Se tornar-se avô já foi uma alegria indescritível, imaginem então ser bisavô, ou seja, duas vezes avô!… Jamais imaginei chegar a tanto. Mas, como tenho dito e repetido, não se programa a vida. Até tenta-se, mas ela caminha por conta própria, com os seus dissabores, suas surpresas e suas alegrias.
Quando meu neto Eduardo, pai de Bernardo, fez oito anos, nos idos de 2004, escrevi um texto endereçado a ele (“O Velho e o Menino”). Embora ele fosse nosso companheiro constante, meu e da avó Cleonice, e se interessasse pelas bobagens do avô, nem sempre tinha tempo para prestar atenção nas histórias que eu lhe contava. Como bom taurino, era aplicado, curioso e afetuoso, mas também teimoso e possessivo. Às vezes, desligava, saía do ar e era difícil fazê-lo voltar a esse mundo. Por isso, para que a saga dos Guimarães não se dissipasse na brisa do tempo, resolvi deixar alguns escritos para ele. Continuo deixando.
Foi e continua sendo um belo exercício de prazer, que me faz recordar, sem nenhum saudosismo, de uma época que se foi. E não exige grande esforço. Além do que, talvez um dia, quando eu for apenas um retrato na moldura, tenha alguma serventia.
Hoje, aos 25 anos, Eduardo está concluindo o curso de engenharia mecânica na Universidade Tecnológica Federal do Paraná, fez estágio na Renault, continua prestando serviço à empresa francesa, e constrói o seu próprio caminho. Ao lado da sua Suenne. E de Bernardo. Com as bênçãos do avô.
O mesmo aconteceu quando minha neta Fernanda completou dois anos. Revelei-a publicamente em “Minha Pequena Guerreira”, de 2007. Cabelos dourados, nariz arrebitado e energia de sobra, era uma formiguinha atômica: linda, esperta e muito querida. Foi também uma experiência nova para mim, que só tive um irmão, homem; um filho, homem; e, até então, um neto e um sobrinho-neto, homens também. Aí surgiu Fernanda. E o mundo mudou. Para melhor.
Como gostava de desenhar, certa feita, quando ela tinha uns cinco anos, disse-lhe que ia matriculá-la em um curso de desenho. Respondeu-me, muito séria: “Não posso, vô. Já vou ser detetive e espiã e tenho de cuidar do mundo!” Hoje, aos 16 anos, pretende apenas cuidar das pessoas. Quer ser médica.
Agora, é a vez do Bernardo na trilha dos Guimarães, em moderna versão. Não sei se será escritor e poeta como o seu famoso homônimo do século XIX, autor de, entre outros romances, “Escrava Isaura”. Como o pai e a tia, aos dois anos quase não fala, mas entende tudo e é capaz de pôr a casa de cabeça para baixo em exatos cinco minutos, da mesma forma que é capaz de entregar-me, como presente, um pedacinho de papel e dizer-me baixinho, naquela linguagem que só os avós e bisavós entendem: “Bisa querido, eu te amo!”.
Bernardo chegou de repente. E foi muito bem-vindo. Não sei se ele foi consultado sobre a vinda a este mundo, em momento tão doloroso. Desconfio que tenha sido e concordado, trazendo como missão mudar o que está aí. Reúne algumas condições que dizem ser características das chamadas crianças cristal: tem olhos grandes, espertos, que, ao pousarem em você, parecem perscrutar a sua alma; é curioso, tudo lhe interessa e lhe chama a atenção, sem assustá-lo; sabe, desde já, o que quer, e tem pressa. Pode ser também doce, afável e carinhoso, quando sobra-lhe tempo para isso. A primeira palavra que disse foi “luz”. E isso talvez tenha algum significado.
Então, meu querido Bernardo, se você chegou para mudar o mundo, que posso eu ensinar-lhe? Talvez uma lição recebida de Rubem Alves, que teve a experiência de quatro netas. Um segredo guardado a sete chaves, que só pode ser contado em conversa particular entre avô e neto ou bisavô e bisneto, sem a presença dos pais. Mais que um segredo, é um alerta: cuidado com os adultos. Eles são uns tolos, cheios de regras e manias. São sisudos e mal-humorados. Têm uma palavra favorita – “não!” – e só sabem ameaçar com castigo. Levam tudo muito a sério e não sabem brincar. Evite ficar como eles, Resista. E conte com este bisavô, enquanto eu ainda estiver por aqui. Um grande beijo.