Ainda há muito o que repercutir sobre o livro Fascismo de esquerda (Record, RJ, 2009), escrito pelo jornalista Jonah Goldberg, editor da National Review e colaborador do Los Angeles Times, USA Today e Times de Londres. Ele trabalhou também para a revista The New Yorker, Commentary e Wall Street Journal, entre outras publicações conhecidas em todo o mundo.
Na semana passada usei esse espaço para comentar aspectos até certo ponto preocupantes sobre a personalidade política de Hillary Clinton, a atual candidata democrata à presidência dos Estados Unidos, e sua inclinação para o lado maternal do chamado fascismo de esquerda.
Como o tema não se esgota em função de sua abrangência histórica será proveitoso para o leitor brasileiro um mergulho na corrente da práxis política norte-americana, para a possível avaliação das coincidências (?) existentes entre as ações de homens públicos de ambos os países, pelo menos em determinadas circunstâncias.
O livro começa com Mussolini, o pai do fascismo, que passou a simbolizar seu movimento político com a expressão italiana fascio, cuja tradução para o português é “feixe”, numa alusão ao feixe de varas amarradas em torno de um machado usado pelos lictores romanos. Segundo Goldberg, a palavra de origem latina era usualmente usada como sinônimo de sindicato: “O sindicato inspirou a teoria corporativista ao argumentar que a sociedade poderia ser dividida por setores profissionais da economia, uma ideia que influenciou profundamente o New Deal tanto de Franklin Delano Roosevelt quanto de Hitler”.
Goldberg lembra que os jacobinos, na época da Revolução Francesa, lançaram “uma grande nova religião totalitária”, levando Robespierre a argumentar que somente um “instinto religioso poderia defender a revolução do ácido do ceticismo”. O mesmo caminho foi literalmente seguido pela Itália de Mussolini, para quem “o fascismo é uma religião”.
As ideias políticas que fermentaram no continente europeu (comunismo, fascismo e nazismo) nas primeiras décadas do século passado, encontraram terreno fértil na grande nação norte-americana, afinal, o compêndio de ciência política investigado por Goldberg para a escrita de seu magnífico livro. Diz ele que “pretensos progressistas – bem como a maioria dos socialistas americanos – estavam na linha de frente da pressão para se criar um verdadeiro Estado totalitário. Eles aplaudiam todos os atos de repressão e questionavam o patriotismo, a inteligência e a decência de todos os pacifistas e dissidentes classicamente liberais”.
Foi também Mussolini quem cunhou a palavra “totalitário” a fim de descrever “não uma sociedade tirânica, mas uma sociedade benévola na qual todos são atendidos e contribuem igualmente. Era um conceito orgânico no qual todas as classes, todos os indivíduos, eram parte de um todo maior. A militarização da sociedade e da política era considerada simplesmente o melhor meio disponível para alcançar esse fim”, escreveu para admoestar: “Chame-o como quiser – progressismo, fascismo, comunismo ou totalitarismo – o primeiro verdadeiro empreendimento desse tipo foi implantado não na Rússia nem na Itália ou na Alemanha, mas nos Estados Unidos, e Woodrow Wilson foi o primeiro ditador fascista do século XX”.
Wilson, o primeiro Ph.D. a ocupar o Salão Oval, ao chegar à presidência “argumentaria que ele era a mão direita de Deus, e que se pôr contra ele era frustrar a vontade divina”, e esse indício foi invocado por alguns críticos como “simplesmente uma prova de como o poder estava corrompendo Wilson, mas a verdade é que essa havia sido sua perspectiva desde o início”.
As consequências da “estatolatria” de Wilson, na análise empreendida por Jonah Goldberg, se reduzem à acabrunhante definição: “A América está hoje imersa em um pânico moral obsceno diante do papel dos cristãos na vida pública. Existe uma profunda ironia no fato de que tais objeções irrompam mais ruidosamente de pretensos ‘progressistas’, quando os verdadeiros progressistas estavam dedicados, da maneira mais fundamental, à cristianização da vida americana”.
Wilson, eleito presidente em 1912, dizia que a sociedade é um organismo vivo e precisa obedecer às leis da vida, propondo também uma forma mais autêntica de liderança: “Um grande homem que pudesse servir tanto de expressão natural da vontade do povo quanto de guia e mestre, controlando os impulsos coletivos mais sombrios. O líder precisa ser como um cérebro, que ao mesmo tempo, regula o corpo e dele depende para sua proteção. Para isso, as massas tinham que ser subservientes à vontade do líder”.
Goldberg lembra a essa altura o não intencionalmente assustador ensaio de 1890 – Líderes de homens – no qual Wilson explicava que o “verdadeiro líder usa as massas como sua ferramenta. Ele não deve se utilizar de sutilezas e nuanças, como fazem os literatos. Em vez disso, deve falar para provocar as paixões populares, não seus intelectos. Em suma, ele precisa ser um habilidoso demagogo”.
O presidente Woodrow Wilson pregava que “o líder competente de homens dá pouca importância aos aspectos internos agradáveis do caráter de outras pessoas, mas dá muita importância – toda – aos usos externos que pode dar a eles… Ele fornece o poder; os outros entram somente com os materiais sobre os quais aquele poder opera… É o poder que dita, domina; os materiais cedem. Os homens são como argila nas mãos de um líder consumado”.
O autor de Fascismo de esquerda escreveu que “um cínico poderia concordar que há muito de verdade na interpretação de Wilson, mas ele ao menos reconheceria seu próprio cinismo. Wilson acreditava ser um idealista”.
A influência doutrinária alemã sobre o progressismo foi vivida intensamente por Wilson, levando-o a crer e propagar que a sociedade poderia ser moldada pela formulação de planejadores sociais. Tal conceito ganhou corpo em John Hopkins, a primeira universidade americana fundada nos moldes germânicos. “Praticamente todos os professores de Wilson haviam estudado na Alemanha – assim como quase todos dos 53 membros do corpo docente. Mas seu professor mais prestigioso e influente foi Richard Ely, o ‘deão da economia americana’ que, em sua época, era mais vital para o progressismo do que Milton Friedman ou Friedrich Hayek têm sido para o conservadorismo moderno”, informou Goldberg.
A ideia da guerra como fonte de valores morais, lembra Goldberg, foi disseminada por intelectuais alemães no final do século XIX e início do seguinte, e essa proposição influenciou grandemente a mentalidade dos norte-americanos. “Quando a América entrou na guerra de 1917, intelectuais progressistas, versados nas mesmas doutrinas e filosofias que eram populares no continente europeu, saltaram sobre a oportunidade de refazer a sociedade por meio da disciplina da espada”, acrescentou.
A imagem mais duradoura e mais icônica da época é o pôster de James Montgomery Flagg “I Want You”, com o Tio Sam apontando o dedo indicador do Estado-feito-carne aos cidadãos não comprometidos.
O próprio presidente Wilson “deu o tom quando defendeu o primeiro alistamento militar desde a Guerra Civil”, assegurando que “não é, de forma alguma, o recrutamento do recalcitrante; trata-se, mais que tudo, de uma seleção entre os membros de uma nação que se voluntariou em massa”.
O jornalista progressista George Creel foi designado pelo presidente para chefiar o Comitê de Informações Públicas, citado por Goldberg como o primeiro Ministério da Propaganda do Ocidente moderno. Estava desencadeada a luta pelo domínio da mente humana e essa batalha passava por dentro de todas as casas em todos os países, doutrinava o próprio Creel.
Uma das maiores ideias de Creel, segundo Goldberg, foi um tipo de marketing viral precoce com “a criação de um exercito de quase cem mil oradores voluntários chamados “Four Minute Men” (Homens Quatro Minutos). Cada um era equipado e treinado pelo CIP para fazer discursos de propaganda com duração de quatro minutos em reuniões públicas, restaurantes, cinemas – qualquer lugar onde houvesse pessoas reunidas – para defender a guerra e alertar que ‘o próprio futuro da democracia’ estava em jogo”.
Wilson promulgou a Lei de Sedição, que “proibia falar, imprimir, escrever ou publicar qualquer linguagem desleal, profana, caluniosa ou abusiva sobre o governo dos Estados Unidos ou os militares”. O autor diz, ainda, que o diretor-geral dos Correios, Albert Sidney Burleson, foi autorizado a negar privilégios postais a qualquer publicação que ele quisesse – o que significava fechá-la. Pelo menos 75 periódicos foram proibidos: “Publicações estrangeiras só podiam entrar no país depois que seu conteúdo fosse traduzido e aprovado por censores, Jornalistas também enfrentaram a ameaça muito real de serem presos ou terem cortado seu suprimento de papel de imprensa pela Câmara das Indústrias de Guerra”.
O Departamento de Justiça criou uma organização policialesca denominada Liga Protetora Americana, cujos membros foram encarregados de ficar de olho em vizinhos, colegas de trabalho e amigos. Usados como espiões privados por promotores fanáticos em milhares de casos, recebiam amplos recursos governamentais, essa força levou o procurador-geral adjunto a anotar “com grande satisfação, que a América nunca tinha sido policiada com tanta eficácia. Em 1917, a LPA tinha ramificações em quase 600 cidades e vilas, e o número de associados era quase cem mil. No ano seguinte havia ultrapassado 250 mil”.
Esse é apenas um vislumbre do americanismo “100%” preconizado pelo presidente Woodrow Wilson e, anos depois, levado ao extremo pelo também presidente Franklin Delano Roosevelt. Chegaremos lá.
Blog do Zé Beto