Perdidos em Paris: Farsa lúdica
É sempre interessante ver trabalhos de cineastas que, cada um à sua maneira, encontraram uma linguagem narrativa tão particular que pode ser classificada como sua assinatura cinematográfica. Assim é Quentin Tarantino com o uso da violência em meio a diálogos espertos relacionados à cultura pop, Wes Anderson com sua estética rebuscada envolta a personagens desconexos, Woody Allen com suas questões de fundo filosófico e por aí vai. Por mais que não possuam a mesma notoriedade, a dupla Dominique Abel e Fiona Gordon seguem o mesmo caminho. Juntos há 40 anos, nos palcos e em casa, eles estão de volta ao cinema através do delicioso Perdidos em Paris.
Autores também de Rumba e O Iceberg, Fiona e Dominique integram o restrito grupo de cineastas que precisam mergulhar por completo a cada novo trabalho, de forma a criar algo absolutamente pessoal. Desta forma, assumem não só a direção como também o roteiro e estrelam a história por eles desenvolvida. Assim também é em seu novo longa-metragem, onde mais uma vez é possível notar seus estreitos laços com o teatro e o farsesco, muitas vezes explorando o lúdico a partir do humor corporal.
Tais características ficam nítidas logo na abertura do filme, quando um Canadá escancaradamente fake é retratado a partir de um vilarejo isolado em meio à nevasca. A inusitada coreografia estabelecida no mero abrir de porta traz ao filme uma afeição imediata, provocada pela graciosidade estabelecida a partir de ideias tão criativas e, ao mesmo tempo, simples. Assim é o cinema de Fiona e Dominique: sem reinventar a roda, eles usam elementos cênicos que remetem à época do cinema mudo para encantar a partir de situações corriqueiras, analisadas sob uma bem-vinda ingenuidade.
É a partir destes preceitos que o espectador tem a chance de acompanhar a trajetória da interiorana Fiona rumo à cosmopolita Paris, onde encontra um vagabundo de bom coração no melhor estilo Carlitos. Juntos, eles se encontram e desencontram, sempre em busca da octogenária Martha (a grande Emmanuelle Riva, em seu último papel no cinema). É a deixa para uma sucessão de esquetes cênicos criativos e variados, como a ida a um restaurante chique e a presença em um funeral, sempre apresentados com bom humor e uma trilha sonora bucólica.
Investindo também em estereótipos clássicos dos turistas que visitam a cidade-luz, imediatamente identificáveis, Perdidos em Paris aposta no lúdico como meio de entreter o público. Se por vezes a narrativa aparenta girar em círculos, o filme compensa tal situação com uma leveza constante traduzida não só pelas situações retratadas, mas também pelo carisma dos protagonistas. A curta duração, com apenas 83 minutos, também ajuda a evitar um certo cansaço na proposta narrativa.
Sem medo de escancarar o farsesco, especialmente ao retratar o Canadá, Perdidos em Paris se realimenta do cinema ingênuo de antigamente para trazer um frescor que flerte com o contemporâneo, a partir da relação das pessoas com a cidade-título. Destaque para a belíssima sequência musical apenas com os pés, estrelada pelos veteranos Emmanuelle Riva e Pierre Richard, capaz de arrancar com facilidade um sorriso aberto. Muito bom.
Francisco Russo|Filme visto no Festival Varilux de Cinema Francês 2017.