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Bolsonaro: sem dias de governo

Jair Bolsonaro cancelou na última hora o pronunciamento em rede nacional de rádio e TV sobre os 100 dias de seu governo. O discurso estava escrito e a transmissão havia sido programada pela EBC.

Na data praticamente protocolar de todo governo ele recua de falar de seus 100 dias de governo. Mas também pudera: os cem dias desse governo estão mais para sem dias de governo.

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Ruim

A gente dava até gritinhos de êxtase, mas era tristeza

Quero escrever sobre a ignorância, a burrice, o despreparo. Sobre gente que manda o Hamas explodir, gente que afirma que o nazismo é de esquerda, gente que chama cônjuge de “conge”. O espaço desta coluna pede que, pelo menos de vez em quando, eu discorra sobre assuntos sérios. O problema é que eu vi um seriado ruim ontem e, desde então, não consigo pensar em mais nada.

Sabe quando aquele tipo de diretor “sou um artista perturbado e cheio de personalidade e referências publicitárias” se junta com aquele tipo de roteirista “sou simples, direto e chamarei de estilo o que parece falta de talento e de verba”? Então. Mas deixa pra lá, não quero dar minha opinião. Me sinto mal. São meus amigos.

Queria dizer à diretora de arte que uma protagonista amargurada que perdeu tudo aos 70 anos não pode ter o quarto de uma adolescente fútil. Queria dizer ao figurinista que as roupas não podem parecer toalha de mesa de boteco do Centro. Mas por que eu diria isso a alguém? Então fico na minha. A trilha sonora achei afetadíssima, quase posso ver o cara falando: “Misturei eletrônico com piano clássico e um incessante pulsar de coração”. Mas não gosto de falar mal do trabalho dos meus colegas, é muito sofrido pra mim.

Quero escrever sobre o absurdo, o vexame, a boçalidade. Ditadores sanguinários sendo exaltados, religiões sendo desrespeitadas, salas cor-de-rosa para mulheres que sofrem abusos. O espaço desta coluna pede que, pelo menos de vez em quando, eu discorra sobre assuntos sérios. O problema é que eu vi um seriado ruim ontem e, desde então, não consigo pensar em mais nada.

Fiquei tão espantada que não consegui mais parar. Assisti aos dez episódios em um único dia, e a coisa foi degringolando vertiginosamente. Anotei num caderninho tudo o que mais odiei, e foram 30 páginas de rabiscos. Contudo, não posso criticar a obra. Como detonar a série se o diretor é um dos meus melhores amigos? O produtor é padrinho da minha filha. A criadora foi quem me apresentou meu marido. O protagonista cuida da minha cachorra quando eu viajo. Apesar de eu estar tomando todo o cuidado e evitando ao máximo ser específica, vai que essas pessoas percebem que estou falando delas.

Já era tarde, mas chamei meu cônjuge e ficamos enumerando as mazelas dramatúrgicas da produção até as duas da manhã. Depois que ele dormiu, eu não estava conseguindo relaxar e mandei uma mensagem para um dos meus grupos de WhatsApp, perguntando se alguém estaria acordado e toparia comentar o tal seriado –mais da metade topou e ficamos nessa até o amanhecer. A gente dava até gritinhos de êxtase, mas era tristeza. Foi superdeprê.

Estou profundamente mal com tudo isso. Não gosto de depreciar trabalhos brasileiros. Mas esse, você viu? Minha nossa. É bem pior que aquele outro.

Agora estou aqui, um zumbi, sem dormir, no meu escritório, doida para achar alguém online que queira malhar o seriado. Claro que não gosto disso, chega a me cair a pressão. Minha mãe passou para me ver. Deu a desculpa que era para me trazer umas frutas, pegar uns documentos, mas sentou aqui do meu lado e começou a descer a lenha na série. Ela também viu. A gente ficou tão excitada esculachando loucamente o episódio 7 que escureceu e eu ainda não terminei de redigir esta coluna. Enfim. Eu queria escrever sobre tantos temas. Mas vocês viram esse seriado? É ruim demais. Querem me ligar pra gente conversar?

Publicado em Tati Bernardi - Folha de São Paulo | Deixar um comentário
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Mural da História

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Choveu-se muito!

Nunca se choveu tanto em tanto tempo.

O prefeito Marcelo Crivella usa o ‘se’, alheio, impessoal e indiferente, para as consequências trágicas da chuva no Rio de Janeiro. A chuva vem por sua conta e risco dos outros. Não tem isso de ‘se chover’, ou ‘choveu-se’, para falar bonito. Chove, ponto final. O “nunca se choveu” é o traço patife e canalha do político que ser se safar (aqui cabe o ‘se’) da responsabilidade.

Para prefeito que está no cargo por tempo suficiente para antecipar solução ou atenuação para problemas recorrentes na sua cidade, só há uma solução: “cassar-se”. Com ‘se’. Em outros tempos e com merecimentos menores, o verbo adequado seria ‘guilhotinar’. Ou melhor, ‘guilhotinar-se’. Como a chuva é ato de Deus, para o bispo Crivella a culpa é de Jeová.

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Novo ABC do MEC

Paulo Freire criou um método infalível para alfabetizar adultos: expulsou das cartilhas nordestinas o Ivo viu a Eva e o Eva viu a uva, e introduziu nelas o óbvio – o vocabulário do habitat daqueles alunos. Cartilha da terra virou instantânea referência mundial, adotado por trocentos países. E o mestre é até hoje admirado e reverenciado onde exista civilização. Menos no Brasil, onde Paulo Freire foi apagado dos livros e da lousa pela estupidez desse governo que, antes de ser de extrema direita, é de extrema burrice.

Com seu gesto de arminha na mão e slogan pátria armada Brasil na boca, Bolsonaro faz descarada apologia da violência. E nisso é idolatrado, salve, salve, pelo exército, pelas polícias e milícias. E haja munição. Tanta bala à disposição de quem queira matar (com farda ou sem farda) que um grupo de soldados assassinou o músico carioca Evaldo dos Santos Rosa com 80 tiros.  No carro atingido pelos balaços, a família só escapou porque atirador de elite tem mira precisa. Mesmo tipo de pontaria que matou Marielle Franco e seu motorista, e tantos outros mortos pela precisão infalível.

Agora o MEC, o órgão com o maior rodízio de ministros nomeados e ministros demitidos dada a incompetência reinante na área, já tem tudo pra adaptar o método do mestre Paulo Freire aos novos e truculentos tempos. Saem a fauna e a flora da cartilha da terra e entra um ABC beligerante: A de arma, B de bala, C de chacina. O leitor pode seguir por si mesmo até o Z, o que não falta é palavreado mortal. E a matemática  também teria essa inspiração engatilhada: adição de cadáveres, subtração de provas, multiplicação de impunes, divisão da opinião pública (há quem condene e há quem aprove as matanças).

Tal cartilha didática, de temática sustentada por fuzis, metralhadoras, pistolas, revólveres e outros armamentos de uso exclusivo das forças desalmadas, tem até chances de ser adotada pela Escola Sem Partido. Essa aberração que ameaça o ensino público é bem capaz de prover livros em que o bê-a-bá seja assim soletrado. Provavelmente os ensinamentos soarão ao som de tiroteios ao redor das escolas.

E tudo indica que o matraquear das armas veio para ficar, que haverá paióis em cada prédio escolar para abastecer soldados e polícias hostis à educação. Se o presidente troglodita debocha do aprendizado e do conhecimento, quem irá desarmar pelotões e batalhões a serviço dele?

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Mural da História

O Estado do Paraná. Em algum lugar do passado.

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A luz que sai de um cano

Nada mais letal do que uma arma portada por profissionais e apontada contra um inocente

Há um mês, quando o país discutia a “flexibilização” do porte de armas—para que, com um revólver no cinto, os brasileiros pudessem andar tranquilos pelas ruas—, uma frase me chamou a atenção: “Somos a favor do porte de livros. A melhor arma para salvar o cidadão é a educação”. Fora dita por Marilena Umezu, professora de um colégio em Suzano, no interior de São Paulo. Como a mim, a frase deve ter sensibilizado muitos. Infelizmente, só soubemos dela pelo ataquecontra aquele colégio por dois ex-alunos armados, que resultou em dez mortes —das quais a primeira foi a de Marilena, que recebera os assassinos na porta com um sorriso. 

O porte de livros deve ser uma ideia esdrúxula para os que defendem o porte de armas. Um livro não dispara, não pode ser recarregado, não empresta macheza a ninguém. Já uma arma de fogo é enfática, passa sentenças definitivas e não apenas cala, como suprime seu interlocutor —fala a língua do Juízo Final.

Os partidários da arma de fogo devem saber que, desde o primeiro tiro, disparado por um canhão, no século 13, ela já matou mais do que todas as fatalidades, doenças e pestes juntas. Se isto os deixa excitados, talvez se espantem ao saber que as ideias contidas nos livros provavelmente mataram ainda mais —e que a maiorhttps://www1.folha.uol.com.br/colunas/ruycastro/2019/04/a-luz-que-sai-de-um-cano.shtmlia das guerras que eles admiram saiu das páginas de um livro.

A diferença é que os livros, com muito maior frequência, também salvam vidas, constroem civilizações e iluminam a humanidade. Não é possível dizer isto de uma arma de fogo. A única luz que ela produz é a da chama que sai de seu cano —e cujo objetivo é apagar a luz de quem ela tiver como alvo.

Há pouco, um idiota comparou uma arma de fogo a um liquidificador, em relação ao seu perigo potencial. É difícil imaginar liquidificadores tão letais quanto armas de fogo portadas por supostos profissionais  —como soldados do Exército— e apontadas contra um inocente.

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Marxismo cultural jamais

O novo olavo ministro da Educação assume atirando no pé: sua primeira e declarada meta na Educação é acabar com o marxismo cultural. Um ministro da Educação que põe adjetivo no marxismo é na melhor das hipóteses semi-analfabeto, na pior, nazista – digamos nazista cultural, para manter nível do debate. Não é ministro da educação, é da falta de educação, grosseirão talhado a machado, na medida do presidente que o nomeou. O marxismo é cultural, excelência. É interpretação do homem e do mundo. Portanto, cultural na mais pura essência. Aliás, na vida social tudo é cultura, desde o marxismo até o nazismo do genocídio, é a vida na mais ampla e dramática acepção.

Como esses caras mandam, como será o combate ao marxismo cultural? Só me ocorre o estilo nazi-fascista, métodos vindos da Santa Inquisição: tortura de pensadores e religiosos, mortos em fogueiras e, como de fogueiras falamos, da queima de livros. Pensadores e religiosos, insisto, do ventrículo esquerdo, que os do direito são bem vindos – Olavo de Carvalho e as bancadas troglodito-evangélicas. A Inquisição tinha especial gosto em queimar a Torá e punir com a morte os que a publicassem clandestinamente. A Torá é o livro sagrado dos judeus, como o ministro. Se bem que o ministro, discípulo do astrólogo Carvalho, está mais para a Cabala que para a Torá.

No Brasil pode ser diferente. Há motivos: o presidente muda muito de ideia e de ministros. O tempo da tortura parece que já passou. No entanto, tivemos apreensão de livros suspeitos de marxismo e a prisão dos donos dos livros nas duas ditaduras, a de Vargas e a militar. Como tenho o atributo orgânico e fisiológico do medo, recolhi meus livros marxistas: Marx, Lukács, Marcuse, Gramsci, Lefebvre, Hobsbawn, até o insuspeito judeuzinho Isaac Berlin foram despachados para a casa de Celso Renato Loch em Santa Catarina. Celso me deve esse favor desde que escondi seus cadernos de música quando foi preso pelo DOPS em 1969, vítima de denúncia anônima e falsa.

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El arte de los chicos malos de la fotografía

Jerry Hall, Jean Pigozzi e Mick Jagger, em algum lugar do passado. © El País

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Acordos de leniência e o TCU

Reza a Constituição que os poderes são independentes e harmônicos entre si. Ultimamente, quando se trata de acordos de leniência entre criminosos de altíssimas quantias, as coisas não têm funcionado com tanta harmonia assim.

Bilhões de dólares tem sido negociados em acordos de leniência à margem dos outros poderes e controles, sem o respeito aos ditames legais e constitucionais. No caso dos acordos em que envolvem recursos da União, o Tribunal de Contas a União tem que se pronunciar a respeito dessas tratativas e sobre sua economicidade, legalidade e legitimidade.

Ficou relativamente fácil para os grandes atores dos desvios dos dinheiros públicos, firmarem acordos de leniência para se livrarem do cárcere.

O problema do uso do direito comparado no Brasil é assim, obedece-se a nova lei, para burlarem-se outras as leis e a Constituição. Em resumo, ao final, comprasse a impunidade, com grande parte do dinheiro que foi desviado.

O Tribunal de Contas da União percebendo esta fuga da fiscalização nestes acordos de leniência em quantias vultosas, editou a Instrução Normativa 83 de 12 de dezembro de 2018, que obriga a sua oitiva a partir da instauração desses acordos.

Pela simetria constitucional, os Tribunais de Contas dos Estados também possuem este poder e devem ter conhecimento dessas tratativas, quando os acordos envolvem recursos públicos dos estados e municipais, pois o comprometimento das receitas estaduais é assunto de extrema importância quando se trata desses acordos que dispensam sanções e abrem mão de diversos tipos de punições penais e administrativas.

Outro tema ainda pouco enfrentando pela fiscalização são os contratos de Arbitragem firmados por entes públicos e entes privados, nos quais há advogados árbitros das partes contrárias aos interesses públicos que julgam com suposta imparcialidade.

Recentes acordos de leniência que envolvem Estados estrangeiros também não são válidos sem a concordância do Congresso Nacional. Senão, rasgue-se a Constituição. Em muitos casos, há uma corrida pela exposição nos noticiários e redes sociais. Contudo, o cumprimento do devido processo legal e das leis ainda não foi abolido no Brasil.

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Pobre Brasil do aqui e agora

O que fazer quando o presidente e o chanceler de seu país dizem, em Israel, que o nazismo foi um movimento de esquerda? O ideal é dar de ombros e seguir na vida cotidiana. Essas afirmações bombásticas são feitas para provocar debate. Não tenho tempo para ele.

Sinto muito pelos professores de História no Brasil. Terão de explicar como um movimento de esquerda invadiu a União Soviética, uma espécie de meca da esquerda mundial naquele período. E como milhões de pessoas morreram a partir desse fogo amigo.

Os professores de História terão de se consolar com os de Geografia, que ainda acham que a Terra tem uma forma arredondada. São colegas com uma tarefa mais dura: explicar que a Terra não é plana, como querem os novos ideólogos.

Estamos passando por uma revisão completa. Seus autores se acham geniais. O chanceler Ernesto Araújo disse que o nazismo é de esquerda, dentro do Museu do Holocausto, em Israel. Ali, o nazismo é considerado um movimento de extrema direita.

Mas o chanceler disse que há teorias mais profundas. Os judeus, que sofreram com o nazismo e ergueram um museu para lembrar suas vítimas, são superficiais: ainda não descobriram a verdade das obscuras teorias conspiratórias que embalam o governo brasileiro.

A direita embarca na canoa usada pela esquerda no passado recente. Não há mais respeito às evidências ou provas científicas. O que importa é a versão. Não houve desvio de dinheiro público, apenas procuradores e juízes perseguindo honestos políticos.
Eles convergem na tentativa de conformar os fatos às suas convicções ideológicas. O que foi aquela gritaria na Câmara? Nada mais que uma aversão compartilhada à palavra tchutchuca.

Suspeito que direita e esquerda são machistas da mesma maneira que suspeito que a Terra seja arredondada, e o nazismo tenha sido um movimento de extrema direita. Tenho pavor dessas gritarias noturnas na Câmara. Na minha época descobri: servem apenas para prejudicar o sono. Saem todos tensos e irados e têm dificuldade em dormir. Só isso.

Uma reforma da Previdência é coisa séria. É possível alterar a proposta do governo. Mas é muito difícil negar a importância de alguma reforma, antes que a Previdência quebre como na Grécia.

Há mais de um século a esquerda desenvolve suas técnicas de provocação. Guedes precisa mais que o curso de alguns dias para enfrentá-la com êxito.

Minha experiência mostra que nessas constantes trocas de insultos, sempre alguém vai insinuar que o outro é gay. Com o tempo, certas pessoas se acostumam. É o meu caso. Tive a sorte, como na música de Cazuza, de ser chamado de viado e maconheiro. O único problema era ser chamado de apenas um desses dois nomes. Ficava esperando o outro como se estivesse faltando algo.

É como a piada de um homem que vivia no andar de baixo, e todas as noites o vizinho de cima chegava meio bêbado e tirava as botas ruidosamente. O homem reclamou. O bêbado voltou do botequim, jogou a bota esquerda com força, mas se lembrou do vizinho. Tirou a bota direita com muito cuidado, silenciosamente. O vizinho de baixo não dormiu esperando que ele jogasse a outra.

Todas aquelas pessoas xingando as outras na Câmara: não há nada de pessoal naquilo. Apenas histeria política.

É preciso superar logo essa fase de sensibilidade à flor da pele. Entender que é o país que está em jogo. E não depende apenas da reforma da Previdência.

A política externa toma um rumo radical, sem que o tema seja discutido adequadamente no Congresso. Nesse sentido, é uma política tão autoritária como a que nos ligou ao bolivarianismo. Não expressa a visão nacional.

O Ministério da Educação não funciona. Todos as semanas demitem e contratam. A ida do ministro Vélez à Câmara mostrou que não tem projeto. Exceto o de reescrever sua parte da história do golpe militar. Ele é modesto diante do chanceler que quer reescrever a história da Segunda Guerra Mundial e levar sua mensagem cristã a todos os recantos do mundo.

O velho cardeal Richelieu já dizia no século XVII: o homem é imortal, sua salvação está no outro mundo. O Estado não dispõe de imortalidade: sua salvação se dá aqui ou nunca.

Publicado em Fernando Gabeira - O Globo | Deixar um comentário
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Muito além do jardim para Jair Bolsonaro

Na semana passada, Jair Bolsonaro veio de novo com mais uma de suas falas constrangedoras, quando procura justificar algo e acaba expondo de forma brutal seu despreparo. Em discurso na inauguração de uma ouvidoria do governo federal, ele disse que “não nasceu para ser presidente” e que o cargo é “só problemas”. Falando sobre o desconforto com as obrigações do cargo, ele veio com essa: “Não me sobe à cabeça o fato de ser presidente. Eu me pergunto, eu olho para Deus e falo: O que eu fiz para merecer isso? É só problema, mas temos como ir em frente, temos como mudar o Brasil”.

A situação desse político atordoado, às voltas com as obrigações de um cargo muito além de sua capacidade lembra bastante a figura de Mr. Chance, personagem de um filme que as novas gerações desconhecem. Todo mundo devia assistir esta obra-prima, mais que pertinente ao que vivemos nos dias de hoje. O filme é “Being there” ou “Muito além do jardim”. O protagonista ficou por conta de Peter Sellers, espantosamente perfeito no papel, como acontece em todos os filmes em que aparece. É uma comédia que exige na construção da personagem central muita capacidade técnica de atuação. Mr. Chance tem que ser convincente, embora tudo o que ele diz e propõe seja próprio de um homem que passou toda a vida isolado da realidade. O desafio resolvido de forma muito hábil pelo grande ator é que embora dizendo os maiores absurdos, o protagonista não pode ser tomado como um idiota qualquer.

O filme é extraído de um livro excelente, de um dos escritores mais singulares que já existiu, o polonês Jerzy Kosinski, que viveu nos Estados Unidos. Foi dirigido por Hal Ashby. O roteiro é também de Kosinski, inteiramente perfeito, especialmente na construção de Mr. Chance, que na obra escrita é de uma síntese primorosa. Editado no Brasil, aqui é atualmente uma raridade. Kosisnki tem outros livros muito bons, impossíveis de serem encontrados neste deserto cultural que virou o Brasil.

Mr. Chance é um homem totalmente ingênuo. Passou toda a vida como jardineiro em uma mansão, onde seu único contato com o mundo era pelo que via na televisão. Viveu isolado desde a infância neste lugar cercado por muros altos, até que seu patrão morre e ele é obrigado a deixar a casa. Depois de ser atropelado por um magnata passa a ter contato com industriais e dirigentes políticos. A partir daí, tudo o que ele diz vai sendo interpretado como declarações geniais e propostas políticas de grande poder de resolução. Acontece que ele apenas repete em outros contextos o que passou a vida assistindo na televisão. E mesmo quando Mr. Chance fica calado por não compreender o que lhe pedem, alguém encontra uma compreensão que se encaixa de forma esclarecedora em seu silêncio. O livro é uma crítica profunda à falta de qualidade da comunicação de massa. Trata também do vazio intelectual da política. É uma visão pioneira, pois o filme é de 1979.

Na política, Bolsonaro é o próprio Mr. Chance, com a ressalva de que, ao contrário desta personagem de ficção, nosso presidente é altamente ambicioso e sem nenhum escrúpulo em se dar bem, aproveitando as chances que aparecem. Outra diferença muito grande é que as facilidades de Bolsonaro como Mr. Chance se esgotaram com sua eleição. Até ser eleito ele podia dizer as maiores barbaridades, sem que houvesse a obrigação de ter que mostrar o funcionamento na prática. O que temos agora, neste desconsolo e no visível apavoramento do presidente é o segundo episódio de Mr. Chance, que é claro que o filme não teve. Porém, a vida real segue implacável.

Do mesmo modo que acontece no filme com Mr. Chance, até a eleição de Bolsonaro, cada declaração estúpida que ele dava — e foram tantas! — era logo interpretada como uma resposta objetiva a determinado problema brasileiro. Claro que houve também um esperto aproveitamento político, mas a verdade é que era de forma natural que Bolsonaro ia encaixando suas grosserias. Desse modo, ele acabou sendo visto como um sério demolidor do politicamente correto, implacável com os bandidos da política e também do crime comum, o homem que iria colocar o país numa era de equilíbrio moral e político. O candidato de uma direita tosca foi amoldado ao sonho conservador do fim do aparelhamento das instituições públicas e do desmascaramento do discurso esquerdista da proteção de minorias, eliminando de uma tacada esta ferramenta perigosa da instituição do comunismo em nosso país.

Claro que o que era atacado com grosserias e propostas simplórias por Bolsonaro tinha solidez real, como o que também ocorria com as questões resolvidas por Mr. Chance apenas com uma frase. Cabe fazer um paralelo entre ambos no prestígio alcançado sem exame algum dos problemas, apenas pelo entusiasmo popular produzido por comentários estúpidos. Porém, as semelhanças terminam quando Bolsonaro é obrigado a enfrentar a obrigação pessoal de demonstrar na prática o funcionamento de sua visão muito simples para a solução de complexos problemas nacionais. É neste segundo episódio do nosso Mr. Chance que estamos há um pouco mais de três meses. E até que não levou tanto tempo assim para os brasileiros perceberem que se enganaram com alguém que foi suficientemente estúpido para não medir as conseqüências de chegar a um cargo executivo de tanta responsabilidade, munido apenas de suas concepções do baixo clero da política.

Como eu disse, não houve um segundo episódio para Mr. Chance — quase escrevia “Mr. Chance real”. Na discussão crítica proposta no filme o protagonista idiota não assume responsabilidade direta por nenhuma de suas opiniões. Não é o caso de Bolsonaro, como os brasileiros assistem com um espanto que se aproxima cada vez mais do horror, até porque não dá para se entregar ao riso, já que nesta comédia grotesca não estamos no papel de platéia. É no palco que o nosso destino permanece ligado ao político colocado quase por acaso na Presidência da República — aí sim, temos o Mr. Chance “real”. O final deste enredo ninguém sabe, mas com certeza nenhum de nós se salva, muito menos os que abriram a possibilidade deste segundo episódio real e avassalador, colocando no poder um homem totalmente inepto para a comprovação de forma prática de tudo que na realidade ele não sabia como fazer.

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