Debilitado, o Rei ainda alimentava a esperança de ir ao Qatar
Pelé viu a estreia da seleção brasileira na Copa do Qatar, em 24 de novembro, contra a Sérvia, em TV do quarto do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, onde passou os últimos dias de sua vida.
Para animá-lo, algumas pessoas foram autorizadas a assistir a partida ao lado dele. O único pedido da família foi para que não fossem feitas fotos. A imagem do Rei do Futebol inchado pelo tratamento contra o câncer já em fase terminal, poderia assustar. Quem esteve com o ex-jogador, morto nesta quinta (29), aos 82 anos, preocupou-se e saiu temendo pelo pior. O paciente alternava momentos de lucidez com outros de dizer frases desconexas.
Os últimos anos da vida do tricampeão mundial pela seleção e bi pelo Santos, maior artilheiro da história do futebol, foi de idas e vindas ao hospital, pedidos para ir para sua mansão no Guarujá quando deveria estar em seu apartamento na zona central de São Paulo, e boatos sobre a sua morte.
Cada vez que ia ao Einstein para realizar sessões de quimioterapia, espalhava-se que ele havia morrido. A pedido de assessores que cuidavam da sua imagem, gravou vídeos os desmentindo.
Segundo pessoas próximas aos familiares, até o limite do possível, Pelé alimentou a esperança de que poderia viajar ao Qatar para acompanhar a Copa do Mundo. Os médicos, embora soubessem que não seria possível, adiaram dar-lhe a notícia como forma de mantê-lo animado.
Ir para o Mundial era uma questão de honra para ele, assim como manter pelo menos parte da agenda do garoto-propaganda mais solicitado do futebol mundial. Já com problemas de locomoção e com câncer, Pelé havia sido impedido de ir à Rússia em 2018. Nunca se conformou. Era o primeiro torneio em que não estava presente desde 1954, quando tinha 14 anos.
No seguinte, em 1958, foi campeão pela primeira vez com a seleção brasileira. Jogou os de 1962, 1966 e 1970. A partir daí, sempre esteve presente como garoto-propaganda, comentarista de TV ou ambos.
Ele escutou a promessa de que deveria se preservar para 2022. Começou a contar a todos a piada de que “havia avisado a Tite” que a competição no Qatar seria a última, depois daquilo “não adiantaria mais” convocá-lo.
As visitas ao Einstein o irritavam. Por isso pedia para o seu antigo assessor, Pepito Fornos, para que comprasse boinas que pudesse usar nas idas. Pelé, em circunstâncias normais, não se incomodava em ser reconhecido. Sempre espantou sua capacidade de dar atenção aos fãs, perguntar o nome, escrever uma dedicatória ao dar um autógrafo.
Na opinião de amigos, ele apenas não gostava de ser reconhecido a todo momento na chegada e saída do Einstein porque não era aquela sua imagem. Edson Arantes do Nascimento não se conformava por não poder ser mais Pelé. Mais ou menos como seu colega/desafeto (e alternaram essas duas condições várias vezes através dos anos) Diego Armando Maradona, que desejava ser para sempre o camisa 10 da seleção argentina da Copa de 1986, o brasileiro se acostumou com a imagem de invencibilidade.
Seus momentos de maior irritação eram nos dias em que queria andar sozinho e não podia mais. Revoltava-se com as sessões de fisioterapia que, achava, não estavam levando a lugar algum. Segundo um conhecido que falou com ele uma semana antes da última internação, havia a reclamação de que suas coxas, tão grossas na época de jogador, estavam muito finas.
Em sua última entrevista à Folha, em dezembro de 2018, ele fez essa mesma queixa. Mas, otimista, disse que o tratamento daria resultado.
Nas semanas finais, sua filha Kely, a mais presente de maneira pública na reta final da vida do pai, postou imagens suas com Pelé, mas mostravam apenas as mãos ou parte da cabeça. Nos momentos de consciência, de acordo com essas mesmas pessoas, sempre manteve a fé de que, no final de tudo, haveria uma saída. Como se soubesse que o Edson era como todos os outros, mas Pelé é imortal.