Nas águas de março

Trump e Bolsonaro enfim juntos. Imperdível oportunidade para a construção de um muro – em volta dos dois.

Como se viu em Suzano, na Nova Zelândia ou Paris, esta é a Era em que qualquer minuto pode se tornar a hora do pesadelo.

Coerente, o Bolsonaro: um presidente sem visão que isenta o visto.

Os favoráveis à tortura merecem ser favorecidos por ela.

O problema de se alimentar o ódio é que ele não gosta de sucrilhos. Sua ração básica é carne humana.

A tecnologia tenta de todo jeito conectar as pessoas. A linguagem, porém, insiste em desconectá-las.

No Brasil, não faltam obstruções à justiça. A começar por certos juízes.

Não é permitido marketing para armas de fogo. Mesmo assim seu público-alvo é o mais atingido.

O probrema da educação brasileira é o diproma do ministro de educação.

Quanto mais desmoralizado fica esse governo, mais inúteis ficam suas bombas de efeito moral.

Eu sou do tempo em que os alunos matavam as aulas, e não o contrário.

O parto cesárea ou com fórceps é o primeiro bullying de muita gente.

O presidente dorme com uma arma ao lado da cama. Daí nossos pesadelos.

Luto é a infelicidade alheia que mais traz felicidade aos incapazes de a conseguir por conta própria.

O PIB dá sinal de vida. Tomara que o IML perceba.

Nem todo político tem rabo preso mas todo rabo preso tem vários políticos.

Aqui se faz, aqui se recebe no máximo umas medidas socioeducativas.

Mesmo que acabassem os pedófilos na igreja católica, não iria adiantar muito. A pedofilia é ecumênica: abusa em todas as religiões.

A polícia brasileira não é a polícia americana. Mas antes de prender alguém até que podia arremedar: “Vou ler os direitos que você não tem.”

Numa sociedade imbecilizada e imbecilizante como a nossa, até quem não é admirável pode ter zilhares de admiradores.

Não tá fácil sobreviver a 2019. Pergunte a quem já morreu.

Fazer planos pro Futuro é ilusório: a gente pode até nem estar nos planos dele.

O IBGE nem precisaria fazer censo pra saber quantos incapazes tem no Brasil. Paulo Guedes resume todos.

Alta das ações da Taurus surpreende. O maior lucro, porém, será das funerárias.

Não encher o saco dos outros também é ajuda humanitária.

A confusão é a seguinte: o que é grave parece brincadeira e as bobagens andam muito sérias.

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Hoje

© Myskiciewicz Okamoto

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Navegação no nevoeiro

Os dois fatos da semana no Brasil, o massacre de Suzano e a prisão dos matadores de Marielle Franco, inspiram posições firmes. Mas, vistos de perto, são na verdade uma espécie de areia movediça. Na verdade, a imagem que tenho é de um nevoeiro. Como tantas coisas na vida, precisamos navegar nele com cuidado, pois não temos ainda a visão completa da cena.

No caso de Suzano, falou-se na influência dos games? Mas temos poucas pesquisas nesse campo, e não indicam isto até agora. Bullying? Também se fala muito, mas cravar que a causa é bullying, de certa forma, é culpar as vítimas.

Assim como nos Estados Unidos, certamente haverá um debate sobre controle de armas. E os argumentos aqui parecem os de Trump, que aconselha aos professores uma arma de fogo.

O momento ainda é de velar os mortos e buscar o maior número de informações sobre os atiradores. O que se pode obter também, como nos Estados Unidos, é uma espécie de perfil dos criminosos e um inventário de traços comuns entre eles.

O caso Marielle também é um nevoeiro. Fiz um programa de TV sobre o tema, fui ao território das milícias em Gardênia Azul e Rio das Pedras. Confiava no caminho do delegado Giniton Lages, embora não o tenha entrevistado. Conheci Giniton como delegado de Homicídios na Baixada. Eu trabalhava num programa sobre a série de assassinatos de vereadores do interior, mortes que escaparam do radar da grande imprensa.

Alguns foram mortos pelas milícias, depois de serem eleitos por elas. Giniton parecia um conhecedor da ação e das táticas milicianas. Enquanto o visitei, ele conseguiu desmontar um grupo que roubava a Petrobras, não com propinas e superfaturamento, mas na veia: desviava o petróleo dos dutos para vendê-lo na Baixada.

Acontece que, no meio do caso Marielle, Raul Jungmann denunciou que as investigações estavam sendo bloqueadas. Raquel Dodge se mexeu, a própria Polícia Federal decidiu investigar as próprias apuracões da polícia do Rio.

Não pretendo ver muito no nevoeiro. Mas a grande esperança que tinha era no trabalho tecnológico. Por mais planejado que fosse o crime, dificilmente conseguiria despistar a teia de câmeras e o exame da rede telefônica naquele lugar, naquelas horas.

A verdade é que mesmo esse detalhe foi pensado por eles. Compraram um aparelho para neutralizar essas pesquisas que dependem do cruzamento de dados. Mas não funcionou. O telefone de Ronnie Lessa foi detectado dentro do Cobalt no cenário do crime.

Isso pode ser uma ajuda no nevoeiro. Fala-se em delação premiada dos criminosos. Não creio. Confio no mesmo difícil caminho de cruzar ligações, vasculhar contas bancárias, detectar relações comerciais. Ronnie tinha casas caras, carros e barco. A delação premiada, nesse caso, é a lei do menor esforço.

Certamente, existem muitas escaramuças para tornar o nevoeiro mais denso, inclusive a plantação de falsas testemunhas. O ideal seria preservar o caminho tecnológico dessas sabotagens internas.

Será preciso desvendar em toda a sua extensão o chamado Escritório do Crime. Não creio que a fórmula seja decisiva para evitar os assassinatos mercenários. Mas pelo menos joga esse tipo de crime numa fase anterior e desorganizada, reduz sua capacidade.

O atirador Ronnie Lessa morava no mesmo condomínio do presidente Bolsonaro. A promotora afirmou que isto é irrelevante, pois não temos controle sobre a vizinhança. Acho indiscutível esse argumento. Vizinhos são vizinhos. Mas, do ponto de vista da segurança institucional, é preciso mais curiosidade sobre os vizinhos de um presidente que já foi vítima de atentado.

Ronnie é um grande matador, passou por explosões, tiroteios, tinha explosivos na sua casa e importou 117 fuzis, que valem em torno de US$ 1 milhão.

Da varanda de sua casa, ele podia ver a janela do quarto da filha do presidente. Meu argumento é risível para os que estão mergulhados na luta ideológica. Dirão: o perfil do criminoso era o de um grande inimigo da esquerda, jamais faria mal a Bolsonaro.

Entra aí a pequena divergência. Ele é visto como um matador ideológico. Mas, na verdade, é também um matador profissional. Na primeira condição, é inofensivo; na segunda, um perigo como vizinho do presidente de qualquer país no mundo.

Essa vizinhança, independentemente de qualquer ilação, é um dado político no Rio. A cidade é um campo minado.

Pelo menos, houve uma vitória sobre a tese do crime perfeito no caso Marielle. Do ponto de vista criminal, é um estímulo para que o método científico e tecnológico seja mais usado no Brasil. Aqui no Rio, ainda navegamos num nevoeiro. Tudo o que temos agora é o fio da meada, um pequeno rastro de luz.

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As más companhias do governo Bolsonaro

Muitos já escreveram no Brasil sobre os equívocos do governo de Jair Bolsonaro nas relações externas, área de extremo risco porque paga-se em curto prazo o custo de erros, com o prejuízo batendo direto nas contas do país e na sua segurança. Perde-se dinheiro e são atraídos perigos dos quais até agora estivemos livres, mas que aparentemente andam muito próximos. O Brasil já é citado até em carta de terrorista que mata 49 pessoas na Nova Zelândia.

E as más companhias agora são de responsabilidade e de Bolsonaro, sua equipe e sua família. Sem dúvida, nisso o ciclo de governos do PT errou demais, mas não faz sentido bolsonarista ficar justificando dificuldades absurdas de gestão apelando para a comparação com o desastre que o partido do Lula foi para o país .

Nas relações externas o governo Bolsonaro só vem dando bola fora. Uma demonstração do quanto eles estão errados veio de um alerta recebido no Estados Unidos, durante a viagem oficial para o encontro com Donald Trump. O tema foi o vínculo forte com Steve Bannon.  O recado foi para Eduardo Bolsonaro, que atua internacionalmente com a desenvoltura de um chanceler, aproveitando-se da condição de ser filho do presidente da República.

A puxada de orelha não foi de nenhum esquerdista. O aviso em tom muito sério foi de Roger Noriega, influente anticastrista. Ele é embaixador e foi homem forte da diplomacia latino-americana no governo George W. Bush.

Ele disse o seguinte: “Suponho que ele saiba que Bannon entrou em desacordo com a Casa Branca e com a família do presidente. Obviamente ele é um adulto e pode escolher seus amigos. Mas eu acho que seria bom passar mais tempo ampliando seu círculo e encontrando mais aliados, trazendo mais amigos para a causa de uma boa relação bilateral”.

Novamente cabe dizer que isso já foi dito muitas vezes por aqui, em nosso pais, mas é claro que vale a correção feita por alguém de fora com muita experência no ramo, apesar de eu achar que ele também não será ouvido. A relação incondicional e até apaixonada da família Bolsonaro com Bannon é muito parecida com a extrema proximidade de Lula e Dilma Rousseff com Fidel Castro. Já escrevi sobre isso e expus minha suspeita de que existe uma pesada dívida que sempre manteve a esquerda de rabo preso com a ditadura cubana.

Também é de se desconfiar que o grude entre os Bolsonaro e Bannon — que envolve inclusive Olavo de Carvalho — tenha a ver igualmente com coisas que ficaram em haver. Não vou especular montantes sobre tais obrigações, mas com certeza é um compromisso que pode ficar pesado para o Brasil.

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Na cabeça do mandante

Imagens de Marielle Franco tomaram as ruas do Brasil

No dia 15 último, quem andou pelas ruas do Rio viu-se cercado de imagens de Marielle Franco. Seu rosto estava em cartazes, faixas, camisetas, buttons, num boneco gigante e nas vozes de multidões na Candelária, na Cinelândia e no local onde ela foi morta há um ano, no Estácio, com seu motorista Anderson Gomes. Cenas parecidas aconteceram em São Paulo, Belo Horizonte, Lisboa, Buenos Aires. Rádios passaram o dia cobrindo as manifestações, amplificando as vozes de políticos, advogados, religiosos, estudantes e ativistas, todos empenhados numa nova pergunta: “Quem mandou matar Marielle?”.

Com a prisão de Ronnie Lessa e de seu esbirro, Élcio Queiroz, e a reconstrução do meticuloso planejamento para o crime, fica desautorizada de vez a versão do crime “de ódio” contra uma mulher negra e homossexual —que eles mal conheciam e de quem nunca ouviram um discurso como vereadora. Fica evidente que houve um mandante, para quem a eliminação de Marielle seria um aviso, um sinal de seu poder. É contra este que se dirigem agora as investigações.

Esse mandante continua solto. Eu me pergunto o que estará achando da onipresença de Marielle e do que ela passou a representar na vida do país. Ele não esperava por tamanha avalanche. Por causa desta, nos últimos meses, já foi obrigado a mover peões e torres em tabuleiros oficiais para amarrar a busca de indícios que levariam a ele. Significa que, nesses canais, conhece-se sua identidade.

Agora, a prisão de Lessa e Queiroz precipitou tudo. Seu nome está na boca dos homens que ele contratou, instruiu e pagou para matar por ele. E se, para um deles ou ambos, não houver compromissos de honra? Até há pouco, eu imaginava este homem seguro em seu anonimato, testando seu sangue frio e até se misturando nas ruas com os manifestantes por Marielle. Mas não mais. Ele deve estar assustado. E pode ser que já nem esteja no Brasil.

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Sorrisos

Li no jornal inglês The Guardian que está em exposição em Florença, na Itália, a única escultura feita por Leonardo da Vinci – sem contar o grande cavalo que o mestre esculpiu um dia, provavelmente só para mostrar que podia. A atribuição da escultura a Da Vinci não é unânime: está, mesmo, havendo uma briga feia entre experts e acadêmicos sobre sua autoria: os curadores da exposição em Florença, e outros entusiastas da descoberta, contra os céticos. Os que acreditam que a singela escultura da Virgem com Jesus no colo seja do Leonardo têm até uma biografia pronta da obra, realizada, segundo eles, quando o artista tinha 19 ou 20 anos e ainda era um pupilo no atelier do florentino Andrea Del Verrocchio.

Na escultura de Leonardo da Vinci ou de quem quer que seja, Jesus olha para Maria, Maria olha para o filho. Os dois estão sorrindo. Nada mais raro na iconografia religiosa do século 15 do que uma Virgem Maria e um Menino Jesus sorrindo. Os dois sorrindo um para o outro, então, beirava o escândalo. Que cumplicidade era aquela entre mãe e filho que não incluía o resto do mundo, que era um pacto só deles, um carinhoso trato fechado? E sorrindo por que, se aquela história acabava tão mal, com tanto sofrimento e sangue?

Se nada mais na escultura pode ser atribuído, sem discussão, a Leonardo da Vinci, os sorrisos não deixam dúvidas. O sorriso de Maria é precursor dos outros sorrisos intrigantes espalhados por Da Vinci pela sua obra, culminando no famoso sorriso da Monalisa, exposto no Louvre atrás de camadas de japoneses. Para os 500 anos da morte de Da Vinci, o Louvre prepara uma exposição para este ano que também conterá controvérsias, como um desenho caricato da Monalisa chamada Mona Vanna, ou Mona Vaidosa, que pode ou não pode ser uma autogozação do próprio Da Vinci.

Os sorrisos do Da Vinci são frequentemente chamados de “enigmáticos”. Talvez porque não tenham “mensagens” a serem procuradas, ou código a serem decifrados, além do prazer da grande arte. Se bem que já ouvi atribuírem o plácido sorriso da Monalisa a um desconforto gástrico.

Clica!

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Fazendo feio na casa dos outros

O governo Bolsonaro está numa condição política tão pouco inteligente e sem capacidade de discussão crítica que não só leva a um péssimo comportamento como também impede a compreensão de sinais emitidos pela opinião pública, por especialistas e vindos das estruturas de poder, incluindo governos estrangeiros.

E nem vou falar sobre a necessidade da leitura atenta ao que traz a imprensa, porque já faz tempo que este meio vem sendo usado pela máquina bolsonarista meramente como suporte para a justificativa de erros, o ataque a adversários e a criação de espantalhos tão estúpidos que servem como animação dos fanáticos que já estão do lado do governo.

O que dizer do espetáculo burlesco montado na véspera do encontro com o presidente Donald Trump? Bolsonaro comandou um jantar na embaixada brasileira em Washington para o qual convidou Steve Bannon, o porcalhão da campanha de Trump. Os dois tiveram uma desavença séria, com problemas até com a família do presidente.

Só por isso já seria um despropósito, na descortesia de antes de um encontro festejar com alguém com quem o anfitrião não se dá bem. Mas teve mais que isso. Bolsonaro passou a noite com Bannon e outras figuras da ultradireita americana falando mal da China e sabe-se lá de que outros governos. Mas as nações e povos atingidos certamente terão as informações dos mexericos.

Mas o que fazer com um governo tão surdo às mínimas evidências que não tem atenção alguma ao resultado do que vem fazendo? Embalados pela máquina de comunicação subterrânea do bolsonarismo, com suas análises fraudulentas e fakes news, a militância já está acreditando nesta viagem como o advento de uma nova era nas relações do Brasil com os Estados Unidos.

Poderíamos até achar tudo muito engraçado, mas isso não é possível agora nem nunca. Está aí algo sobre o qual absolutamente não se pode achar que “um dia vamos rir de tudo isso”. Pelo custo que o país terá que bancar no futuro, acho melhor dizer um dia tudo isso vai nos fazer chorar muito.

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O tucano esvoaçante

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Curto-circuito

© Cau Gomez

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Poluicéia Desvairada!

As melhores bundas do Inhotim. Museu do Inhotim, MG. © Lee Swain

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Todo dia é dia

mouraPaulo Moura

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Luis Fernando Verissimo

a-aliança© Myskiciewicz

Esta é uma história exemplar, só não está muito claro qual é o exemplo. De qualquer jeito, mantenha-a longe das crianças. Também não tem nada a ver com a crise brasileira, o apartheid, a situação na América Central ou no Oriente Médio ou a grande aventura do homem sobre a Terra.

Situa-se no terreno mais baixo das pequenas aflições da classe média. Enfim. Aconteceu com um amigo meu. Fictício, claro. Ele estava voltando para casa como fazia, com fidelidade rotineira, todos os dias à mesma hora. Um homem dos seus 40 anos, naquela idade em que já sabe que nunca será o dono de um cassino em Samarkand, com diamantes nos dentes, mas ainda pode esperar algumas surpresas da vida, como ganhar na loto ou furar-lhe um pneu. Furou-lhe um pneu. Com dificuldade ele encostou o carro no meio-fio e preparou-se para a batalha contra o macaco, não um dos grandes macacos que o desafiavam no jângal dos seus sonhos de infância, mas o macaco do seu carro tamanho médio, que provavelmente não funcionaria, resignação e reticências… Conseguiu fazer o macaco funcionar, ergueu o carro, trocou o pneu e já estava fechando o porta-malas quando a sua aliança escorregou pelo dedo sujo de óleo e caiu no chão. Ele deu um passo para pegar a aliança do asfalto, mas sem querer a chutou. A aliança bateu na roda de um carro que passava e voou para um bueiro. Onde desapareceu diante dos seus olhos, nos quais ele custou a acreditar. Limpou as mãos o melhor que pôde, entrou no carro e seguiu para casa. Começou a pensar no que diria para a mulher. Imaginou a cena. Ele entrando em casa e respondendo às perguntas da mulher antes de ela fazê-las.

— Você não sabe o que me aconteceu!
— O quê?
— Uma coisa incrível.
— O quê?
— Contando ninguém acredita.
— Conta!
— Você não nota nada de diferente em mim? Não está faltando nada?
— Não.
— Olhe.
E ele mostraria o dedo da aliança, sem a aliança.
— O que aconteceu?
E ele contaria. Tudo, exatamente como acontecera. O macaco. O óleo. A aliança no asfalto. O chute involuntário. E a aliança voando para o bueiro e desaparecendo.
— Que coisa – diria a mulher, calmamente.
— Não é difícil de acreditar?
— Não. É perfeitamente possível.
— Pois é. Eu…
— Seu cretino!
— Meu bem…
— Está me achando com cara de boba? De palhaça? Eu sei o que aconteceu com essa aliança. Você tirou do dedo para namorar. É ou não é? Para fazer um programa. Chega em casa a esta hora e ainda tem a cara-de-pau de inventar uma história em que só um imbecil acreditaria.
— Mas, meu bem…
— Eu sei onde está essa aliança. Perdida no tapete felpudo de algum motel. Dentro do ralo de alguma banheira redonda. Seu sem-vergonha!
E ela sairia de casa, com as crianças, sem querer ouvir explicações.
Ele chegou em casa sem dizer nada. Por que o atraso? Muito trânsito. Por que essa cara? Nada, nada. E, finalmente:
— Que fim levou a sua aliança? E ele disse:
— Tirei para namorar. Para fazer um programa. E perdi no motel. Pronto. Não tenho desculpas. Se você quiser encerrar nosso casamento agora, eu compreenderei.
Ela fez cara de choro. Depois correu para o quarto e bateu com a porta. Dez minutos depois reapareceu. Disse que aquilo significava uma crise no casamento deles, mas que eles, com bom-senso, a venceriam.
— O mais importante é que você não mentiu pra mim.
E foi tratar do jantar.

Esta crônica, um clássico de LFV, faz parte da antologia As mentiras que os homens contam, Editora Objetiva/2000.

Luis Fernando Verissimo é jornalista, escritor, humorista, cartunista e quadrinista, vive em Porto Alegre. Para conhecer sua obra e trajetória, acesse a Wikipédia. 

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Fraga

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Social e tal

Quem tropica se trumbica

O prefeito Rafael Greca soltou nota de desculpas à enfermeira municipal que ofendeu. Texto longo, derramado, meloso como compota. Mas só escreveu o prenome dela, omitindo o sobrenome – medo que a enfermeira se candidate a alguma coisa em cima da falseta do prefeito?  No entanto, deu o nome e sobrenome da enfermeira que é secretária municipal.

Rafael tropicou. Feito menino mimado, na resposta grosseira a simples ponderação da funcionária. Vaidoso e narcisista, ao omitir-lhe o sobrenome, falta de educação agravando a grosseria. No soluço do cérebro, quando atenua a ofensa a enfermeiros falando da enfermeira sua secretária – tipo o homofóbico que se defende dizendo ter amigos gays.

Social e tal

Flashes do jantar de Jair Bolsonaro, ontem na embaixada do Brasil em Washington. Bolsonaro com a cara de quem não sabe o que fazia ali, a mesma desde que assumiu a presidência. Durante seu discurso os americanos presentes recorrem à tradução simultânea – a expressão mais ouvida pelos gringos foi ‘this thing’, o isso daí do Capitão.

Na ponta da mesa o filho pensador, o deputado Eduardo, arquiteto da polícia, perdão, política exterior do Brasil. À esquerda e à direita do presidente, cotovelo com cotovelo, os gurus de Eduardo, Olavo de Carvalho e Steve Bannon. Este último foi importado por Eduardo depois de descartado por Donald Trump, de quem tentou ser o Olavo de Carvalho.

Na frente do chefe, a um corpo do embaixador brasileiro, o nosso ex-Sérgio Moro, sem a cara feliz do tempo em que palestrava para os gringos sobre corrupção e Lava Jato. Ao lado de Moro uma senhora de echarpe, jeitão de doutora Rosângela “eu moro com ele”. Não devia ser. Usava fone de tradução do português para o inglês

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