Para que serve mentir que ser mãe é pura e ininterrupta felicidade?

Atitudes que tomamos depois de ter filhos só para satisfazer a vontade alheia

Escolher o nome da moda, festa no berçário, lembrancinhas em gesso. Xampu pra nenê careca, condicionador pra qualquer nenê, termômetro de banheira.

Roupinha específica combinando com a mantinha (e combinando com o traje da mãe) para a saída da maternidade, fotógrafo de “mesversário”, colar papelzinho na testa pra passar o soluço. Maiô que vem com uma fralda costurada, talco, furar a orelha “pra que saibam que é menina”.

Hashtag mãe de menino, hashtag mãe de dois, hashtag princesa. Expor o filho no Instagram pra ganhar dinheiro de marcas, levar o filho pra fazer book de modelo mirim, falar “essa vai dar trabalho”.

Colocar sapatinho em recém-nascido, colocar roupa chique pra brincar, deixar chorando só porque um livro idiota mandou. Perfume, prendedor de chupeta, aquecedor de mamadeira.

Pasta de dente na banguela, andador para o bebê que engatinha, chiqueirinho para o bebê que anda. Ser contra vacina, ser contra anestesia, ser contra dar colo.

Ser contra hospital, ser contra pediatra, ser contra remédio. Um cadeirão pra comer que custa R$ 2.000, uma cadeirinha pra andar no carro que custa R$ 2.500, uma decoração de festa que custa R$ 2.800.

Entrar em fila de escolinha caríssima, matricular em escolinha longíssima, defender o Escola sem Partido. Duzentos e noventa e três cursos sobre parto, 145 workshops de amamentação, um tutorial de sling.

Transar sem vontade enquanto é lactante, mentir que ser mãe é pura e ininterrupta felicidade, colocar toda a frustração profissional no filho.

A opinião do vizinho, a crítica da avó, o revirar de olhos das pessoas sem filhos na ponte aérea. Definir gênero por cor de roupa, definir respeito por cor de pele, resolver ter filho só porque todo mundo tem.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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