O movimento golpista em gestação no Planalto Central pela figura cujo nome não deve ser dito nem escrito, sob pena de maldição, e pela camarilha que o cerca, incluindo alguns fardados de elevada patente, fez-me lembrar de uma tentativa de patifaria semelhante acontecida nos idos de 1955.
Às vésperas das eleições presidenciais, um grupelho político, liderado pelo então deputado federal Carlos Lacerda, tentou impedir a candidatura do mineiro Juscelino Kubitschek de Oliveira, sob a esfarrapada desculpa de que, com JK, o getulismo voltaria ao poder.
Barrada essa primeira tentativa de golpe, realizadas as eleições e eleito Juscelino, Lacerda e os cupinchas da então UDN (União Democrática Nacional) passaram a tratar do impedimento da posse de Kubitschek, agora sob a desculpa de que o eleito não alcançara a maioria absoluta dos votos – o que não era exigível na ocasião.
Como parte do plano, o vice de Getúlio, Café Filho, que assumira a presidência, alegou motivo de saúde e internou-se no Hospital dos Servidores, passando o cargo para o presidente da Câmara de Deputados, Carlos Luz, que fazia parte do esquema golpista.
Mas, para que o golpe se viabilizasse, era necessário afastar da chefia do então Ministério da Guerra (hoje, do Exército), o general Henrique Teixeira Lott, um intransigente legalista, e substituí-lo pelo general Fiúza de Castro, simpático à causa.
Carlos Luz convocou Lott ao Catete, então sede do governo, e notificou-o da mudança. Lott não contestou a decisão presidencial, obediente à hierarquia, pedindo apenas que a transmissão do cargo ocorresse no dia seguinte, após as 15 horas, para esvaziar as gavetas, retirando-se em seguida.
Só que, a essa altura, um grupo de parlamentares e alguns oficiais das Forças Armadas, inconformados com o ocorrido e convictos de que o afastamento de Lott tumultuaria o ambiente e criaria problema para a diplomação e posse de JK, reuniram-se no anexo do Hotel Copacabana Palace. Ali, decidiu-se que o deputado José Maria Alkmin, amigo íntimo de Juscelino, e mais alguns deputados fariam uma visita ao general Odílio Denys, comandante do Primeiro Exército, para expressar-lhe a sua preocupação.
Naquela mesma noite, Lott, que morava próximo a Denys, notou que a casa do vizinho ainda estava iluminada e ligou para ele para saber o que se passava. Como resposta, soube que o colega logo chegaria à sua casa. Lott foi inteirado dos fatos por Denys, que disse temer a grave violação da ordem constitucional.
Convencido da intenção antidemocrática, Lott, no dia seguinte, vestiu a farda e se encaminhou ao Ministério da Guerra. Reuniu-se com seus assessores, fez contato com os generais-comandantes dos demais Exércitos e comunicou ao general Fiúza que não haveria a transmissão do cargo de ministro.
Às 11 horas de 11 de novembro de 1955, a Câmara votou o impeachment de Carlos Luz e convocou o senador Nereu Ramos, presidente do Senado, para assumir a presidência da República. Dias depois, o impedimento de Café Filho também foi proclamado pelo Congresso Nacional.
Sob a influência de Carlos Lacerda, um grupo, do qual fazia parte o ex-presidente Carlos Luz, embarcou no cruzador Tamandaré, que zarpou rumo a São Paulo, onde pretendia produzir um movimento contra os novos ocupantes do poder. Mas, quando o cruzador passava ao largo do Forte de Copacabana, foram disparados dois tiros de advertência, que barraram a viagem.
Em 31 de janeiro de 1956, Juscelino Kubitschek não só tomou posse na presidência da República, como anunciou, desde logo, o seu Programa de Metas, com trinta itens relativos ao desenvolvimento econômico, incluindo a construção da nova Capital Federal, Brasília, no cerrado goiano. Isso tudo graças ao contragolpe dado pelos generais Henrique Lott e Odílio Denys para assegurar a vontade das urnas, a voz do povo e proteger a democracia
Só para constar, JK foi um dos maiores estadistas que o Brasil já teve. Com o objetivo de fazer o país crescer 50 anos em 5, fez o brasileiro acreditar em si mesmo, desenvolveu a indústria automobilística e a naval, criou a Sudene e a Sudam, construiu Brasília, como construiu Furnas e o açude de Orós e rasgou a Rodovia Belém-Brasília e onze mil quilômetros de rodovias. Ao assumir o governo, a Petrobrás produzia 5 mil barris de petróleo por dia; deixou-a com 100 mil barris diários. E isso tudo com um otimismo contagiante e a mesma simplicidade de mineiro de Diamantina.
Quem quiser saber mais sobre o tema, deve ler “Luz e Trevas – Nos tempos de Juscelino” (Editora É Realizações, 2002), de Hermógenes Príncipe.
Como se vê, houve época em que o pessoal fardado cumpria rigorosamente o seu dever, defendia intransigentemente a democracia e, nos devidos termos constitucionais, punha-se a serviço do governo, da Nação e do povo, e não de governantes transitórios, arruaceiros e mal-intencionados.