Perigoso esquecer Bolsonaro

Ele não contava com a derrota e, como uma besta-fera que sangra, rosna por vingança

Leitores se queixam de que, depois de cem dias de novo governo em Brasília, eu e outros continuamos a falar de Jair Bolsonaro. “Por que essa fixação?”, perguntam. “Por que não o esquecem e o mandam para a lixeira da história, que é onde ele merece estar?” A resposta é: porque não. Porque o governo de Bolsonaro ainda não terminou.

Isso só acontecerá quando o Brasil ajustar contas com ele —quando Bolsonaro for investigado, julgado e condenado. E a condenação a que me refiro não é um prejulgamento. Se Bolsonaro responder efetivamente por todos os crimes que praticou nesses quatro anos, não haverá tribunais ou grades suficientes. E não será por falta de provas —ninguém agrediu, ameaçou e mentiu com tal proficiência, envenenou de tal forma as instituições, levou tantos brasileiros à morte e, ao mesmo tempo, julgando-se imbrochável, produziu tantas evidências contra si mesmo. Está tudo documentado e em todas as mídias.

Bolsonaro conseguiu o impossível: converteu em príncipes todos os seus antecessores civis. Nenhum deles, por mais despreparado, cafajeste ou corrupto (e quase todos se enquadram em uma ou mais dessas categorias), tentou implodir a democracia. Mesmo o Getulio de 1937-45 e os generais de 1964-85, com seus históricos de tortura, mortes e agressão aos direitos, simulavam às vezes um sopro de legalidade.

A tática diversionista de Bolsonaro era clara. Enquanto fazia barulho com bravatas em cercadinhos, carros de som e motociatas, costurava silenciosamente as amarras entre militares, policiais e juízes. O bote para a ditadura seria no segundo mandato. Se ele tivesse sido reeleito, todo o sistema jurídico brasileiro ficaria sob seu domínio. Como no passado, a luta armada talvez fosse vista como a única alternativa.

É perigoso esquecer Bolsonaro. Ele não contava com a derrota e, como uma besta-fera que sangra, rosna por vingança.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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