O carro para no semáforo, o ciclista se aproxima, maço de margaridas na mão e entrega ao passageiro, a quem dirige algumas palavras. O passageiro recusa o presente; o ciclista prende as flores no limpador de parabrisa, como fazem os chatos que nos empurram doces e folhetos, também nos semáforos. O passageiro xinga o ciclista, arranca as margaridas e as joga na rua. Abre o sinal, carro e passageiro seguem seu destino.
Cena corriqueira, cotidiana, todos, motoristas ou passageiros, passamos por ela praticamente todos os dias, a maioria aceitaria as flores, poucos, pouquíssimos, altercariam com o ciclista, ninguém jogaria fora, na rua – por menos que isso aconteceram mortes no cruzamento. Como ficamos? O passageiro estava num mau dia.
Esse passageiro não era qualquer passageiro, era o prefeito de São Paulo, João Dória. O ciclista não era qualquer ciclista, era ativista do ciclismo. Nesse dia, os ciclistas protestavam contra a morte de ciclistas nas vias marginais da cidade, nas quais o prefeito aumentou o limite de velocidade para automóveis – o que elevou o limite das mortes. As flores vinham com ironia, agradecimento ao prefeito, daí sua contrariedade, recusar e lançar fora as flores.
O saber convencional diz que o político tem que afetar paciência, tolerância de monge budista, aos desaforos do cidadão. É próprio da profissão, quando não do caráter do político – frio, impassível, focado no objetivo, distante, quando não oposto, do interesse do cidadão. Alguns, menos frios, mas igualmente focados etc, etc, recusam o desaforo, como o governador do Paraná que sugeriu a sojicultores o autoempalamento com faixas de protesto.
João Dória não tem a resistência do cangaceiro Renan Calheiros, que não permite que a emoção ou a contrariedade alterem suas feições, sua voz, seu comportamento, mais impassível que Michel Temer, coisa praticamente impossível. Está longe do paradigma de todos, José Sarney, que transformou os percalços da política em elixir da longa vida. Chovem críticas ao comportamento de Dória – a pior, o riquinho mimado, cheio de vontades.
Sejamos tolerantes com o prefeito. Pouco, poucochinho. Demonstro. 1. Por justa que seja a causa dos ciclistas, eles são chatos, de resto como no geral os ativistas de semáforo. 2. O prefeito está embalado na glória de sua esmagadora eleição, primeiro turno. 3. Não é por ser prefeito que deve levar desaforo para a prefeitura. Onde errou? Simples, no jogar as flores na rua. Afinal, não foi ele o prefeito que se vestiu de gari no dia da posse?