Na coluna passada, com grande tristeza, fui obrigado a dar ao leitor um exemplo de um mau juiz, que denigre a imagem do Judiciário, causa um enorme prejuízo ao erário e acaba com a confiança da população nas instituições públicas, particularmente naquelas que abrigam os togados.
Hoje, sinto-me na obrigação de oferecer um contraponto, relembrando a figura de um jurista de escol, um jurista que engrandeceu o Judiciário brasileiro. Desses que estão se tornando cada vez mais raros. Refiro-me ao ministro Milton Luiz Pereira, que lamentavelmente já nos deixou.
Paulista de nascimento, Milton tornou-se desde logo paranaense. Aqui estudou, aqui formou-se pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, aqui foi locutor de rádio, aqui foi advogado, aqui foi professor – rigoroso com os alunos e consigo mesmo, e aqui foi juiz federal, até chegar ao Superior Tribunal de Justiça.
Como ministro do STJ, Milton Luiz julgava, em certa ocasião, a questão de um ex-gerente bancário, Waldemar Cardoso de Sá, do Rio de Janeiro, que, em maio de 1977, durante um assalto à sua agência bancária, foi vítima de uma bala perdida e ficou paraplégico.
O precatório cobrado por Waldemar das autoridades fluminenses foi pré-anotado em maio de 1996 – dezenove anos depois que a má pontaria da polícia carioca interrompeu a atividade do então promissor bancário e o atirou em uma cadeira de rodas.
Até 2001, porém, o governo do Rio – como, de resto, acontece com todos os governos estaduais, inclusive o do Paraná – não havia definido a data da quitação.
Waldemar, com amparo na lei, solicitou a intervenção no Estado do Rio de Janeiro por descumprimento de ordem judicial. O pedido foi deferido pelo Tribunal de Justiça fluminense, mas, como sói acontecer, o Estado recorreu ao Superior Tribunal de Justiça, em Brasília. Alegou falta de recursos e a existência de algumas dúvidas sobre a exatidão do quantum devido. Tudo igual a o que tantas vezes já ocorreu aqui mesmo na Terra dos Pinheirais.
Só que, no STJ, o Estado relapso, devedor e mau-pagador bateu de frente com o paranaense Milton Luiz Pereira.
“Neste País” – sentenciou o ministro –, “credor da Fazenda Pública que não tiver vida longa, levará o seu crédito para o além. É um sofredor numa verdadeira fila de pedintes, a despeito de favorecido pelas leis constitucionais, orçamentária e por decisão judicial. Teve a sua espinha dorsal destruída por um tiro disparado por engano por um policial do Estado e hoje, com quase 70 anos, vive por razões que nem mesmo o próprio sabe, diante da carga estupenda de sofrimentos”.
É isso aí: credores do Estado, neste país, formam um batalhão de pedintes, humilhados e maltratados, como se fossem párias gananciosos, embora tenham a seu favor a lei e reiteradas decisões judiciais. Agora, experimente ficar devendo para o Estado…
Milton Luiz Pereira votou favorável à intervenção federal no Rio de Janeiro, como única maneira para garantir o pagamento do precatório em favor do ex-bancário Waldemar. E, como fecho, evocou o pensador André Malraux:
“A esperança dos homens é a sua razão de viver e morrer. Desde a tragédia ocorrida há quase 25 anos, um brasileiro não esmoreceu a sua confiança no Judiciário, força do seu viver para não morrer. Não pode ser desapontado”.