Doce mulher, a Luci. Casada muito jovem, aos 17, numa época em que às mulheres não tinham cotas para casamento; era pegar o primeiro que aparecia, ainda que não fosse a maravilha dos sonhos adolescentes. Luci teve sorte, Lauro era bonitão, bem falante, bem nascido. Dizer que era machista e controlador seria redundância, avaliação ex post facto, julgar o passado com valores do presente, vetada pela epistemologia da História: naquela época os homens eram dominadores e as mulheres submissas, resguardadas as exceções, tão raras quanto honrosas.
Como também mandava o figurino, Luci teve cinco filhos de enfiada (antes de maliciar, dê um gugle: significa um atrás do outro). Ela só voltou a estudar quando os filhos passaram da adolescência, colega da filha na universidade. Se isso foi negociado com Lauro, só às paredes confessaram, de minha parte palpito que sim. O pudor me impede aqui de reproduzir o que Lauro pensava das mulheres, aliás, a mens media de seu tempo. Luci, fique claro, não era oprimida. As mulheres de sua geração usavam armas sutis e negociavam com inteligência.
Naquela negociação, no entanto, Luci acabou vencida. Homiziada na praia com os filhos, férias de verão, Lauro chegava na sexta e voltava no domingo, sempre fim da tarde, livre na semana como um beija-flor. Lazer para Luci eram o mar e as amigas em igual situação. Leituras, as da moda, como Sidney Sheldon, que pediu para Lauro trazer na arribada seguinte. “Que qué isso, Luci? Tem o Guerra Junqueiro lá em casa”. Segue amostrinha do poeta português do século XIX. Luci não leu Guerra, e desconfio que Lauro nunca passou da lombada do Junqueiro.
Morena
Não negues, confessa/Que tens certa pena/Que as mais raparigas/Te chamem morena. Pois eu não gostava,/Parece-me a mim,/De ver o teu rosto/Da cor do jasmim. Eu não… mas enfim/É fraca a razão,/Pois pouco te importaQue eu goste ou que não. Mas olha as violetas/Que, sendo umas pretas,/O cheiro que têm!/Vê lá que seria,/Se Deus as fizesse/Morenas também