Política, Caso de Polícia.

“Nós estamos cuspindo na rotativa em que comemos. O PT é um produto da imprensa. A imprensa sempre ampliou a nossa voz e a nossa luta. A cobertura democrática cobra mais do vencedor. Sempre. O PT sabe disso. É obrigação da imprensa livre. Nós devemos nos contentar em vencer as eleições. E não em triunfar sobre a liberdade de imprensa e de opinião.” (Deputado Paulo Delgado – PT-MG.).

No final do calendário, jornais e revistas escalam redatores para fazer as tradicionais retrospectivas do ano. Páginas e mais páginas com fatos e fotos que mais servem para fechar aquelas edições atropeladas pelos feriados de fim de ano, que jornalista também gosta de provar do panetone.

Para essas retrospectivas, é preferencialmente escalado um redator vindo da editoria de política, até porque os fatos políticos é que provocam as grandes tragédias da temporada.

Este será um ano excepcional. Ao invés de um redator político, os editores devem escalar um outro profissional para compilar os acontecimentos: o repórter policial. Ou, no jargão do ofício, o “carrapicho”.

Da editoria “política” para a “polícia”, uma letra a mais, uma a menos, não vai fazer falta, porque estes novos tempos transformaram a política num escabroso caso de polícia. E, por conseqüência, os casos policiais são tratados como fatos políticos. Em suma, no andar de baixo dos três poderes agora se faz necessária uma delegacia de polícia; onde atrás das grades pretendem trancafiar a imprensa.

***

“Carrapicho” é o jornalista policial que não desgruda da polícia, sempre na pista de uma manchete em vermelho. Rafles de Oliveira foi um dos mais memoráveis “carrapichos” da imprensa paranaense. Naqueles tempos barulhentos, quando uma redação de jornal recendia a álcool, tabaco e o suor provocado pelas pesadas máquinas de escrever.

O falecido Rafles era um autêntico “carrapicho”: não tirava o olho do delegado e da garrafa no outro lado da rua.

No extinto Correio do Paraná, o jornalista Renato Muniz Ribas era o secretário de Redação. Certa feita, Renatão chamou o seu principal “carrapicho” para uma conversa “no particular”:

— Rafles, você é um grande repórter, todos nós aqui gostamos de você, mas, por favor, controle a bebida, senão… eu não vou poder controlar a situação. Pois então se deu que Rafles não controlou a bebida, muito menos Renato Ribas controlou a situação.

“Carrapicho” de bom texto, Rafles não ficou sem emprego. Dias depois lá estava Rafles trabalhando no Diário do Paraná, por empenho e graça do editor Jorge Narozniak. Sob a condição de controlar a “malvada”. E por uns meses ele controlou. Até que num cinzento dia, o “carrapicho” desgrudou do prumo.
— Narozniak, vou ali no Bar do Luiz tomar “umazinha” para firmar o pulso e já volto. Juro, só “umazinha”.

Rafles foi e o polaco Narozniak ficou. Ficou esperando, esperando… e cadê o Rafles? Sem o “carrapicho”, sem a reportagem e com o jornal quase na rotativa, o desolado editor precisou apelar para o jornal concorrente, o Correio do Paraná. Naqueles tempos, a concorrência era risonha e franca.

— Renatão, me ajuda! Estou aqui com a manchete da página policial pendurada. O Rafles saiu para tomar um trago e até agora não apareceu.

— O Rafles? Então foi isso… Ele entrou aqui na redação, sentou e ficou escrevendo por bem duas horas. Levantou, passou na minha mesa e deixou uma matéria prontinha. Assim como entrou, saiu: sem cumprimentar ninguém.

Pois foi assim o sucedido, Rafles cumpriu as recomendações de Narozniak. Foi no Bar do Luiz, tomou um trago e voltou ligeiro para a redação.

Só que para a redação errada.

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Nesses tempos estranhos, os repórteres policiais estão trabalhando no lugar errado. Deviam estar cobrindo a política.

Dante Mendonça [27/09/2006] O Estado do Paraná.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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