O Twitter como um sofá

Uma escocesa de 71 anos, chamada Jo Cameron, sente quase nenhuma dor e nenhuma ansiedade. Os cientistas estão pesquisando o mapa genético de Jo e esperam achar um remédio que nos aproxime da ausência de dor e ansiedade.

Ao analisar a situação política brasileira, sinto falta de uma dose desse remédio natural. As coisas parecem degringolar nas últimas semanas. Não tenho ânimo para dar conselhos nem para atirar pedras. Nesses 90 dias, misteriosas forças estão em curso no governo e nas relações de poder. Talvez o melhor seja esperar a troca de farpas passar com calma, para falar da realidade…

Bolsonaro, que conheci como deputado, mudou bastante. Ele era conservador, anticomunista e de vez em quando fazia incursões exóticas contra a importação da banana do Equador.

Nesse processo eleitoral, adquiriu uma espécie de crosta teórica: uma visão estreita de nacionalismo; uma cosmovisão religiosa voltada para a catequese do mundo; enfim, uma volta a um passado idealizado como objetivo político.

Isso é um fenômeno importante pelo menos no mundo ocidental. É chamado de retropia. É uma utopia que não fantasia sobre um futuro idealizado, mas sim um passado idealizado. Qualquer das utopias, no entanto, choca-se com a realidade quando se dispõe a governar um país complicado como o Brasil.

O diálogo político com um idealista utópico é muito difícil. Tende a considerar os argumentos como uma submissão à realidade, desconfia do que lhe parece o vazio medíocre da ausência de uma utopia.

Bolsonaro, eu achava, teria mais chances se buscasse inspiração nas Forças Armadas atuais, que conquistaram uma grande simpatia, pela moderação política e eficácia em operações complexas e emergentes, como a distribuição de água no Nordeste e a montagem da Operação Acolhida em Pacaraima, que organizou a recepção dos venezuelanos. Um trabalho de nível internacional, com grande respeito pelos imigrantes.

Parece que ele sonha com os combatentes do passado e, de alguma forma, voltar atrás, refazer aquela luta contra a esquerda. Isso não bastou. Quer reconhecimento, reescrever a História.

Olho isso com tranquilidade no indivíduo, pois conheço muita gente fixada em certos períodos do passado. Mas o caminho que as Forças Armadas tomaram, fixando-se no presente e olhando para o futuro, é muito mais adequado para um presidente da República.

Os aliados aconselham Bolsonaro a deixar o Twitter. Parecem não ter percebido que o tuíte não se escreve sozinho. É apenas uma plataforma que pode ser usada com sensatez ou não.

Tirar o Twitter é tirar o sofá. Bolsonaro vai prosseguir na sua cruzada retrópica. Ele foi ao Chile, onde as cicatrizes são maiores que no Brasil, discorrer sobre o período ditatorial.

O resultado não se limitou à divulgação de suas infelizes frases do passado, mas também houve uma entrevista do próprio presidente do Chile, distanciando-se das posições de Bolsonaro.

Nos Estados Unidos, nessa plataforma diplomática que acaba inundando as redes sociais, Bolsonaro afirmou que a maioria dos imigrantes é mal-intencionada. Ainda bem que desmentiu em seguida. Na mesma semana, Eduardo Bolsonaro, presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, declarou que os imigrantes ilegais eram uma vergonha para o país. Se ele lesse os arquivos da comissão, veria que, no passado, havia um grande empenho para ajudar os brasileiros em situação irregular em todo o mundo. Chegamos a criar consulados itinerantes. Os próprios parlamentares evangélicos eram muito atuantes nessa frente.

Tudo bem, meu interesse não é argumentar contra as ideias de Bolsonaro ou mesmo as dos utópicos de esquerda. Quero apenas dizer que a posição missionária de Bolsonaro e do grupo intelectual que o inspira pode desencadear forças destrutivas. Quando o governo tem a pretensão de governar comportamentos, fica impossível achar um modus vivendi.

Isso influencia até a relação com o Parlamento. Bolsonaro, até agora, foi incapaz de organizar, quanto mais ampliar, sua base. Não fez um gesto republicano para a oposição.Na verdade, não ocupou e parece não ter querido ocupar o espaço do presidente de todos os brasileiros de dentro e fora do país.

Não adianta falar muito, apenas esperar que as forças destrutivas encerrem seu ciclo numa volta à realidade ou então num desastre. Grupos e mentalidades muito fechadas tendem a considerar as críticas como um esforço conspiratório, para minar a legimitidade do governo.

Como no castelo de Kafka, havia uma porta aberta pela eleição. Bolsonaro não a encontrou. Não se perdeu no Twitter. Está perdido.

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Playboy – Anos 50

1956_09_Elsa_Sorensen_Playboy_Centerfold1956|Elsa Sorensen. Playboy Centerfold

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Inimigos íntimos

Cada lado acha que só a sua, digamos, proposta para o Brasil está certa

No Brasil do passado, havia o partido da situação e o partido da oposição, e seus adeptos eram chamados de simpatizantes. Veja bem, simpatizantes —e não antipatizantes, embora, às vezes, alguns demonstrassem mais aversão ao partido adversário do que afinidade com o seu próprio. Mas, tendo crescido entre partidários do PSD (o partido do governo, das raposas mineiras e dos proprietários rurais) e da UDN (o da oposição, dos “homens de bem” e da classe média urbana), posso garantir que eles viviam em razoável harmonia. Seus líderes se xingavam nos comícios, mas a briga raramente descia do palanque. 

De uns tempos para cá, não há mais adversários. Há inimigos, e um quer exterminar o outro. Cada lado se arroga a falar em nome do Brasil, como se só a sua, digamos, proposta estivesse certa. Nesse sentido, os dois lados estão cada vez mais parecidos.

Um deles, o atualmente no poder, tem conseguido juntar todos os seus críticos num vasto aglomerado de esquerdistas-comunistas-marxistas, incluindo políticos, ministros de STF, ecologistas, professores, vários jornalistas, a Folha e a TV Globo. Não muito diferente do que esteve por longo tempo no poder, para quem seus críticos compunham um, idem, aglomerado de coxinhas-golpistas-fascistas, incluindo políticos, empresários, a Lava Jato, o Ministério Público, a Polícia Federal, praticamente os mesmos jornalistas, a Folha e a TV Globo.

Uma amiga minha, de esquerda, acredita que a facada em Bolsonaro foi mesmo armação, com a participação do povo de Juiz de Fora, dos cirurgiões do Albert Einstein e do exército israelense. Outra, de direita, acredita até hoje na lenda do kit gay e da mamadeira de piroca e está convicta de que não houve ditadura militar. 

As duas não se conhecem. Estou pensando em apresentá-las. Se não se matarem, arriscam-se a se tornarem amigas de infância —que é a idade mental política de ambas.

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Amy Winehouse, Adegão. © The Guardian

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Fodidos & fedidos

Flashes da batalha de ontem na CCJ da câmara dos deputados.

Para um deputado de talhe impúbere e de feições andróginas, o presidente Francisquini revelou autoridade e pulso. Pena que trocou de lugar com o pai, este na assembleia do Paraná, ele na federal. O pai meteria todo mundo num camburão da polícia e iriam embora, ele junto.

O governo Bolsonaro viu com quantos paus se faz uma canoa. De tanto ofender e xingar a oposição, recebeu o troco da oposição. Foi pau, pedra, o começo do fim do caminho. Zeca Dirceu, filho de nosso Trotsky, bateu pesado no governo, aquilo de quem com filho fere com filho será ferido.

O ministro Paulo Guedes voltou ao tempo de vendedor de títulos públicos e explicou sua reforma com as aspas descritas com os dedos. E mandou a oposição para a Venezuela. O inocente pensa que esquerdista sonha com Caracas. Caraca, esquerdista gosta mesmo é de Miami.

Maria do Rosário, a deputada petista, foi reincidente específica no dodoi da agressão. Na falta de um Messias recusando-se a desflorar-lhe o rosário, conseguiu se dizer agredida pela assessora do ministro Paulo Guedes. De óculos cambaios e cara de freira chorona não dá para levá-la a sério.

De um lado e outro, todos iguais. Os de ontem fizeram o que os de hoje fizeram ontem. Culpado maior, o Messias, aprendiz de tirano, que decidiu ser chefe de milícia ao invés de presidir a todos os brasileiros. Entre fodidos e fedidos, só restaram bodum e miasmas fecais.

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Educação de maluco – O chefe de gabinete e o assessor especial de Ricardo Vélez, colombiano que é ministro da Educação, foram demitidos. Para evitar que este samba do crioulo doido alucinado descambe, não seria melhor botar pra fora de tudo o guru Olavo de Carvalho? (Zé Beto)

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Fraga

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O carro do capitão continua patinando

Instalado há mais de 90 dias no palácio do Planalto, o capitão Messias ainda não começou a governar. Parece não saber como se faz isso, uma vez que da importância do cargo que ocupa, como já se disse aqui, ele, com certeza, não tem a menor ideia.

Em três meses, o que produziu o novo comandante com a sua “nova maneira de fazer política”? Tirante a liberação da posse de armas de fogo, apenas uma série de asneiras e irresponsabilidades, ditas e feitas por um governo inexpressivo, liderado por um trapalhão – que precisam ser corrigidas de imediato pelos milicos palacianos, que parecem ser os únicos com alguma consciência em um governo totalmente inconsciente. Até o nosso outrora fulgurante Sergio Moro encontra-se oculto em meio à mediocridade.

Depois de jogar no colo do presidente da Câmara dos Deputados uma mal explicada proposta de reforma previdenciária, que ninguém viu ou sabe como será, Bolsonaro embarcou no Força Aérea Um e passou o tempo “estreitando as relações com países amigos”, como os Estados Unidos da América, Chile e Israel.

Na grande potência do norte, a submissão a Trump chegou a vassalagem, ignorando o nosso Messias que o homem do topete amarelo odeia servis e vassalos, respeitando apenas aqueles que o enfrentam. Não obstante, diz-se que, na intimidade, apoiou um possível ataque militar à Venezuela de Maduro. No Chile, embora alertado previamente, não conteve a língua e fez uma exaltação pública ao ditador Pinochet, constrangendo o presidente Piñeda e irritando o povo chileno.

Em Israel, ciceroneado pessoalmente por Benjamin Netanyahu, orou no Muro das Lamentações, visitou o Santo Sepulcro e homenageou as vítimas do Holocausto, sem saber bem o que isso significou, já que repetiu a idiotice proclamada pelo chanceler Ernesto Araújo, de que o nazismo foi um movimento de esquerda.

Mas o pior de tudo Bolsonaro deixou aqui no Brasil antes de embarcar: a ordem para que os quartéis brasileiros comemorassem, no dia 31 de março, os 55 anos da ditadura militar de 1964.

Ora, eminente presidente. Quando o general Mourão (o outro) precipitou o golpe às autoridades constituídas, à democracia, à liberdade e ao estado de direito, que prendeu, torturou e assassinou milhares de brasileiros, v. exª. tinha apenas nove anos de idade e sabia muito pouco o que estava acontecendo. Ao que parece, tampouco soube nos 21 anos que se seguiram. Por isso, faço questão de informá-lo: a quartelada – que se iniciou em 1º de abril e não em 31 de março, como querem os fardados – de 1964 representa um dos mais trágicos e lamentáveis episódios da história do Brasil, que o próprios militares de hoje preferem esquecer.

Por isso, “comemorar” ou “rememorar” a data só poderia ser coisa insensata de v. exª., alheio que é ao pensamento e aos anseios da população. Ninguém ou muitíssimo poucas pessoas têm saudade de 1964 e dos 21 anos seguintes. Só não se esquecem deles para que nunca mais se repitam.

Então, prezado capitão, ou v. exª. entra nos eixos e começa governar de uma vez ou seremos obrigados a repetir-lhe aquele conselho dado de viva voz, na Câmara, pela deputada federal Tabata Amaral, de apenas 25 anos, nascida na periferia de São Paulo, filha de um cobrador de ônibus e de uma diarista, ao vosso infeliz ministro da Educação:

– Se não tem condições, saia do cargo!

Publicado em Célio Heitor Gumarães - Blog do Zé Beto | Deixar um comentário
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Clarah Averbuck

clarah-com-faca© Myskiciewicz 

Tinha essa menina, amiga minha desde que nasceu, a Florisbela. Ela amava a boemia, as drogas, a putaria e todas essas coisas que vêm junto com o rock. Anos e anos se passaram e ela lá, firme. Mudou de cidade, mudou de casa umas cem vezes, de tabaco, de cor de cabelo, de manequim, mas nunca mudava de vida, sempre no limite, sempre nos excessos, sempre cambaleando por causa da vódega com um cigarro torto na boca. Até que Murphy, que regia a vida da menina, disse “chega. Vou ter que acabar com isso, ela não pode morrer agora. Esteatose hepática nela!”

Mas não adiantou. Ela descobriu que era só parar com a vódega e continuar com a cerveja e o vinho. E assim passaram os meses, com Murphy lá, coçando o queixo e pensando no que poderia fazer para impedir a auto-destruição de Florisbela.

Tentou fazê-la engordar por causa do álcool, mas ela emagreceu e voltou a beber.

Tentou deixá-la miserável e sem dinheiro para bebida e cigarros, mas ela tinha amigos.

Tentou arrumar um namorado para ela, mas ele era dono de um bar e só piorou.

Até que ele teve a genial idéia de mandar-lhe um rebento. Murphy sabia que Florisbela não faria um aborto — apesar de achar que cada um cuida do seu útero como bem entender, ela não gostava da idéia de arrancar um filho de onde ele estava, ainda mais quando era a mistura dela com o cara que ela amava, não, não e mil vezes não. Florisbela teria o filho e pronto. E assim fez Murphy.

Florisbela, então, percebeu que não deveria mais fumar nem beber nem usar droguinhas, porque o Beanie (que era como ela e Marc Bolan, seu namorado, chamavam o rebento, porque ele parecia um feijãozinho) não tinha nada a ver com os excessos dela, nem com as bebedeiras, nem com o tabagismo.

E Florisbela passou a beber bem pouquinho e fumar menos ainda.

E Florisbela passou a comer coisas saudáveis.

E Florisbela passou a encher a cara de chá.

E Florisbela começou a notar que seus peitos eram os maiores do mundo e sua barriga estava gigante.

E Florisbela estava muito feliz com isso tudo e ficou pensando em escrever histórias infantis, como a de Joo, o Gato Ciumento.

E Florisbela decidiu passar a gravidez inteira lendo tudo que não leu e tudo que leu e escrevendo tudo que não escreveu nos últimos meses.

E Florisbela bradou ao vento: “fofoqueiros, enfiem um dedo no cu e rasguem, pois sim, eu estou grávida, e sim, estou feliz, e não, não serei junkie durante a minha gravidez, e não, jamais faria um aborto, então cuidem de suas vidas e em vez de fofocarem pelos cantos, me mandem roupinhas de bebê ou depósitos em dinheiro!”

E foram todos felizes para sempre, mommie, daddie, Beanie, os quatro gatos e a pimenteira, até a próxima crise. * Os nomes foram mudados para ninguém perceber que estou falando de mim mesma.

Clarah Averbuck

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Palocci consegue emprego, mas não vai receber salário

Ex-ministro recebeu proposta do Instituto Universal Brasileiro

ex-ministro Antonio Palocci recebeu uma proposta de emprego para trabalhar no Instituto Universal Brasileiro (IUB), empresa de cursos do ensino fundamental, médio, técnico e profissionalizante a distância. 

CONSELHOS 

Palocci será contratado como assessor de planejamento da empresa e cumprirá jornada de trabalho no horário comercial.

CUSTOS 

No início ele não será remunerado pelo trabalho. O ex-ministro só terá um salário após o IUB começar a ter resultados com as mudanças que ele sugerir.

ROTINA 

Palocci ficou preso em Curitiba por mais de dois anos. Ele deixou a prisão em novembro para cumprir o regime semiaberto domiciliar em São Paulo após a homologação do acordo de delação premiada celebrado com a Polícia Federal do Paraná.

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Ticiana Vasconcelos Silva

E tá vendo a pinta bem no meio do peito? É a marca de um coração, de uma alma e de um espírito em um só corpo. A união de todos os aspectos. A matéria a serviço do universal. O amor incondicional. A veia do artista. O olhar do caçador. O alento do mistério. O segredo. O ímpeto de um ser que abdicou das construções ilusórias. A vitória. A luz que sai da vastidão. A condição mística da solidão. A incógnita da filosofia. A maestria. A dimensão abstrata. O símbolo da escuridão. O medo e a razão. Destino e prontidão que tremem diante da conclusão rápida de toda a desmistificação. O inepto desejo destruído. Eu, a maligna sensação do deserto. Como um cetro menor. Como a nota maior. Poluída pela miséria. Sorrateira como o inglório Deus da unção. Que se esquivou da tarefa de abrir a arca da divisão entre o mundo e a prisão. Forasteiros e terrenos. Gentios e mosqueteiros. Todos que mantiveram a distância do cemitério e do silêncio da injustiça. Para não dar continuidade ao sol que continua impassível. E não nos dá alívio. Pois somos a correnteza da inquietude. E se nos aquietamos, ficamos impunes. E se nos rebelamos, somos fios desalinhados. Do séquito senil e desentranhado das aldeias. Meros beatificados das ideias mínimas e  dos predomínios da ficção. Perdemos a definição da destreza da distinção entre o norte e a solução rápida, tácita e pronta a dizer não. Pronta a atacar a mais séria criação. Por isso, descrevo o que me faz agir sem ação. O sábio, o mágico, o destemido coração.

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Tudo pela morte

Extinguir a vigilância eletrônica que reprime acidentes é agir contra a vida

As asnices oficiais, a um só tempo tristes e anedóticas, juntam-se ao blá-blá-blá sobre a Previdência e formam uma névoa que encobre certos atos de irresponsabilidade ou de má-fé no governo. Até mesmo com grande potencial de ameaça à vida.

Embora em Israel, Jair Bolsonaro propalou um exemplo desses atos, cuja alucinação é comprovável em números captados por meio eletrônico. Pela internet, interrompeu a participação na campanha eleitoral da direita radical israelense e comunicou o fim, à medida que acabem os contratos, da vigilância eletrônica das velocidades em rodovias federais —as lombadas eletrônicas ou radares fixos.

Não teve cerimônia em expor seu raciocínio: “É quase impossível você viajar sem receber uma multa”. Culpa dos radares. Não lhe ocorreu que multas respondem ao abuso de quem dirige, e não do radar. Do próprio Bolsonaro, pois, nas idas dos fins de semana em Angra dos Reis. Onde, por sinal, o ímpeto desordeiro submeteu-o a outro tipo de multa, por invadir estação ecológica vedada à presença humana, por uso de motor de popa e pesca proibida na área. O fiscal do Ibama que o multou foi demitido há dias.

A eficiência dos radares está comprovada pela redução de mortes nas estradas que os têm. E ainda pelo aumento de 50% dos registros de infração em 2017-18. Extinguir a vigilância eletrônica que reprime a provocação de mortes, portanto, é agir contra a vida. Coerente em governo que promove o uso de armas, porém mais uma atitude contrária ao povo desprovido de governo.

Bolsonaro armou-se também de um argumento ao gosto popular: “Por que queremos acabar com isso? É a indústria da multa, é para meter a mão no seu bolso, nada além disso”. É ainda a campanha da mentira. O pagamento das multas é recolhido pelo governo, sem participação das concessionárias.

Não é diferente, senão na forma, a providência de Sergio Moro como ministro da Justiça: uma comissão especial para estudar os tributos incidentes sobre os cigarros. Bem entendido, para a possibilidade de que o ministro sugira a redução. Em toda parte, mesmo no Brasil e apesar da força dos fabricantes e da publicidade, há sempre mais medidas para reduzir o consumo de tabaco, em especial o do cigarro. Apesar da astronômica arrecadação que a indústria cigarreira representa para os governos, a luta da medicina se impôs contra essa causa de doenças horríveis e mortes prematuras. É uma vitória de alcance mundial.

O ministro da Justiça nada tem a ver com tributos. O pretexto é o contrabando de cigarro paraguaio, que, na verdade, nem sempre é paraguaio: é brasileiro mesmo, dá umas voltinhas e figura como estrangeiro contrabandeado. Contrabando é reprimível com ação policial eficaz, cuja responsabilidade, no caso, é do ministro da Justiça interessado em tributos que baixem o preço do cigarro brasileiro.

Cigarro mais barato é estímulo a consumo maior. No mínimo, à contenção da constante queda. Logo, é um modo de disseminar doenças e mortes em maior número, sobretudo entre jovens e os mais pobres, uns e outros com menos dinheiro disponível. Missão injustificável que Sergio Moro se atribuiu. Ou aceitou. Em favor da única indústria que tem um lobby equivalente ao das armas, se não mais forte.

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Na mão direita

Galileu, sob ameaça de tortura, teve que se desdizer e afirmar que a Terra não se movia em torno do Sol. Calado, dizia a seus botões: “mas que se move se move”. Digo aqui, sob risco de tortura, que o messias brasileiro não é nazista. E aos meus botões confesso: apenas porque não é de esquerda.

A grande, fundamental, seminal e definitiva questão brasileira: o nazismo foi de direita ou de esquerda. Para quem? Evidente que para você, eu e cinquenta milhões de brasileiros matando cachorro a berro ela não diz nada. O nazismo está lá atrás, quase oitenta anos, e dele restaram preconceitos, neonazistas e comportamentos nazistas – aqui no visível e radical genocídio praticado todos os dias na África e na Ásia, sem sequer a pausa do purgatório em campos de concentração.

Direita e esquerda perderam o sentido depois da queda do Muro de Berlim, de Rússia e China neocapitalistas. Os dois apedeutas brasileiros que, na falta do que dizer e do que fazer, resgatam a distinção nem sabem de onde ela se origina. Mas os apedeutas, à sua maneira tosca e pedrês, pensam que sabem – com eles é essa dificuldade, pensar e saber. Ao jogar o nazismo para a esquerda ele cai no colo da oposição ao Messias da classe média furibunda e imediatista.

Ou seja, Lula, Gleisi, Dirceu et peterva são nazistas. Temos que reconhecer que a oposição cuspiu para o alto ao acusar nosso Messias de nazi-fascista. Melhor ficar fora dessa briga de macacos, que combatem com tiros de merda. Só cabe aqui a ponderação, digamos, etnológica: no Brasil, esquerda e direita só definem a mão que empunha o papel higiênico. Eis a fonte do pensamento bolsoignárico: os messio-ignáricos usam a mão direita. Esquerda, só nas bundas e mãos nazistas.

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Votar sem saber direito

Democracia é assim mesmo. Você vota e só depois vai saber o que fez

Os britânicos estão às voltas com as complicações decorrentes da sua dramática decisão de sair da União Europeia, decretada por um referendo em junho de 2016. É o famoso brexit, que está diariamente no noticiário e que, nós, que não somos ingleses nem europeus, tentamos acompanhar sem entender direito. O imbróglio envolve a primeira-ministra Theresa May, o Parlamento, os outros países e, agora, o próprio povo britânico, que parece se dar conta de ter feito besteira ao votar pela saída.

Por coincidência, eu estava em Londres por aqueles dias e no próprio dia do referendo. O qual me interessava muito pouco, diante da temporada de revivals de musicais clássicos americanos rolando nos teatros, como o de “Show Boat”, “Guys and Dolls” e outros. O problema é que, ao entrar e sair de cada teatro, eu me defrontava com os cartazes cobrindo as paredes da cidade, mostrando a severa figura de sir Winston Churchill dizendo sua frase, pronunciada, imagino, na Segunda Guerra: “Brits don’t quit” —um jogo de palavras significando, ao mesmo tempo, que os britânicos não desistem nunca, nem fogem da raia.

O cartaz insinuava que, se Churchill (1874-1965) estivesse vivo e fosse, de novo, primeiro-ministro britânico, o Reino Unido não sairia da União Europeia. Fã de Churchill, isso me fez decidir logo para que lado torcer no referendo. Veio o dito e acompanhei nas ruas os resultados. Os britânicos desmentiram Churchill: 51,9% votaram por sair; 48,1%, por continuar.

Hoje, com as grandes empresas europeias deixando Londres e com a perspectiva de um futuro sombrio para os ingleses em matéria de indústria, comércio, finanças, imigração e turismo —tudo por causa do brexit—, vê-se que eles votaram obedecendo a um impulso, sem saber direito no que estavam votando.

Democracia é assim mesmo. Você vota e só depois vai saber o que fez. Mas, aí, já era.

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