Na semana passada, escrevi um longo artigo afirmando que a campanha política no Brasil é imprevisível. Mesmo com marqueteiros, estrategistas e análises minuciosas na mídia, os fatos escapam ao nosso controle. Quem diria que o Auxílio Brasil — que atropelou tudo para investir R$ 60,7 bilhões na salvação de Bolsonaro — não teria efeito algum entre os mais pobres?
Retomo o tema da imprevisibilidade, com uma nova pergunta: o que você diria se perguntassem no início do ano qual o papel da rainha da Inglaterra nas eleições do Brasil?
Certamente responderia com uma gargalhada. Proclamamos a República ainda no século XIX, não temos laços com a monarquia. A morte da rainha Elizabeth seria apenas uma notícia de destaque, nada mais.
No entanto, para enfatizar a força do acaso, a passagem da rainha foi terrível para a campanha de Bolsonaro. Ele esperava que o grande esforço e a grande transgressão do 7 de Setembro turbinassem sua posição nas pesquisas. Mas o tema foi ofuscado em seguida pela notícia da morte de Elizabeth.
Agora, Bolsonaro vai aos funerais em Londres para recuperar o prejuízo. Conseguirá? Tenho dito que a única forma de alterar o quadro seria ressuscitar a rainha.
Embora presidente do país do Novo Mundo, Bolsonaro disse que Elizabeth é nossa rainha. Isso certamente a agradaria, mas, se ele se apresentasse como “o imbrochável”, certamente ouviria do fundo do caixão forrado de chumbo:
— I beg your pardon.
De certa forma, Bolsonaro erra de rainha. Ele deveria ir ao funeral de Vitória, uma grande puritana, o que fortaleceria sua campanha de costumes, Deus, pátria e família.
Bolsonaro prega algo que não vive, mas talvez isso fosse comum no regime vitoriano. Sempre houve exceções, como sir Richard Burton. No século XIX, ele afirmava que as mulheres inglesas gozavam; não se tratava apenas de abrir as pernas, fechar os olhos e pensar nas glórias do Império britânico, como aconselhavam os mais velhos.
Certamente, Burton era uma espécie de marxista cultural de sua época, embora tenha vindo ao Brasil em busca de riquezas minerais, um tema que agrada Bolsonaro. Talvez não agrade tanto os mineiros que se lembram de suas montanhas perdidas. Os meninos seguem para a escola. Os homens olham para o chão. Os ingleses compram a mina, como diziam os versos de Carlos Drummond de Andrade sobre Itabira.
Se Elizabeth era a rainha de Bolsonaro, Charles é seu rei. Seria uma amizade improvável. O novo rei é preocupado com a destruição ambiental. Não quer que seus netos o vejam como cúmplice omisso da devastação do planeta. Mais um marxista cultural?
De novo, concluo que a única rainha que atenderia a sede eleitoral de Bolsonaro seria Vitória . Ainda assim, Bolsonaro não poderia se apresentar a ela aos brados de “imbrochável, imbrochável”. No lugar de um civilizado “I beg your pardon”, ouviríamos:
— Guardas, levem esse louco.
Depois de Londres, Bolsonaro terá ainda uma nova cartada: dirá na ONU que seu governo protege a Amazônia, que a fumaça que cobre a região não é de fogo e que as imagens de satélite sobre o desmatamento são apenas grosseiras manipulações.
São duas oportunidades em que tentará se passar por presidente do Brasil, depois de ter vivido quase quatro anos apenas o papel de um aloprado, como ele próprio chegou a se definir.
Nas próximas eleições, deixarei um espaço muito maior para o imprevisto, até para o Sobrenatural de Almeida, como diria Nelson Rodrigues. Se me perguntarem qual o papel das imagens do telescópio espacial James Webb nas eleições, humildemente, vou considerar.
Como entender uma viagem do presidente a Londres para um funeral, depois de ele ter desprezado a morte de quase 700 mil pessoas em seu país? Eleições são mesmo imprevisíveis.