Personagens paulistanos queridos (que tanto merecem nosso sarcasmo)

Tati Bernardi – Folha de São Paulo

Os sonhadores desempregados – Como tem gente que sonha nessa cidade. Sobretudo, em sair dela. Sonham escrever e não têm uma única tentativa rabiscada. Sonham, corajosos, desbravar os quatro cantos desse planetinha, mas estremecem ao pensar numa profissão e em ser alguém para além de devaneios e bicos. Para eles, se enterrar na frente do computador, sem ver de perto o drama na Síria ou como vivem os esquimós, é jogar uma vida no lixo. Nunca entendi como tantas festas em Barcelona são sinônimos de compreender in loco as mazelas, as tensões políticas e a complexidade humana mundial. SONHAR, esse verbo tão usado por gente chatérrima! “Meu sonho é escrever comédia.” Então desista, amigo. O humor é incompatível com comercial de faculdade. Os sonhadores paulistanos (vulgo mendigos do seguro-desemprego na Europa) temem ver os pais envelhecendo, os amigos virando tios flácidos com churrasqueiras. Tanto querer e só conseguem colecionar fotos de pontes com rios.

As socialites do perrengue – Gente que poderia estar numa executiva indo pra NY mas está dormindo no chão de uma cabana. Nada contra experiências espirituais, mas me refiro a uma gente um pouco mais superficial. E dá-lhe Instagram da pessoa, com um maiô que custou R$ 989, nadando com nativos, toda cagada de inseto, a cara abatida e desesperada: #melhorviagem. “Eu quase morri” é a marca caríssima que eles trazem na bagagem. Bolsas Chanel, ficou pequeno pra vocês. A experiência de ter sofrido muito e sentido bastante incômodo e infelicidade e dengue e febre amarela e diarreia macabra é o que eles vão exibir no evento fechado no Jockey. Os perrengues são mais eternos que os diamantes.

Os playboys do Santo Daime – O convite dizia “venham chamemorar com a gente”. Seu motorista o levou. “Tragam café da manhã”: então ele comprou pequenos brioches, iogurte tipo A com amoras. Na hora de dançar no círculo, entoando algo sobre “eu glorifico o índio em mim”, lembrou dos passinhos que arriscava, também em grupo, na finda boate Krypton, obviamente no Itaim. E se entregou. Imitou um robô com um dos braços soltos e quase foi expulso pelo xamã. Pensou em seu sobrenome, pensou no sobrenome do Xamã: jamais poderia ser expulso. Vomitou em sua camisa tão fina, em seu sapatênis tão descolado, por três vezes seguidas. Também se cagou. Viu várias pessoas vomitando e se cagando. Entre atores conhecidos, “gente comum” que ele trombava em grupos de corrida. Era realmente legal estar ali? Ele de fato entrara em contato com seus traumas mais profundos ou era apenas muito parecido com peixe estragado e síndrome do pânico? Antes tentou Freud (por algumas semanas) mas fritar sozinho não era diiiver, meeeo. Viu monstros escondidos nas árvores e pensou em seu sobrenome. Pensou no sobrenome dos monstros. Tava tudo bem.

A esquerda que pirou mas não deixa de ir ao pilates – Posso sacanear meu micromundo? Posso. Algumas das minhas amigas (que odeiam o machismo mas são sustentadas pelos maridos machistas) pararam de trabalhar porque engravidaram (os filhos já têm pra lá de oito anos e um grande staff) e passam o dia pregando LUTA feminista nas redes sociais. Achei que falta de noção melhorava com a idade mas, recentemente, conheci uma chique e fervorosa senhora militante. Ficamos amigas porque ela me achou “bastante de esquerda” em um texto e puxou papo na feira dos orgânicos. Depois me considerou “nem tão de esquerda assim” em outro texto e passou a me virar a cara. Um dia postou: “não preciso de homem pra nada!” e recebeu 2.376 likes. Bem menos do que as mesadas que, me confidenciou, recebia do ex-marido ricaço e do pai morto milionário.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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