Era para ser apenas um comercial em comemoração dos 70 anos da Volkswagen no Brasil. Virou uma discussão sobre empresas que financiaram a ditadura, falta de interpretação de texto, ética (ou falta de) dos herdeiros no uso da imagem de artistas. Numa tacada, sobrou para a Volks, para a cantora Maria Rita, para os publicitários.
O filme, da AlmpaBBDO, reúne Elis Regina e a filha, graças à inteligência artificial. Cada uma dirigindo a Kombi de sua época, cantando os versos de Como Nossos Pais, de Belchior. Para os críticos, essa junção seria um disparate, visto que a Volks apoiou a tirania, enquanto Elis fez show com renda revertida para o fundo de greve dos metalúrgicos. Sem falar da música, que retrata o autoritarismo da época e o desapontamento da juventude, não um encontro pacífico de gerações.
De fato, a Volkswagem colaborou com o regime violento instaurado no país em 1964. Contribuiu por meio de delações e de entrega de funcionários, mentiu sobre as prisões e o paradeiro das pessoas aos familiares. Em 2020, assinou um acordo com o Ministério Público para o pagamento de indenizações, além de retratação. Pode não ser o suficiente, mas esse ranço com a propaganda parece tão eficaz quanto cancelar artistas do passado com as lentes do presente.
Nunca saberemos o que Elis e Belchior pensariam sobre a participação deles numa celebração que apela à memória afetiva do brasileiro ao mostrar ícones da indústria que marcaram muitas gerações. Além da Kombi, estavam lá a Brasília, carro que protagonizou tantas histórias da minha família e de outras tantas milhares. O SP2 de que meu pai tanto gostava e que o fazia parecer tão descolado. E o Fusca? Algum brasileiro das gerações passadas não teve pelo menos um? Ainda que o comercial tenha desagradado uns, na maioria despertou só as boas lembranças de uma época em que nossa história teve uma página tão infeliz.