Paris por um triz – Um curitibano no trottoir automotivo de Paris

Meia-noite, final de 1960, Avenue de l’Opéra, saindo de um concerto de jazz no Olympia, sou acostado por uma Citroën prateada. A bela chauffeuse abre a porta do passageiro e pergunta “Tu viens, chéri?” Embarco, sem vacilo. A voiture me acolhe com aquele molejo sensual de cama d’água de motel. “Cinq cents balles le service complet.” A ficha cai. (Era o tempo em que as fichas caíam.) A prostituta motorizada cobra um michê de quinhentos francos novos. Minha bolsa mensal é de 450 NF. “Non, merci. mademoiselle. Au revoir!” O carro estaca, salto fora. Esconjurando-me: “Pô, seu babaca! Esta não me avisaram.”

Ironicamente, o excesso de confiança daquele Don Juan dos pinheirais tinha a ver com um episódio inusitado que vivi na Curitiba de 1958. Depois do fechamento dos jornais, jogávamos conversa fora e debandávamos rumo a nossos lares, o Dalton ficando pela cerâmica do pai, o Sylvio Back na sua pensão da Comendador Araújo, eu subindo até o alto da Carlos de Carvalho, o Sérgio Amaury Lustosa, boêmio renitente que morava do outro lado da cidade, no alto da Rua Quinze, seguindo até o último dos moicanos.

Eis que, inopinadamente, na Vicente Machado, duas da matina de uma noite tenebrosa, um táxi para junto a nosso pequeno bando. Um homem ao lado do chofer, duas mulheres no banco traseiro, que abrem a porta. Afoito, embarco. Curiosity killed the cat, foda-se! “Tchau, rapaziada!” Uma quadra adiante, o homem desembarca. Um contrabandista de cigarros de quem as moças tinham comprado um pacote de Lucky Strikes.(!) Coxas contra coxas, sou abduzido para um predinho de apartamentos de três andares na Francisco Rocha esquina de Batel.

Curitiba é uma aldeia, todo mundo se conhece. Não é que ao subir as estreitas escadas com as moças cruzo com o Acyr Guimarães, o Dogo, e a mulher? No apartamento, me levam para o quarto com a morena. Aparentemente a outra, uma vagaba, está quebrando o galho da amiga, moça de família, tomada por extrema carência sexual. Embasbacado, sigo os rituais de praxe, a dama se entrega sofregamente em meio a – desculpem o clichê – lágrimas copiosas, lembro as “salty tears” do Ira Gershwin.

Voltamos a nos ver, uma ou duas vezes. Decifro a charada. O marido, engenheiro, está construindo Brasília, parabéns! Irmão de um colega meu do Colégio Estadual do Paraná. Só posso fechar com um “Muito obrigado, JK.” Menos pelo sexo, mais pelo insólito da memória…

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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