Bolsonaro, um complicador para ele mesmo

Para usar o famoso refrão daquele ex-presidente salafrário que acabou sendo preso por corrupção, nunca antes na história deste país um governo deverá começar com tantas complicações criadas por ele próprio do que o governo de Jair Bolsonaro. Este período de transição parece ter servido para a equipe bolsonarista acrescentar alguns problemas muito sérios à tremenda quantidade de graves questões que terão de ser enfrentadas a partir de janeiro.

Nas relações mundiais e na atenção aos graves perigos que afetam um país como o Brasil, de amplas fronteiras e sofrendo as conseqüências de uma grave crise econômica e estrutural, o governo Bolsonaro assume uma receita discutível, copiada literalmente da mania de agir de um governante que conta com um poder político e econômico imensamente superior ao do nosso país, o presidente americano Donald Trump. O governo Bolsonaro pretende enfrentar problemas globais com uma mentalidade fechada em um nacionalismo estreito e psicologicamente na defensiva, calcado em um temor de estranhas conspirações globalistas que, de qualquer forma, não se sabe muito bem de onde virão nem quais inimigos articulam-se com tanta maldade.

No rol de questões que Bolsonaro e sua equipe complicam além do necessário, nesta semana apareceu o Pacto Global para Migração, da ONU. Já foi assinado pelo governo de Michel Temer e o futuro ministro das Relações Exteriores anunciou de imediato que o governo Bolsonaro vai retirar o Brasil do acordo internacional. Na verdade, o futuro governo está aproveitando o acordo para firmar uma posição ideológica à direita. A conversa de que o pacto estimula migração indiscriminada é só isso mesmo: pura conversa. O documento não tem vinculação jurídica e respeita a soberania de cada país, ao contrário do que diz o futuro ministro Ernesto Aragão.

Mas até aí, a tomada de posição é um direito um novo governo que assume. O complicador é o desenvolvimento de posicionamentos internacionais, na sua forma e no seu discurso, o que pode ser constatado pelas declarações do presidente eleito Jair Bolsonaro, feitas nesta terça-feira em tom informal. Ele fez uma trasmissão ao vivo no Facebook. O sujeito que logo estará no cargo mais alto da República age como um youtuber, tratando de uma decisão da ONU entre comentários sobre assuntos menores. Bolsonaro acha-se um grande comunicador, sem que ninguém o faça lembrar que por causa da facada ele comunicou-se pouco na eleição em que foi vitorioso, o que na minha opinião facilitou sua vitória. E depois, comunicação espontânea é sempre um risco para um governante, especialmente em temas que tocam em questões delicadas para outros países.

Na fala de hoje, ele anunciou que revogará o Pacto Global para Migração, da ONU, Bolsonaro justificou a atitude afirmando que devido à imigração “está simplesmente insuportável viver em alguns lugares”, numa referência óbvia aos islâmicos e extensiva aos demais refugiados. “Vocês sabem da história dessa gente, né?”, ele disse, em referência aos imigrantes na França. “Eles têm algo dentro de si que não abandonam as suas raízes e querem fazer valer a sua cultura, os seus direitos lá de trás, os seus privilégios”. Em informação tirada não se sabe de onde, o futuro presidente afirmou também que sobre isso já existe reclamação de “parte das Forças Armadas” da França.

Deixa estar. Não é improvável que mais adiante, já no exercício do cargo de presidente, Bolsonaro ainda se veja obrigado a desmentir falas como esta, que tocam em assunto que não é da sua alçada, mantendo-se no papel histórico de “vivandeira de quartel”, como falava dele o general Ernesto Geisel, só que agora no plano internacional, com os militares da França. Mas nada disso espanta, vindo de Bolsonaro, sempre incapaz de tocar em qualquer questão sem ser com a mentalidade de político de baixo clero.

A explanação do presidente eleito não tem nada a ver com o problema tratado, conforme eu disse sobre o pacto da ONU que ele promete revogar. O pacto não impõe diretrizes obrigatórias que ferem a soberania. E por conta de seu discurso puramente retórico, com uma difusa posição direitista e de baixa qualidade, independente do mérito da posição de seu governo o Brasil vai assumindo a imagem mundia de um país regido pela grosseria.

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Ministérios de 1984

Foi bom que alguns não tenham ocorrido a George Orwell

Com ou sem motivo, “1984”, o romance de George Orwell, reapareceu há algumas semanas nas listas brasileiras de livros mais vendidos. Desde seu lançamento em 1949, tornou-se um clássico do antitotalitarismo em geral, embora seu terrível modelo seja a URSS de Josef Stálin. Mas não se devem buscar motivos para reler “1984”. É um livro a se ler sempre, até por pessoas que se julgam libertárias e só têm olhos para o totalitarismo alheio.

“1984” se passa, como se sabe, num país dominado por um regime em que os cidadãos são vigiados por telas onipresentes e regulados por uma voz —a do Grande Irmão— que tudo sabe e controla.

O governo se compõe de ministérios com um funcionamento peculiar. O Ministério da Verdade, por exemplo, rege a informação que convém disseminar. O Ministério da Paz trata da guerra. O da Abundância regula a quanto cada cidadão tem direito. E o do Amor, que mantém a lei e a ordem, funciona num prédio sem janelas, com portas de aço, cheio de ninhos de metralhadoras e cercado por arame farpado.

Ao voltar ao livro há pouco, ocorreu-me que Orwell poderia ter trabalhado melhor essa parte dos ministérios. Por que não, digamos, um Ministério da Mulher que valorizasse o homem, promovendo-o a “protetor, cuidador e provedor”, e desestimulasse a participação da mulher no mercado de trabalho, condenando-a a ficar em casa parindo e amamentando filhos em série? Afinal, não “nasceu para ser mãe”?

Ou um Ministério das Relações Exteriores que, em vez de estender o máximo de pontes diplomáticas e comerciais, comprasse brigas com chineses e árabes, os dois pilares da economia mundial. Ou um Ministério do Meio Ambiente programado para impedir que essa história de clima e ecologia atrapalhe o agronegócio. E um dos Direitos Humanos que…

Pensando bem, foi bom não terem ocorrido a Orwell.  Poderiam ser adotados por algum governo.

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© Orlando Pedroso

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Quaxquáx!

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Tchans!

© Nicole Tran Ba Vang

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Década de 70

eu-jovem222Eu, jovem, Teatro Margem. © Nélida Kurtz, a Gorda

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Alvaro Dias: ativo e operante

A estratégia política que o senador Alvaro Dias montou para o santo ano de 2018 é coisa pra se esquecer. Em definitivo. A disputa presidencial foi um desastre tão grande que o colocou, em termos de votos, ao lado do cabo Daciolo, glória Deus. Afastou o irmão Osmar Dias da eleição no Paraná de olhos voltados para a popularidade nacional do Ratinho, pai, e acabou ficando sem nenhum pássaro na mão. Ou seja, foi devidamente desprezado pelos Ratinhos assim que Osmar se retirou.

Era de se esperar, portanto, que Alvaro Dias, aos 74 anos (desculpe Senador, mas a idade entra aqui como informação complementar e necessária, não como ofensa), partisse para um exílio dourado de mais quatro anos no Senado. Que nada! Eis que, de braço dado com o general Mourão, o vice de Jair Bolsonaro, que se impõe cada vez mais, Alvaro Dias ressurge na condição de candidato à presidência do Senado.

A candidatura já é sinal de prestígio mas, se vencer, estará em nível de importância paranaense na República superior a de um Sérgio Moro, por exemplo. Afinal, Alvaro passará o ser o terceiro na sucessão presidencial em caso de vacância (primeiro o vice, depois o presidente da Câmara e, por fim, o presidente do Senado).

Na conclusão dos fatos, há que se admitir: com a mesma resiliência com que combate o efeito do passar dos anos para se manter jovem e bem apessoado, Alvaro Dias atua na preservação do seu espaço político.

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© Nobuyoshi Araki

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Um escândalo didático

Caso Coaf mostra desde já que Bolsonaro só é mito na cabeça de seus seguidores mais cegos

Imagine, dileto leitor, que estejamos em 2021. Já transcorreu um pouco mais da metade do mandato presidencial de Jair Bolsonaro. Seu plano econômico, capitaneado pelo ex-ministro Paulo Guedes, fracassou. O governo não conseguiu equilibrar as contas públicas, o desemprego aumentou, empresas estão quebrando e a inflação vem aumentando resolutamente a cada mês.

Numa situação dessas, a notícia de que a mulher do presidente recebeu um cheque de R$ 24 mil do ex-assessor de um dos filhos, cuja movimentação bancária é incompatível com seus rendimentos declarados, teria boa chance de resultar em impeachment.

Fernando Collor, vale lembrar, caiu por causa de um Fiat Elba; Dilma, devido a pedaladas fiscais. Mas é importante não confundir os gatilhos das deposições, que podem ser motivos banais ou graves, com o contexto político-econômico que as determinou, isto é, com crises graúdas. Em 2005, com a economia em forma, Lula sobreviveu ao mensalão.

Como Bolsonaro acaba de ser eleito e ainda não teve tempo de produzir seus próprios desastres econômicos e políticos, é improvável que o Coafgate venha a causar-lhe grandes problemas proximamente. Acredito que autoridades irão levar a investigação em banho-maria, para utilizá-la como trunfo político em caso de emergência.

Embora ainda não haja elementos fáticos para afirmar nada com segurança, a operação flagrada pelo Coaf cheira a “pedágio”, a prática ilegal, mas corriqueira entre parlamentares, de apropriar-se de parte dos salários de seus assessores.

Mesmo que não dê em nada, o escândalo é didático, pois mostra desde já que Bolsonaro só é mito na cabeça de seus seguidores mais cegos. O padrão ético do futuro presidente e seus familiares é, como o da maioria dos homens, produto do meio em que vivem, que, no caso é o baixo clero da política, repleto de “pedágios”, funcionários-fantasmas e outras espertezas antirrepublicanas.

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Tempo

Comissão julgadora do Salão de Humor do Piauí (1987): Paulo Moura, Ana Zeneida, Cássio Loredano, Ana Kelma e Lor. No tempo em que o governo pagava pra ter (Paulo Moura). © Myskiciewicz

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© Claudio Paiva – Charge Online

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Hoje!

© Roberto José da Silva

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Gurus, charlatões e curandeiros

Volto de Goiás, onde revisitei o centro de João de Deus, em Abadiânia, e o sítio de Sri Prem Baba, em Alto Paraíso. Duas cidadelas espirituais, atingidas em níveis diferentes por um dos tradicionais adversários do espírito: a carne.

Na década dos 80, visitei o ashram de Rajneesh em Poona, na Índia. Faz anos, portanto, que me interesso pelo tema. Não tenho uma opinião formada, como os autores Joel Kramer e Diana Alstad, que escreveram o livro “The Guru Papers”, cujo subtítulo é: “máscaras de um poder autoritário”.

Eles afirmam que a relação entre guru e discípulos é uma espécie de deslocamento das estruturas sociais autoritárias para o âmbito das relações pessoais. Há algo, no entanto, que minha experiência individual leva a uma concordância com eles: religiões milenares não conseguiram alterar a fragilidade da natureza humana.

Mas isso não é uma grande novidade. O avanço da ciência e da tecnologia também não significou necessariamente um avanço ético. Kramer e Alstad tratam mais de gurus de origem oriental. No capítulo em que descrevem seu poder sexual sobre os discípulos, destacam duas condições que o favorecem: o celibato e a promiscuidade, no fundo uma ausência de vínculos que deixa o discípulo mais vulnerável. Alguns gurus de origem oriental vêm de sociedades mais rígidas. No Ocidente, tentam aplicar algumas de suas técnicas e rituais sob o argumento da liberação de impulsos reprimidos. Em muitos casos, a relação com a discípula é vista como uma espécie de uma graça que a distingue dos outros. Mas há também a tentação de formar haréns com as escolhidas.

No caso de Sri Prem Baba, esses elementos não estão presentes. Mesmo porque, apesar de formado na Índia, ele é brasileiro, oriundo de uma sociedade mais liberal. Ainda assim, ao me referir de passagem ao caso que teve com uma discípula, afirmei que era relativamente consensual. Isso porque o poder do guru é muito grande. Ao seguir um guru, somos convidados a nos render. Como lembram os autores, paixão significa abandono, deixar rolar: render-se, de uma certa forma, é um caminho para a paixão. O caso de João de Deus é diferente. Ele é famoso por curar. Quando o entrevistei, percebi alguns traços do rude garimpeiro e uma certa ignorância sobre as forças ou entidades que lhe comunicavam o poder de curar.

Muito possivelmente, a relação entre um paciente e o curandeiro não tem as características de rendição emocional entre guru e discípulo. Ora é uma necessidade de sobrevivência, ora a superação de um doença que impossibilita a vida plena, ou mesmo uma tentativa de contornar a condenação à morte pela medicina tradicional. Ironicamente, no caminho para Abadiânia, soube que na cidade próxima, Alexânia, um padre foi condenado por abuso sexual. O mesmo aconteceu em Anápolis, onde João de Deus mora.

O mais irônico ainda é constatar que a concentração de poder nas mãos do guru ou do curandeiro os deixa espetacularmente fragilizados diante da vida. No mundo político, as delações premiadas são validadas por provas. No universo espiritual, entretanto, basta a palavra do outro para desfechar uma onda de condenação. E isso vale inclusive para os campos onde o poder masculino se impõe: basta ver a comoção que o movimento feminista provocou no universo das artes nos EUA.

As religiões podem melhorar nossa vida porque ajudam a carregar o fardo da mortalidade. Mas os seres humanos, pelo menos foi meu aprendizado de vida, continuam frágeis e limitados como sempre foram. Por isso, com o olhar de hoje, vejo como charlatanismo a proposta de Che Guevara de criar um novo homem. Na verdade, somos e seremos muito menos importantes do que julgamos ser. Creio que morreria de tédio num mundo perfeito. Por isso, dispenso a crença na vida eterna e procuro me ajeitar com minha condição de simples mortal. O roteiro da minha viagem era o cinturão espiritual em torno de Brasília, uma espécie de contraponto à permissividade do universo político, onde a carne não chega ser um adversário considerável, no máximo uma distração na longa ordem do dia.

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Tempo

Fábio Campana e Ione Prado, no tempo do guaraná com rolha, em algum lugar do passado. © Myskiciewicz

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