Excertos: “Discutir quem ficou de fora da foto de lançamento de revista literária não é literatura. A lista de mais vendidos não é um gênero literário. Reclamar de não inclusão em antologia, quando até o primeiro cachorro que passou na rua o foi, não é literatura. Perguntar se a poeta é bonita não é literatura; decidir que ela não o é porque não iria para a cama com você, muito menos. Confundir crítica a seu livro com ataque a sua pessoa não o torna escritor. O livro já não o tornava.”
E assim por diante. O que Pádua Fernandes está alfinetando, coberto da razão, são os maus hábitos da política literária em nosso meio (isso vale para qualquer cidade brasileira, pelo menos para as que eu conheço). Comparada a outras atividades profissionais, a literatura é um projeto de suicídio a longo prazo e de baixo orçamento. O fato de circular pouco dinheiro no mundo da prosa e da poesia não impede seus praticantes de darem mais chiliques do que prima-dona de ópera ou de serem mais mafiosos do que traficantes de metanfetamina. A moeda corrente no mundo literário não é o dinheiro, é a vaidade, e para satisfazê-la há coleguinhas que não recuam diante de nenhuma armação, nenhum conchavo, nenhuma maledicência, nenhuma intimidação.
São minoria, felizmente; a maioria dos escritores que conheço, se tem algum defeito, é o de não entenderem muito bem como funciona o mundo da política, e digo política no sentido mais amplo de “luta pelo poder”. Se o sujeito não sabe fazer política literária, o melhor destino que pode ter é o de Kafka, que morreu anônimo e só depois dele morto sua obra virou best-seller – porque apareceram pessoas (Max Brod primeiro, outros depois) que se dispunham a fazer política literária em favor da obra dele. Essa política envolve contatos, convivência, troca de idéias, divulgação, envolvimento com causas coletivas, quando é o caso.
Quanto mais o escritor atua, mais chances tem de que seu nome se torne conhecido, e, por tabela, sua obra seja lida. A literatura mesmo só entra em cena no momento em que a obra é lida. Quando a literatura é boa, as pessoas que gostam de literatura trabalham até pela obra de alguém com quem não simpatizam. Corolário: se alguém simpatizar comigo mas não gostar dos meus livros, favor tratar-me bem e ignorar os livros. E vice-versa. O escritor não é a obra.