Protesto contra excelência

Nós, taxistas, gostaríamos de protestar contra o excelente serviço prestado pela empresa Uber. Do jeito que a coisa anda, tudo indica que, em breve, todo passageiro vai querer respeito, conforto e educação.

Outro dia um passageiro veio me pedir pra abaixar o som. Aí você me pergunta: o carro é dele? Não. Então por que é que ele quer mandar no volume? Se o motorista quer digitar no WhatsApp enquanto dirige falando no Nextel e ouvindo a rádio do pastor é um direito dele.

O mesmo sujeito perguntou se eu tinha uma garrafinha de água. Eu lá tenho cara de Sabesp? Parei pra mijar no poste. Ele reclamou, disse que tava atrasado. Pelo amor de Deus. Sabe o que eu devia ter feito? Mijado numa garrafinha. Toma a sua água, tá feliz? Daí passou um pivete e eu disse que eles tinham mais é que morrer fuzilados. O cliente ficou horrorizado. Pediu pra sair. Gente, “pivete tem mais é que ser fuzilado” é o nosso “bom dia”. Nunca chocou ninguém. Daqui a pouco não vou mais poder ter saudades da ditadura. Aí acabou o assunto de vez.

Meu colega tava parado no ponto e veio um passageiro querendo ir pro subúrbio. O colega recusou. É direito dele: o colega simplesmente não estava com vontade de ir para o subúrbio, era muito fora de mão para ele, não iria ter passageiro para ele no subúrbio, enfim, uma porrada de razões. O passageiro chamou um Uber. Daqui a pouco não vai mais ser permitido recusar um passageiro só porque a gente não foi com a cara dele.

Existem duas possibilidades. Ou se investe em melhoria da frota e educação dos motoristas para que os táxis estejam à altura da concorrência ou se proíbe de vez a concorrência. Uma das opções é cara e demorada. A outra é vapt-vupt. A sorte é que o secretário dos transportes do Rio já garantiu que tá do nosso lado.

Gastei R$ 200 mil pra comprar meu alvará. Não foi fácil chegar até aqui. Alugo essa licença para um outro taxista que me paga R$ 150 por diária de 12 horas.

Ainda não paguei nem metade dos 200 mil e os locatários não estão conseguindo chegar nem na diária de 150. Daqui a pouco vão querer trabalhar de graça. E quem quebra sou eu.

Imagina que, de repente, o Rio resolvesse investir em metrô de qualidade. Ia ser um tal de companhia de ônibus decretando falência. Por isso que o metrô tá bom assim, mirrado. Vocês reclamam que o país tá subdesenvolvido, mas é isso que garante o emprego de muita gente.

gregorio duvivier

Gregorio Duvivier|Folha de São Paulo

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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