarquia e da disciplina”, insiste, bagre cada vez mais ensaboado. Não explica, porém a gente entende: o soldado gay obedece o cabo gay quando este manda estacionar o jipe na frente do STF.

Publicado em Rogério Distéfano - O Insulto Diário | Com a tag , | Deixar um comentário
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O Paraná e a Itaipú Binacional

Os royalties de Itaipú pagos aos municípios paranaenses são em decorrência, no geral, das perdas financeiras pelo alagamento da represa. Muito bem, vamos refletir um pouco sobre isto.

A dívida do empreendimento é de 1 bilhão de dólares por ano, conforme o anexo C do tratado. Ela será quitada no início de 2022, diante de algumas antecipações que foram feitas ao longo dos anos, na verdade venceria apenas em 2023.

Algumas perguntas pairam no ar no Estado do Paraná. Não temos mais um paranaense no comando da Binacional e, em consequência, perdemos este posto estratégico. Parece até a Secretaria da Fazenda do Estado que nos últimos anos nunca mais deixou pisar um paranaense no comando da pasta. Falta de quadros? Obviamente que não. Hoje um carioca, ontem, um paulista.

Outra questão legal e financeira é a de que o ICMS que não fica com o Estado que produziu a energia elétrica, mas com quem a utiliza.

Assim, a antiga província mãe, talvez madrasta, São Paulo, em decorrência de um arranjo legal, enriquece com toda a energia elétrica gerada no Estado do Paraná.

A legislação pode ser mudada? Sim, pode ser alterada, basta vontade e articulação política dos políticos paranaenses.

Mas há vontade política? Somos um celeiro de energia elétrica limpa para o Brasil, mas como ficam as finanças no contexto federativo em decorrência da equivocada distribuição de tributos?

Isso também pode ser questionado, especialmente, quando do pagamento da parcela final do endividamento da Binacional, em 2022. É hora das elites políticas paranaenses se movimentarem, ou melhor, já passou da hora.

Publicado em Claudio Henrique de Castro | Deixar um comentário
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Música, maestro!

Por que ainda não inventaram o mítico produto que tinge o xixi na piscina?

Uma das lendas urbanas mais comuns da minha infância —não só urbana, aliás, mas também rural e praiana, uma vez que o mito atingia com a mesma eficácia o interior e o litoral— era que tal ou qual piscina recebia um produto especial capaz de deixar a água vermelha em contato com o xixi. 

Tenho dúvidas, hoje, se a ameaça colaborava mais com a pureza ou a com poluição das águas, afinal, crianças são por natureza questionadoras e a promessa de uma rubra nebulosa se formando em torno do próprio corpo era ao mesmo tempo uma advertência e um convite. Confesso que eu mesmo, mais de uma vez, testei o alarme cromático —e, com partes iguais de alívio e decepção, saí ileso.

Não deve ser difícil criar tal produto. Se hoje biólogos conseguem editar parágrafos do DNA —deveria dizer estrofes?— no núcleo de uma célula dentro de um organismo vivo, por que não conseguiriam desenvolver um reagente capaz de colorir-se ao contato com a ureia ou qualquer outro componente da urina? Que não o tenhamos produzido até hoje sugere não ser essa uma prioridade da raça humana ou, pior, insinua uma tácita cumplicidade global: quem nunca?

Pum já é diferente. Pum é intolerável. Faz uns anos a minha amiga e vizinha de coluna Tati Bernardi observou, arguta como é de costume, que o maior efeito colateral da proibição do fumo em locais fechados foi a revelação do pum na pista de dança. Especialmente em casamentos. No século passado, uma névoa de nicotina e alcatrão encobria as emanações espúrias como a água da piscina diluía o xixi de uma criança. Limpo o ar, nossos vapores endógenos saltaram aos olhos, ou melhor, aos narizes.

O que encoraja o cidadão a compartilhar com a galera, no meio de “YMCA”, as emanações mais íntimas de seu ser é a certeza do anonimato. “Saberão que vem desta região, mas jamais provarão que fui eu”, pensa o delinquente, antes de dar sua modesta contribuição ao efeito estufa e esgarçar nossa fé na humanidade. Pois saibam que, para este caso, já existe tecnologia à disposição.

No início do século 21, encontraram pum em Marte. A Nasa não o chamou de pum, mas de metano, seu nome de salão —embora com exatamente o mesmo cheiro. E como foi que a Nasa chegou à conclusão de que havia pum —perdão, metano— em Marte? Analisando as fotografias da luz que atravessava a atmosfera marciana. De acordo com as refrações, ricocheteios, tremeliques, telecotecos e ziriguiduns que a luz faz até chegar ao planeta vermelho, é possível auferir se cruzou camadas de Chanel N°5, gases nobres ou, no caso, plebeus.

Pombas, se a Nasa é capaz de dichavar os gases da atmosfera marciana a quase 100 milhões de quilômetros de distância, por que é que um dispositivo, digamos, acoplado à luz estroboscópica da festa não daria conta do recado? Imagina raios especiais que conseguissem captar o metano e colori-lo ou esbranquiçá-lo como um sorriso Colgate sob a luz negra. Era o fim do pum na pista. Era o fim do pum no elevador. Era o fim do pum no táxi. (No Rio de Janeiro, basta você dizer que vai pagar no cartão e o motorista faz incidir sobre o preço do taxímetro o ágio gasoso).

Perdão, leitor, se tenho estado escatológico. Na última semana foi cocô. Nesta, pum e xixi. É que o ar anda carregado, as águas andam turvas. O ambiente está mais pra Sade & Masoch do que pra Tom & Vinicius. Tentarei ser mais solar no próximo domingo. Aliás, começo já. Despeço-me botando João Gilberto para tocar “Corcovado” dentro da cabeça de vocês. Música, maestro!

Publicado em Antonio Prata - Folha de São Paulo | Deixar um comentário
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Nada de novo

Do correspondente em Brasília

A escolinha da procuradora geral da República, Raquel Dodge, que reuniu na mesma mesa os procuradores da Lava Jato em Curitiba para discutir a crise das mensagens do Telegram, deu o esperado. O espírito de porco, quer dizer, o espírito de corpo, prevaleceu. Como nos velhos e surrados contos policiais, o culpado deve ser o mordomo.

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Os riscos do filho embaixador

Já tem uma movimentação forte nas hostes bolsonaristas para arrumar justificativas para que Eduardo Bolsonaro desista do cargo de embaixador nos Estados Unidos. Fazem um esforço para que ele possa sair dessa com o menor estrago político possível. Existe um risco fundamental que é o da sua indicação ser recusada pelo Senado, algo que na minha visão é quase certo, se o presidente Jair Bolsonaro for até o fim com o presente para o filhão.

Acho muito complicado para um senador votar a favor de uma indicação desavergonhada como esta. Vai pesar inclusive o sentimento corporativista, para evitar o risco de uma decisão desmoralizante demais para o Senado. E deve pesar também a dificuldade de cada parlamentar para explicar para suas bases uma desonra desse tamanho.

A verdade é que o negócio foi exagerado, mesmo para um Bolsonaro, ou melhor: dois Bolsonaro. A indicação para a embaixada mais importante da diplomacia brasileira foi com certeza acertada entre pai e filho, espertalhões que não têm capacitação para avaliar o conjunto das implicações políticas de uma decisão dessa envergadura.

Falei do risco de Bolsonaro ser o primeiro chefe de governo a ter uma indicação recusada pelo Senado, mas é claro que pode acontecer de Eduardo ser aceito como novo embaixador. Pois neste caso o problema se agigantará. Falta a Bolsonaro e a seu filhão a capacidade pessoal para prever os riscos, mas com certeza, entre o bolsonarismo existem pessoas capazes de avaliar a complicação que pode ser o filho do presidente virar embaixador, ainda mais no país de sua ambição.

O episódio demonstra inclusive a fragilidade intelectual das relações políticas de Eduardo Bolsonaro no plano internacional. O filho de Bolsonaro é o representante na América Latina da organização direitista internacional presidida por Steve Bannon, o marqueteiro americano descartado por Donald Trump depois de eleito. A organização tem muito dinheiro, que evidentemente não sai do bolso de Bannon. Está com uma sede internacional em um antigo mosteiro na Itália, com um contrato de aluguel pelos próximos vinte anos para o imóvel ser usado como espaço de estudos, conferências e demais proselitismos para ampliar no mundo o pensamento de extrema direita.

O grave erro dessa indicação de Bolsonaro mostra que Bannon tem uma certa dificuldade de organização estratégica. Colocar o filho do presidente brasileiro com embaixador nos Estados Unidos traria sérias dificuldades para nosso país, pois é estreita demais sua identificação com um grupo restrito da direita americana. O Brasil estaria com um embaixador de relações limitadíssimas, fechadas em um círculo da direita americana. A indicação revela a ansiedade um grupo que escancara seus planos. Dá para entender porque uma das primeiras coisas que Trump fez depois de se eleger foi chutar pra fora seu marqueteiro.

São os rolos criados de forma absolutamente estúpida pelo paizão junto com o filhão. Creio que uma parcela de bolsonaristas mais preparados — que não são muitos, mas existem — deve ter capacidade para prever problemas que se avizinham. Duas estrelas da direita, a deputada estadual Janaina Paschoal e Olavo de Carvalho, já deram o alerta em mensagens pelas redes sociais. São dois cínicos, pois passaram por cima da questão do nepotismo. Olavo nem fala disso e Janaina procede de um modo muito ruim, se assemelhando a petistas pegos em maracutaias: ela fala em “eventual nepotismo”.

Os argumentos de ambos servem unicamente como desculpa política para Eduardo Bolsonaro sair dessa. Resumidamente, os dois apelam pela sua desistência do cargo, alegando a importância política de sua presença no Brasil, o que é uma balela. O deputado é um fracasso como articulador. É genioso e briguento. Sob sua presidência o PSL paulista é um partido rachado. Mas autocrítica não conta muito para esse pessoal.

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Entre sem bater

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Soy loco por Água Branca!

Talita do Monte, Água Branca, Piauí, em algum lugar do passado. © Albert Piauhy

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Janaina Paschoal deixa pra lá o nepotismo e passa a mão na cabeça do filhão de Bolsonaro

Janaina Paschoal deu sua opinião sobre a nomeação de Eduardo Bolsonaro como embaixador nos Estados Unidos. A deputada estadual pelo PSL de São Paulo tratou a questão do nepotismo como “eventual”, deixando de fora o aspecto ético e moral da nomeação de um filho pelo presidente da República para a ocupação de um cargo de confiança. Que diferença daquela firmeza com obrigações morais, muito marcante em seu passado recente. Faltou o ímpeto justiceiro que chegou até a render memes com trilha sonora de banda heavy metal.

Ninguém pode ser acusado de exagerado se rogar aos céus uma resposta sobre onde foi parar o furor ético dessa senhora. O fervor era até um pouco exagerado, mas na ética na política é preferível o rigor do que a falta dele. E não estou falando do processo de impeachment de Dilma Rousseff, cujo equilíbrio não foi só da sua responsabilidade.

Janaina ficou famosa pelas suas manifestações pessoais extremadas sobre política. Quando era cotada para ocupar a vaga de vice ela chegou a alertar a militância bolsonarista para que não se adotasse um comportamento parecido ao dos petistas. Ela disse isso ao lado de Jair Bolsonaro, em um evento do lançamento da candidatura.

Pois ela foi se igualar aos petistas exatamente neste debate, quando é vital que se fale da ética e do respeito que se deve ter a regras morais em funções públicas, sem que isso precise ser obrigatoriamente detalhado em lei. É a mesma admissão que o PT faz do indefensável, quando é do interesse dos que mandam no poder.

Em mensagem no Twitter, depois de qualificar como “eventual” o claro nepotismo, Janaina aponta o compromisso de Eduardo com seu mandato de deputado federal de “quase dois milhões de votos”, apelando também para suas “responsabilidades no Brasil”.

A deputada estadual diz que o deputado deve “agradecer a deferência e declinar” do convite, como se não fosse uma nomeação acertada de antemão entre ele e o pai. Só falta pedir que ele faça cara de surpresa quando recusar a indicação. Janaina fala também que o filho do Bolsonaro “tem muito a fazer na Câmara e na Presidência Estadual do PSL”.

Com isso, ela acaba levantando um problema grave no currículo do provável futuro embaixador nos Estados Unidos. Sua liderança no PSL é um desastre. Não se dá nem com a líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann, deputada federal por São Paulo, que ficou apenas atrás dele em número de votos no estado. Na articulação no Congresso o filho de Bolsonaro também é um fiasco. Basta a ver a condição caótica do partido e da base do governo de seu pai.

O que Janaina parece querer é dar um jeito para Eduardo Bolsonaro se safar de uma situação altamente arriscada. Parece que o filhão armou junto com o paizão uma arapuca para ele mesmo. A indicação de seu nome depende de prévia renúncia ao mandato de deputado. Só depois vem a decisão do Senado. A repercussão do anúncio da nomeação foi péssima, fazendo rachar até mesmo a militância bolsonarista. E seu nome pode ser recusado. Seria a primeira vez que isso acontece no Senado, deixando-se sem a embaixada e fora da Câmara.

Em razão desse perigo, com o qual Eduardo não contou na sua afobação para se dar bem, os argumentos de Janaina estão na medida certa como justificativa para ele sair dessa fria. Essa sua conversa nada tem a ver com o que era esperado dela na política brasileira, a partir da sua atuação com Hélio Bicudo, Miguel Reale Jr. e outros colegas, no histórico processo de impeachment que acabou com o ciclo de poder do PT e para isso teve o apoio nas ruas de brasileiros que acreditam que vergonha na cara é uma obrigação, mesmo que não esteja em lei alguma.

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O Turco

Conheci Solda em 1622, numa pequena aldeia da Normandia. Ele se chamava então Geneviève e era uma encantadora moçoila de seus dezoito anos, rosto afogueado, cujo caso com um oficial inimigo provocara um escândalo sem precedentes na história da província.

Aos 24 anos, acusada de bruxaria, Solda (aliás Geneviève), foi condenada à fogueira, ao lado da abadia de Cerisy-La-Forêt, consumindo, além de um vestido novo que custara vinte francos, uma vida toda dedicada a minar a resistência dos exércitos invasores.

Depois de ser índio sioux e vampiro na Transilvânia, volto a encontrá-lo, já no século XIX, como aventureiro no Mississipi. Lembro-me ainda hoje da maneira como seu corpo foi atirado no rio e engolido pelas rodas do vapor, ao roubar descaradamente no pôquer.

Novo desaparecimento e eis que, em 1936, Solda marcha ao meu lado na campanha da Abissínia. Era um italiano da Sardenha, chamado Bertollucio, cuja maledicência não poupava nem o próprio Mussolini. Morreu no campo de batalha, praguejando, com uma flecha espetada no sub-solo.

Reencontro-o, muito tempo depois, com uma certa surpresa, na Sala de Imprensa da Prefeitura. Finjo que não o conheço (ele me deve uma ficha de pôquer há mais de cem anos). E ele, aliviado, retribui com igual e fingida indiferença.

Para quem não acredita em reencarnação, informo o seguinte: este último Solda nasceu em Itararé, São Paulo, em 1952 e igual aos seus avatares anteriores, é um sujeito que muito promete. Isto se não encontrar uma fogueira, o General Custer, uma estaca de madeira, um parceiro de pôquer violento ou uma flecha etíope pela frente.

O que eu, particularmente, acho pouco provável. Jamil Snege (1973)

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Coincidência

DONALD TRUMP estaria cogitando nomear o filho Eric embaixador dos EUA no Brasil, segundo o Globo. Trata-se do filho mais novo, sempre satirizado pelos comediantes do Saturday Night Live, programa humorístico de televisão, como um zero à esquerda, o mais burro dos filhos do presidente. O presidente do Brasil pretende nomear seu filho mais novo, Eduardo, embaixador do Brasil nos EUA. Toda semelhança é mera e intencional coincidência.

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O filhotismo arraigado de Jair Bolsonaro

O pessoal em torno do presidente Jair Bolsonaro vem fazendo um esforço para justificar sua nomeação do filho Eduardo Bolsonaro como embaixador nos Estados Unidos, mas não tem jeito: o estrago político é enorme. Já não está fácil para bolsonaristas falarem em ética, probidade e todos os adjetivos que a direita usa para se auto-elogiar, aproveitando para atacar adversários, acusando-os de defeitos que a eleição de Bolsonaro teria vindo para sanar.

Como é que vai ficar aquela palavrinha muito falada pela direita, a tal da “meritocracia”? Depois dessa, ficará difícil para algum seguidor de Bolsonaro repeti-la sem que todo mundo caia na gargalhada.

O bolsonarismo vem tentado o impossível. Querem convencer a opinião pública de que não há nepotismo nesta nomeação. Para isso apelam para a citação de decretos, súmulas vinculantes e outras manobras. Foi o que fez em nota, nesta sexta-feira, a Controladoria-Geral da União. Mas acontece que certas imoralidades do poder podem muito bem ser cometidas dentro da legalidade.

O nepotismo não tem nenhum impedimento legal em ditaduras africanas, por exemplo, onde por favorecer a parentada não há nenhum perigo de alguém ir para a cadeia ou perder o mandato. Por sinal, com coisas como esta o Brasil vai ficando com fama parecida aos olhos do mundo.

O que vale não é apenas a letra da lei, mas o respeito à moralidade pública. Faz muito tempo que o entendimento desta palavra — que por sinal costuma vir acompanhada do termo “filhotismo” — já está até dicionarizado. Está lá no velho Aurélio, no Michaelis, também no Aulete, no Houaiss e em tantos outros a definição dessa sem-vergonhice.

Não há lei que derrube a compreensão deste conceito. Esta é a definição do dicionário Aulete: “Nepotismo: Favorecimento de amigos e parentes por parte de quem ocupa cargos públicos”.

Outra definição muito interessante é do Michaelis, que diz exatamente isto: “Favoritismo de certos governantes aos seus parentes e familiares, facilitando-lhes a ascensão social, independentemente de suas aptidões”. Reparem que é exatamente o que Bolsonaro vem fazendo há trinta anos com seus filhos e outros parentes. Na família Bolsonaro o nepotismo é uma tradição.

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Nude with stars, 1950. © Andre de Dienes

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Trevas à vista

NA SUA CRUZADA contra a ideologia de gênero, Jair Bolsonaro decide que o registro civil de nascimentos (e o registro de identidade, o de casamentos, etc) substituirá o vocábulo genitor pelos de pai mãe. Em bom bolsonarês significa acabar com essa pouca vergonha de casamentos, filiação e parturição de casais homossexuais.

Tais situações estão consolidadas, constituem realidades sociais e decorrem da crescente e intensa definição de identidades de gênero – em todo o mundo, excetuados países islâmicos, radicais ou não. O Brasil já atua nessa direção com o alinhamento recente de nossa diplomacia na ONU exatamente na questão de gênero e não por acaso com os estados fundamentalistas.

O humano para Jair Bolsonaro e as trevas pentecostais que o seguem divide-se entre masculino e feminino. Não há meio termo possível, crise de identidade de gênero, transsexualidade, essas coisas a quem as correntes evangélicas radicais já propuseram a absurda cura gay. Aliás, apesar das contraindicações científicas, não é impossível que o presidente Bolsonaro inclua a cura entre as prestações ofertadas pelo SUS.

Bolsonaro já deve ter aprendido na presidência aquilo que não aprendeu nas três décadas como deputado: terá que fazer lei para estabelecer os dois sexos oficiais – e para ele conformes à natureza – e reprimir as tendências – já consolidadas – em sentido contrário.

Pior que isso pode acontecer, levando o Brasil ao ridículo do mundo civilizado. Mas não é impossível, considerando que Bolsonaro foi eleito por aqueles que não ignoravam sua natureza obscurantista, regressista, retrógrada. Com ele uma maioria de igual natureza e qualidade no Congresso, que pode convalidar esse ponto da pauta do atraso.

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Boi voador

Do correspondente em Brasília

– Quando se pensava ter visto tudo, vem o presidente Bolsonaro e anuncia que pode nomear o filho Eduardo para a Embaixada do Brasil nos Estados Unidos. Definitivamente, este é um governo surpreendente. Ou seria transparente? Pensando melhor, traz parente…

– Para defender a escolha de Eduardo, o pai diz que ele tem várias credenciais, como ser “amigo dos filhos do Trump” e falar “inglês e espanhol”. Pelo andar da carruagem, o pai mostra que é cada vez mais Bolsonaro e menos presidente…

Publicado em Roberto José da Silva - Blog do Zé Beto | Com a tag | Deixar um comentário
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